quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Hipoteca no céu bishop dos crentes

 (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Por Gilberto Felisberto Vasconcellos
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O que há de novo? O novo, ainda que sem nenhuma novidade política, é a vitória gospel dos crentes sobre a telenovela hedonista e católica da Globo. O último político a conflitar com esse poder midiático foi Leonel Brizola, nacionalista e anti-imperialista, carecia de televisão a seu dispor. Seu partido era fraco e pequeno, não tinha igreja que funcionasse como curral eleitoral.

Os crentes levam vantagem em relação à Globo que está perdendo a batalha midiática, sua mensagem é volátil, não encontra respaldo em um determinado lugar físico como o templo ou a igreja. A institucionalidade crente é mais forte do que a persuasão da Globo. É isso o essencial e não as sutilezas teológicas entre protestantes e católicos. A questão é dinheiro.
Novos ricos rentistas, os proprietários de igrejas e meios de comunicação entram na cena política, disputam o espaço com o poder midiático tradicional que foi favorecido pelo golpe de 64 e que conta com a presteza do Judiciário. Este, sabemos todos, é volúvel e segue os ditames de quem está no poder, portanto os evangélicos estão de olho no Judiciário. A Globo lançará mão de todas as artilharias jurídicas para tirar Marcelo Crivella da Prefeitura do Rio de Janeiro.

A Family Garotinho, que não leva a sério a distinção entre burguesia e proletariado, estará imbuída da tarefa de acionar um mecanismo assistencialista no Rio de Janeiro mais eficaz do que foi o do PT com as suas bolsas calóricas. E para atingir esse objetivo filantrópico, terá de convocar o titio Edir Macedo para por dinheiro da Igreja na parceria público/privada, indo além do imediatismo argentário que caracteriza o comportamento capitalista.

Pela primeira vez, a igreja evangélica, que sempre tirou dinheiro do povo (acumulação primitiva do capital feita pelo dízimo manipulado), terá de retribuir-lhe com objetivo de conquistar os deserdados que anseiam por um messias salvacionista. Essa igreja não lida com o trabalho produtivo e a economia real, e sim com o sistema financeiro, é o dinheiro que dá dinheiro, o capital comercial, a esfera da trapaça. Capital-dinheiro. Por conseguinte, pode se utilizar da esmola com desenvoltura visando conquistar a massa em curto prazo. O rosário do óbolo dá voto.

Os evangélicos são burgueses pragmáticos de inspiração anglo-saxônica, mas diferentemente dos tucanos (Alckmin fala para uma plateia suíça), não se valem de uma linguagem tecnicista com léxico sociológico. Observe-se a linguagem tecnocrática do gestor Dória, o pseudorracionalismo com inferências estatísticas, cuja expressão linguística é horrenda.

A linguagem radiofônica dos crentes é a da hipérbole redundante do afeto paternalístico e manipulador. O Cristo de Crivella pode vestir-se de blue jeans e, como o do Vaticano, não é anti-pop. O Cristo popstar tomou conta de todas as religiões, dizia Pasolini em meados da década de 1970.
"Ao rico abençoado cabe a incumbência de cuidar das pessoas, pessoas pobres evidentemente, os doentes, os velhos, os desempregados; mas o detalhe é que não se trata de miséria (a exemplo do que foi denunciado pelo cinema de Glauber Rocha), e sim de pobreza, que não é um mal, pois os pobres não devem se rebelar contra as medidas de austeridade da PEC-Temer, que não é vista como uma praga segundo a Igreja Universal do Reino de Deus"

Ao rico abençoado cabe a incumbência de cuidar das pessoas, pessoas pobres evidentemente, os doentes, os velhos, os desempregados; mas o detalhe é que não se trata de miséria (a exemplo do que foi denunciado pelo cinema de Glauber Rocha), e sim de pobreza, que não é um mal, pois os pobres não devem se rebelar contra as medidas de austeridade da PEC-Temer, que não é vista como uma praga segundo a Igreja Universal do Reino de Deus.

Existe também uma massa informal crente que vende sua força de trabalho, existe um precariato crente que não consegue sequer ler a Bíblia. O crente proletário é tão oprimido quanto o ateu ou o católico. Edir Macedo já foi semi-lumpem-desclassado no interior do Rio de Janeiro. Ele se fez pela fala, pelo gogó, pela retórica, embora não fale nem escreva bem, provavelmente será como Merval Pereira, ilustre membro da Academia Brasileira de Letras. Leon Trotsky com sarcasmo falava em “Papa Stalin”, então por que não um “Papa Macedo” dos evangélicos?

A expropriação do dízimo é acompanhada por uma expropriação da energia psíquica do devoto. É a mais-valia ideológica, de que falava o poeta Ludovico Silva referindo-se ao gigolô do povo. A propósito, a palavra gigôlo é uma invenção linguística clerical. Tudo isso conflui na mistura da moeda católica com o crédito protestante.

O Padre Vieira anunciou o clero ilustrado no “pecado que se faz não fazendo”. Afinal, dogma é anti-raciocínio. Os evangélicos não toleram a ideia de santo porque o santo nega o poder. A disjuntiva é esta: a santidade ou o poder.

Ouvimos todos os dias que o que importa é rezar, não pensar. Os brasileiros estamos esperando a sabedoria do espírito santo. Carlos Marx dizia que a lógica de Hegel era a lógica da Santa Casa, nome que foi dado ao lugar da Inquisição em Madrid.

Crivella, como o Papa Francisco, certamente deve odiar Epicuro, o antigo filósofo grego que fez Marx virar comunista. “O mundo deve ser desiludido, especialmente liberado do medo dos deuses, porque o mundo é meu amigo.” Para o homem religioso, o mundo é seu inimigo.

Silva Mello, o único homem ateu em Minas Gerais, médico de Einstein, retomou Epicuro: a religião não faz feliz o homem. Religião é pessimismo, renúncia e sofrimento. Os deuses são sanguinários e os místicos não passam de loucos. A crença sobrepõe-se à razão.

O inferno é descrito em detalhes pelos teólogos, enquanto o céu ninguém sabe o que é. Para a religião, o ateu não presta, é homem desonesto, deve ser eliminado e linchado pela Bíblia. A incredulidade deve ser punida. Para o doutor Lutero, o mais antigo economista da Alemanha, que tinha uma personalidade tirana como a de Calvino, a razão é meretriz do diabo. O profeta Maomé era patriarcalista, machão e tarado. A coisa divina, com o advento da indústria cultural do capital monopolista, está cada vez mais enredada na televisão e no dinheiro, como se vê no Jesus Cristo de programas de auditório. Os evangélicos falam insistentemente nos pobres, mas nunca referem-se às causas sociais da pobreza. Para os discípulos de Edir Macedo, o latifúndio não é um problema de ordem religiosa. Os lotes no céu já estão sendo vendidos à prestação. Salve-se quem pagar.


♦ Gilberto Felisberto Vasconcellos é jornalista, sociólogo, escritor e colunista de Caros Amigos.

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