quarta-feira, 24 de maio de 2017

A securitização de direitos futuros do petróleo no coração da crise do Rio

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As operações internacionais feitas pelo governo do Rio para obter recursos resultaram, com a insolvência estrutural do fundo Rioprevidência, em ganhos significativos para as instituições financeiras estrangeiras privadas envolvidas

Conteúdo especial do projeto do Brasil Debate e SindipetroNF Diálogo Petroleiro

A difícil situação financeira enfrentada pelo Estado do Rio de Janeiro na conjuntura é resultado da confluência de eventos ruins. Durante o ano de 2014, os preços de petróleo internacional caíram à metade, o que impactou severamente receitas de royalties obtidas pelo Estado. A partir de 2015, somou-se queda acentuada nas transferências de impostos do Governo Federal, consistente com impacto da crise política sobre a atividade econômica em geral, particularmente sobre a Petrobras.

Até 2013, contudo, o Governo Federal havia realizado operações de crédito, seja através do tesouro, seja com emprego dos bancos públicos. A partir de então, a concertação entre a Fazenda federal e os interesses financeiros têm subordinado o governo local ao receituário neoliberal de privatização e contenção de gastos. Como joias da coroa encontram-se o controle da CEDAE e a securitização de direitos futuros sobre royalties do petróleo.

O objetivo do presente artigo é analisar o compartilhamento de riscos e retornos esperados em operações de antecipação de direitos de royalties em mercado de capitais. Para tanto, tomou-se como referência a emissão de títulos em mercados de capitais internacionais em 2014.

Contexto da emissão de títulos lastreados em royalties futuros pelo governo do RJ

Durante a década de noventa foi criado o Fundo Único de Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro – Rioprevidência. Desde a origem observou-se desequilíbrio atuarial, não apenas no Rioprevidência, mas em outros Fundos Previdenciários estaduais. Este desequilíbrio deveu-se a vícios da Constituição de 1988, que concedeu benefícios ao servidor que não encontram contrapartida em reservas atuariais. À época, o Fundo foi capitalizado em cerca de R$ 8,0 bilhões pela União com Certificados Financeiros do Tesouro Nacional (CFT), com prazo até 2021. Estes títulos tiveram como contrapartida recursos futuros de royalties devidos pela própria União ao RJ. Essa capitalização teve como objetivo suportar despesas de curto prazo, sem enfrentar o déficit estrutural do Fundo.

A segunda antecipação de direitos futuros sobre royalties ocorreu em 2013, quando se experimentava abundância (cerca de R$ 8 bilhões no ano para o RJ). De maneira a acelerar investimentos, o governo do RJ realizou contratos de antecipação de direitos sobre royalties em cerca de R$ 3,3 bilhões junto aos bancos federais BB e CEF, com pagamentos que se estenderiam até 2022.

Com a queda dos preços de petróleo ao final de 2013, o governo do RJ avaliou em 2014 que seria necessária nova antecipação, com objetivo de fazer frente aos compromissos financeiros firmados anteriormente com a União. Não obstante os elevados ganhos obtidos pelo Tesouro Nacional e pelos bancos públicos federais contra o RJ, o governo local foi induzido pela Fazenda a realizar operação em mercado internacional de capitais.

A operação financeira de 2014

A operação de securitização de direitos futuros de royalties de 2014 foi considerada pelo “mercado” como ousada e inovadora, considerando-se que se trata de instituto de previdência público, mas também porque exibiu grande complexidade na “engenharia financeira”.

Na primeira oferta de bônus, em junho de 2014, o governo captou US$ 2 bilhões com prazo de dez anos através do Rioprevidência. Em novembro, segunda tranche permitiu captação de US$ 1,1 bilhão em títulos com vencimento em 2027.

Estrutura financeira

A Rioprevidência possui direitos legais outorgados pelo Estado de receber os recursos de royalties após descontos de participações obrigatórias (saúde, educação etc). Os recursos são originados nas empresas de petróleo e depositados em conta dedicada no Banco Central do Brasil. O Banco do Brasil procede então distribuição dos recursos desta conta para os governos de Estado e demais entidades beneficiárias dos royalties.

Os recursos a serem direcionados para pagamento de investidores privados possuem duas fontes. A Rio Petróleo SPE S.A. adquiriu do BB e da CEF debêntures lastreadas em créditos de royalties. Os demais recursos são resíduos da conta de royalties do Estado do RJ após pagamentos obrigatórios. Ambas as fontes são canalizadas para “conta de arrecadação”.

Para administrar esta conta foi constituído fundo financeiro nos EUA (Delaware) denominado Rio Oil Finance Trust. Através de sofisticado esquema de transferências sequenciais, o referido fundo distribui os recursos obtidos com os royalties da Rioprevidência e da Rio Petróleo para os detentores de títulos emitidos pelo Rio Oil Finance Trust. Neste figuram direitos provenientes do Estado do RJ (Rioprevidência), mas também debêntures emitidas pelos bancos públicos.

A oferta não foi estendida a investidores brasileiros. Com isso, a emissão não foi registrada na CVM, o que exime formalmente a autoridade reguladora brasileira de monitorar a operação. Encontra-se ainda previsto que qualquer controvérsia entre investidores (abutres) e o Estado do Rio de Janeiro seria dirimido nas cortes nova-iorquinas. De maneira a fazer prevalecer o julgado no estrangeiro, foi previsto que o Superior Tribunal de Justiça receba e homologue a decisão.

No entanto, a garantia efetiva da operação fundamentou-se no Banco do Brasil como agente repassador de recursos federais para os Estados. Na medida em que o Banco é parte importante da operação em tela, fica mais ou menos evidente que a gestão de atrasos e inadimplências pode ser realizada mediante relacionamento bancário, sem que se transborde para a esfera “política”.

Beneficiários da operação de securitização de royalties futuros no RJ

Na Figura 1 apresenta-se o desempenho em mercado de capitais das Notes emitidas pela Rioprevidência em mercados internacionais. A queda nos preços imediatamente após o lançamento se explica por dificuldades de caixa enfrentadas pelo Rioprevidência logo após o lançamento

Em setembro de 2015, o Rioprevidência quebra cláusulas contratuais com os investidores. A queda no preço internacional do petróleo fez com que o fluxo de participações governamentais recebidos pelo Estado caísse substancialmente, fazendo o índice de cobertura da operação cair abaixo dos limites estabelecidos nos contratos. Diante da ruptura contratual, o Rioprevidência lançou mão de negociações com os credores, o que resultou num aumento da taxa de juros da operação.

Em março de 2016, o Rioprevidência incorre em nova quebra de contrato, pelo descumprimento das mesmas cláusulas contratuais. Como consequência o fluxo de pagamento das operações é acelerado, fazendo com que uma parcela ainda maior das receitas de royalties e participações especiais ficasse comprometida com o pagamento das operações. [TCERJ, Relatório de Auditoria Rio Previdência, set.2016]

Conforme se pode perceber, os investidores que adquiriram os títulos perderam valor com aumento no risco, mas voltaram a recuperá-lo, mostrando-se a robustez das contas-garantia e das penalidades por descumprimento contratual.


Por outro lado, a Rioprevidência e o Estado do Rio de Janeiro não atingiram objetivos de recuperação financeira, nem das contas públicas, nem do passivo atuarial previdenciário.

Do ponto de vista do Estado, o objetivo de captação de recursos a taxas internacionais, mais favoráveis, resultou frustrado. Depois do pagamento dos custos da operação e conversão da moeda, houve um ingresso líquido de R$ 5,3 bilhões, a um custo efetivo (TIR) total de 11,88%. Na prática, a taxa de juros prevista em contrato praticamente dobrou, partindo-se de 6,7% a.a. As cessões comprometeram parte do fluxo de receitas até 2027, impactando negativamente a receita dos próximos três governos.

Por sua vez, os bancos públicos foram bem-sucedidos, na medida em que a antecipação de recursos de dívida contra o Rioprevidência mostrou-se lucrativa e contribuiu para a redução da exposição de risco dos bancos ao setor público.

Finalmente, os bancos privados envolvidos na estruturação da operação e emissão pública de títulos se beneficiaram pelas elevadas taxas de sucesso usualmente obtidas em operações com grau de complexidade e volume comparáveis. Da mesma maneira, como instituições mandatárias dos investidores no estrangeiro, os bancos particulares envolvidos se beneficiaram da assessoria econômica no momento da renegociação.

Em síntese, a insolvência estrutural do Rioprevidência, uma vez exposta a investidores estrangeiros, passou a impor assessoria financeira dedicada durante a vida do contrato, resultando-se em fator de aumento nos custos de emissão dos títulos. Com isso, as instituições financeiras privadas passam a auferir ganhos significativos durante toda a vida dos títulos/contratos.

Crédito da foto da página inicial: Rogério Santana/Fotos Públicas

É professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense, mestre em administração de empresas pelo COPPEAD/UFRJ, doutor em economia pelo IE/UFRJ. Engenheiro no BNDES e Conselheiro na central sindical CNTU. É colunista do Brasil Debate

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