quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

O golpe contra a Venezuela, direto ao corpo da sua chanceler

A chanceler venezuelana tentava participar da reunião técnica, que se realizava no décimo andar da Chancelaria. Não a deixaram passar e depois a agrediram.

                Martín Granovsky, para TeleSur //www.cartamaior.com.br

Num fato inédito para a diplomacia internacional, forças de segurança da Argentina empurraram a chanceler venezuelana e golpearam seu antebraço direito com tal força que um médico teve que imobilizar o seu braço. A agressão a Delcy Rodríguez aconteceu nesta quarta-feira (14/12) e foi cometida nada menos que na entrada do Palácio San Martín, a histórica sede do Ministério de Relações Exteriores da Argentina.

No dia 2 de dezembro passado, a Venezuela foi suspensa como membro pleno do Mercosul porque, segundo disseram publicamente os outros quatro sócios do bloco (Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai), não se adaptou totalmente às normas internas do mercado comum.

O governo de Nicolás Maduro deveria assumir neste semestre a presidência pro tempore do Mercosul, mas três dos demais integrantes (Argentina, Brasil e Paraguai) impediram que assim fosse, com um argumento de aparência técnica que poderia ser um primeiro indício de um conflito ideológico que pode se tornar muito maior no futuro. A verdadeira razão da negativa foram as diferenças políticas entre a Venezuela e os governos de Mauricio Macri, Michel Temer e Horacio Cartes. O uruguaio Tabaré Vázquez teve uma posição inicial de respeito, apesar de suas conhecidas diferenças com o chavismo, mas logo terminou se somando ao trio.

Ao tomar a decisão, Macri se referiu à situação interna da Venezuela, levantando a bandeira dos direitos humanos. Desde o primeiro dia de sua gestão, o presidente argentino já pedia a separação de Caracas do bloco.

Como os quatro membros, à exceção da Venezuela, haviam programado um encontro entre os chanceleres para o meio-dia, a ministra venezuelana decidiu ir a Buenos Aires e se apresentar. Não foi um operativo surpresa. Ela o anunciou antes.

Pela manhã, acompanhada por seu colega boliviano David Choquehuanca, cujo país figura como observador no bloco – tem voz mas não tem voto –, Rodríguez se dirigiu ao edifício onde funcionam os escritórios da Chancelaria argentina, na rua Arenales, entre Esmeralda e Maipú. Junto com ela, também estavam o vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara de Deputados da Argentina, Guillermo Carmona, e o ex-embaixador argentino na Bolívia, Ariel Basteiro.

Em um princípio, membros da comitiva receberam a informação de que ela não seria autorizada a entrar no edifício da Chancelaria. Porém, a intervenção do chanceler de Evo Morales daria a ela a permissão necessária.

Rodríguez conversou brevemente com sua colega argentina Susana Malcorra. A essa altura, ela já tinha em seu poder uma carta de Malcorra, cujo cabeçalho dizia “senhora ministra” e logo agregava o manuscrito “estimada Delcy”. Diz um dos parágrafos do texto: “Devido a determinação de cessar o exercício dos direitos inerentes à condição de Estado Parte do Mercosul à República Bolivariana da Venezuela, não será possível a sua participação na XI Reunião Extraordinária do Conselho do Mercosul”.

A chanceler venezuelana tentava participar da reunião técnica, que se realizava no décimo andar da Chancelaria. Não a deixaram passar. O chanceler boliviano Choquehuanca teve seu ingresso permitido, mas decidiu não entrar, em solidariedade com a ministra venezuelana. Representando a Bolívia, participou somente o vice-ministro de Comércio Exterior.

Às 11h30 da manhã, Choquehuanca e Rodríguez tentaram entrar pela porta principal do Palácio San Martín. Não conseguiram. Devido ao anúncio de manifestações solidárias com a Venezuela, o governo de Macri montou um forte e truculento dispositivo de segurança. Os responsáveis pelo dispositivo não repararam em quem estava por diante. Choquehuanca teve que gritar a um policial que parasse com os ataques. Delcy Rodríguez recebeu um golpe muito forte em seu braço, apesar das tentativas de protegê-la por parte dos argentinos Basteiro e Carmona. O deputado Guillermo Carmona contou que foi preciso levantar a voz e exibir sua credencial em meio ao tumulto criado pela polícia.

Os protestos verbais do diplomata argentino Ariel Basteiro e a atuação do embaixador de Venezuela em Buenos Aires, Carlos Martínez Mendoza, permitiram que os dois chanceleres pudessem cruzar o cordão policial. Porém, Carmona foi o único que os acompanhou. Já no saguão do Palácio San Martín, se produziu um diálogo entre a chanceler venezuelana e um funcionário da Chancelaria argentina que Carmona não soube identificar.

“Vocês são golpistas”, teria dito Rodríguez, segundo o deputado Carmona. “Sim, senhora, somos golpistas, mas você não pode entrar”, teria sido a resposta do funcionário, segundo o parlamentar argentino.

Finalmente, Delcy Rodríguez entrou, junto com Choquehuanca e Carmona. Os três foram levados até um salão onde estavam todas as bandeiras dos países do Mercosul. A suposição era que estava programada para acontecer ali a reunião dos chanceleres, que deveria se realizar às 12h, mas sem a presença da ministra venezuelana.

Quando levavam alguns minutos esperando, Choquehuanca e Rodríguez se surpreenderam ao constatar que os empregados do ministério começavam a retirar as bandeiras, até deixar a sala vazia. Deduziram que a reunião havia sido transferida para outro local.

“O governo que fala tanto do perigo da divisão, mas é ele que está criando uma divisão perigosa para todos os nossos países, uma cisão sul-americana”, disse Carmona.

Carlos Martínez Mendoza, embaixador venezuelano na Argentina, repudiou os golpes contra sua ministra e afirmou que “se trata de uma nova mostra de intolerância política contra a República Bolivariana da Venezuela, agregando um fato ainda mais grave, a agressão à própria chanceler, que precisou receber atenção médica”. Ele agregou que a Venezuela “cumpriu com 95% do processo de incorporação de normas do Mercosul ao seu regime legal interno, e o fez proporcionalmente mais rápido que os outros quatro países, porque se adequou em somente quatro anos, demonstrando sua vontade de integração”.

Um documento emitido pelo governo da Venezuela indica que o país adotou um total de 1224 normas do Mercosul, e que falta adotar e notificar somente 8% do total. Também ressalta que a Venezuela incorporou ao Focem, o fundo do Mercosul que funciona como instrumento de compensação para os países mais frágeis (Paraguai e Uruguai). Outro dos pontos centrais devidamente cumprido foi o da adesão à tarifa aduaneira comum.

Em meio a esta crise, que desta vez chegou até a agressão física, se conheceu a notícia, difundida em meados da tarde de quarta-feira, de que a Reserva Federal dos Estados Unidos subirá sua taxa de juros referencial pela segunda vez desde 2008. Porta-vozes da chamada Fed disseram ao diário The New York Times que estimam três outros aumentos durante 2017. Isto significa que os países que se endividarem pagarão mais caro pelo dinheiro que tomarem emprestado. O dilúvio de golpes chegou antes da chuva de investimentos prometida por Macri. E o golpe mais forte foi direto ao corpo de uma chanceler sul-americana.
Tradução: Victor Farinelli




Créditos da foto: reprodução

Nenhum comentário:

Postar um comentário

12