Luis Nassif // http://jornalggn.com.br/
O PSDB de Sérgio Motta e Mário Covas tinha um projeto de poder de 20 anos, porque pensavam em um projeto de Nação. Apostava que a estabilidade econômica e a pacificação política pós-real permitiriam desenvolver um conjunto de políticas legitimadoras que garantissem o poder do partido.
O projeto dançou com a inoperância do governo Fernando Henrique Cardoso e com sua falta de visão política sobre as novas bandeiras a serem içadas.
O PT de Lula entrou, então, com um plano de 20 anos, porque ancorado em um projeto de Nação. Desenvolveu políticas sociais, políticas industriais, avançou nas políticas educacionais e científico-tecnológicas.
Dançou ao não perceber os novos tempos de militância em redes sociais, ao não conseguir se desvencilhar das políticas tradicionais e não dispor de uma estratégia para o segundo governo Dilma.
O grupo que assumiu o poder não tem projeto algum.
Na ponta do PMDB montou o maior assalto ao poder desde o governo Sarney.
Na ponta do mercado, um grupo de economistas que se move exclusivamente por bordões ideológicos e visão de curtíssimo prazo. São a contrapartida do mercado à superficialidade desenvolvimentista de um Guido Mantega.
Já o ex-PSDB tornou-se um partido de direita tosca, perdendo qualquer capacidade de planejamento do futuro. Seus formuladores ou se aposentaram ou desistiram do partido. As lideranças atuais só conseguem articular o discurso da intolerância e do antipetismo.
Não há poder que sobreviva sem um projeto de Nação.
Esse quadro lança o seguinte quebra-cabeças para os próximos anos.
Peça 1 – a crise e um governo sem projeto
Há muito tempo, um dos principais déficits do país é no estudo da economia.
Para manter os privilégios do rentismo, o establishment econômico trocou as visões sistêmicas, a análise de realidades complexas, por simplificações absurdas e visões de curtíssimo prazo, atropelando princípios básicos de economia. Como a ideia de que um violento choque fiscal pró-cíclico, em meio a um quadro recessivo, permitiria em poucos meses a volta do crescimento – brandido por Joaquim Levy, o coveiro de Dilma. Ou, agora, a superstição que bastará um teto nas despesas primárias, deixando de lado os juros, a demanda e as relações sociais e políticas, para devolver a confiança aos investidores.
No médio prazo, é tão draconiano que não se sustentará. É um pacote que não tem viabilidade econômica, nem apelo eleitoral.
No curto prazo, ajuste fiscal e política monetária restritiva, em uma economia em depressão, apenas produzirão mais depressão.
O mercado tem as seguintes fontes de dinamismo:
· Gastos públicos.
· Demanda externa.
· Novos investimentos.
Com a PEC 241, esqueçam-se os gastos públicos.
Com a taxa de juros puxando o câmbio para baixo, mata-se a possibilidade de estimular a economia via exportações.
Com os juros reais em alta (devido à queda da inflação), e com a capacidade ociosa da economia (em função da recessão) o único investimento que acontecerá será na compra de ativos públicos e privados depreciados pela crise.
O país entrará em 2018 com a economia se arrastando, sendo tocado por um governo ilegítimo, sem dispor de nenhum projeto de país.
Portanto, reduzam as estimativas de dez anos de predomínio da direita. Ela fenece antes disso.
Peça 2 – o acervo de projetos da era Lula-Dilma
Por outro lado, em que pese os desastres dos últimos anos, os governos Lula e Dilma lograram desenvolver um conjunto de novas políticas públicas exitosas, industriais, de parcerias com confederações para estímulo à inovação, de avanços na educação, de estratégias diplomáticas, além das políticas sociais.
Como já foram utilizadas com sucesso, bastará a recuperação da história recente do país para se voltar a apresentar um projeto de país ao eleitorado. E, daqui a dois anos, o bicho-papão não será mais o PT, mas a camarilha de Temer.
Algumas das ideias do período que necessitarão ser recuperadas:
Novas políticas industriais
A ideia de juntar políticas de bem estar – como educação e saúde – com compras públicas que estimulem um complexo industrial, cujo momento maior foram as negociações com multinacionais para a transferência de tecnologia de medicamentos adquiridos pelo SUS para laboratórios públicos e nacionais privados,.
As parcerias com a CNI para aparelhamento de laboratórios de universidades federais, em torno de projetos factíveis de desenvolvimento de novos produtos e de apoio a setores competitivos.
A tentativa de transformar a Finep em articuladora das Fundações de Amparo à Pesquisa para financiamento de startups e de setores de tecnologia de ponta, mapeados pelos conselhos empresariais reunidos na ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), infelizmente abandonados na gestão Dilma.
A recuperação do projeto da Petrobras como centro de um complexo químico-industrial, um dos grandes feitos de Dilma.
Novas políticas educacionais
As mudanças com a nova base curricular, os avanços nas conferências nacionais, no desenho de um Plano Nacional de Educação acordado com professores, secretarias de educação e ONGs privadas, o Fundeb, a identificação de projetos bem-sucedidos para disseminação pelas escolas, tudo isso significaram décadas de avanço sobre as baboseiras de pretensos especialistas pretendendo tratar a educação como uma Olimpíada, com cada escola disputando isoladamente os indicadores de avaliação.
A integração de políticas
A parceria interministerial para políticas sociais, como o Brasil Carinhoso, o embricamento do Bolsa Família com o Ministério da Educação.
Os modelos de participação
Embora deixados de lado por Dilma, a figura dos conselhos da sociedade civil – tanto na área social quanto empresarial – são figuras jurídicas maduras, testadas, e que deverão constar da plataforma de qualquer candidatura progressista.
Peça 3 - Os avanços sociais e o governo sem projeto
Há um país moderno, contemporâneo, que transcende o PT e penetra também nos setores mais arejados das grandes metrópoles e no próprio empresariado mais antenado com a contemporaneidade.
Essas bandeiras estão a quilômetros de distância do eixo PSDB-PMDB, que definitivamente se associou ao que existe de mais anacrônico no campo dos costumes.
A ideia de um poder de direita se sustentando por décadas não resiste à falta de projetos do grupo. Com Lula ou sem Lula, dificilmente terá uma plataforma competitiva para 2018.
A arma à qual recorrerá o grupo de poder será a radicalização política, a tentativa de aprofundar o estado de exceção.
A resposta política não poderá ser mais radicalização, mas o exercício diuturno da política, buscando um arco amplo de alianças, que não fique restrito aos grupos de esquerda, mas a todo um espectro de forças modernas, antenadas com a contemporaneidade.
Peça 4 – a construção da oposição
O caminho passará pela construção de pontes com grupos internos comprometidos com os valores democráticos em cada área de poder, que possam exercer papel de liderança e de influência no seu meio.
As mudanças no Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal só se concretizarão com alianças com os setores internos de cada instituição, hoje calados pela maré obscurantista que tomou conta do país.
Há um conjunto de temas a ser trabalhado, dentro da reconquista de um novo projeto de país, aprendendo em cima dos erros cometidos:
Gestão pública
Na ponta da gestão, a responsabilidade maior caberá ao conjunto de governadores progressistas – de Minas, Bahia, Piauí, Maranhão, Ceará e Acre -, estimulando práticas participativas, recuperando os conceitos de políticas de desenvolvimento. E, principalmente, disseminando os conceitos de forma competente nas redes sociais.
Papel relevante pode ser assumido pelos técnicos que ajudaram a implementar um conjunto amplo de políticas sociais inovadoras no governo Fernando Haddad.
O governo Dilma e, principalmente, o de Haddad, comprovam que sem uma venda política eficiente de um projeto de governo, as melhores administrações tendem a naufragar.
Economia e política
No campo econômico, o questionamento radical – e didático - da política monetária do Banco Central, assim como da liberdade absoluta dos fluxos de capital, algo que nenhuma administração do PT ousou afrontar. Principalmente após a PEC 241, ficará cada vez mais claro que o problema econômico central do Brasil é a carga de juros, sustentada pela falsa ciência das metas inflacionárias.
Em algum momento, será necessário algum consenso entre as principais escolas de pensamento heterodoxo, Institutos de Economia da Unicamp e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas, mas em um plano interdisciplinar, com os institutos de análise política, como o IUPERJ, a UFMG e outros, para consolidar no plano teórico o verdadeiro normal da economia.
É um desafio para a academia.
Mídia
No campo da comunicação, o questionamento amplo da cartelização da mídia, do sistema de concessões públicas.
Mais do que nunca, haverá a necessidade de uma regulação da mídia, não apenas no campo econômico, mas também em temas diretamente ligados aos direitos sociais e individuais: como o direito de resposta e a necessidade de pluralidade nas TVs abertas e rádios.
Não será desafio fácil. Não poderá ser uma agência centralizada que possa, mais à frente, instituir formas de censura.
O caminho passa pela diversificação das fontes de notícias, da entrada dos grupos estrangeiros – que hoje em dia já produzem o melhor jornalismo no Brasil – à organização de alternativas internas das centrais sindicais, Igreja, coletivos, conselhos, que terão que se organizar para se tornarem produtores de informação.
Segurança pública
No campo da segurança pública, o enquadramento dos órgãos de repressão, especialmente a Polícia Federal e as Polícias Militares, devolvendo às Forças Armadas seu papel de defesa contra o inimigo externo, envolvendo-a prioritariamente com tecnologia, defesa aeroespacial e marítima.
Trata-se de um desafio que passa pela formação profissional, pelas formas de ingresso e de ascensão na carreira. Terá que haver uma aproximação com setores democráticos dentro dessas corporações
Sistema judicial
No campo institucional, uma discussão ponderada e firme sobre os órgãos de controle, acabando com a ampla subversão de poderes, nos quais se tem um Tribunal de Contas opinando sobre políticas fiscais, procuradores avançando sem controle algum (nem externo nem interno) sobre todos os temas, tribunais superiores sem accountability.
Não se pode coibir os poderes, mas submetê-los a formas de prestação de contas para a sociedade civil, em parceria com os grupos internos mais arejados.
Sistemas participativos
Há toda uma estrutura institucionalizada de organização da sociedade civil, através dos conselhos sociais representando os diversos setores, desde os temáticos – saúde, educação, segurança – até os de minorias – negros, idosos, juventude, criança e adolescente, criança com deficiência.
Especialmente, há as universidades, institutos de pesquisa e a extensa rede de escolas secundárias, como centros de discussão e de formação gradativa de consensos. E há as redes sociais e a Internet possibilitando fóruns de discussão nacionais.
Peça 5 – desenho do futuro
Falta um partido ou frente política dando consistência a esse arquipélago de movimentos modernizadores, dessa musculatura da sociedade civil.
Mesmo assim, há quantidade e variedade de grupos de interesse, espalhados por todo o país, se constituirão em trincheiras contra os esbirros autoritários da camarilha de Temer apoiada pela mídia. Dificilmente esses atentados ao Estado de Direito conseguirão prosperar.
Há instrumentistas disponíveis em todos os campos sociais, políticos e econômicos, jurídicos e policiais, uma massa crítica considerável. Falta um maestro ou estrutura que dê organicidade à orquestra.
Como se trata de uma sociedade viva, nos próximos anos se verão movimentos de aproximação entre esses grupos, de busca de identidades comuns, até haver massa crítica para a constituição de um partido ou frente que acomode todas essas forças modernizantes.
Mesmo que a colheita dure um pouco, o plantio está começando de forma vibrante.
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