Mais do que amenizar as acusações contra Temer, Folha simplesmente omitiu todo o trecho da conversa que dá à oposição o 3º motivo para o impeachment, caso o suposto aval à compra de silêncio de Cunha e prevaricação não bastem: o presidente abriu a porteira do governo para a JBS entrar e fazer as modificações necessárias aos interesses da empresa. Tudo através do blindado ministro Henrique Meirelles
Jornal GGN - O jornal Folha de S. Paulo decidiu ocasionalmente abandonar o modus operandi que vinha praticando em relação à Lava Jato nos últimos três anos e comprar a versão do acusado em detrimento das provas e delações divulgadas pelo Ministério Público Federal.
A edição desta sexta (19) prima pela presunção de inocência de Michel Temer num momento em que a cabeça do peemedebista é rifada pela Globo, autor do furo que pode provocar um novo impeachment.
Mas o benefício da dúvida a Temer é dado ao custo da omissão de parte substancial da conversa gravada por Joesley Batista, da JBS. O material foi divulgado na noite de ontem pelo Supremo Tribunal Federal e, no mesmo dia, Folha apressou-se em declarar o conteúdo "inconclusivo".
Para ter certeza que o leitor entendeu que Temer não pode ser acusado de dar anuência a pagamento de propina a Eduardo Cunha na prisão, como afirma a Lava Jato, Folha escreveu três vezes a mesma manchete, dentro da mesma edição. Capa e páginas 4 e 10 trazem a informação, de que não ficou claro, dada a péssima qualidade do áudio, que Temer sabia que o "acerto em dinheiro" dado entre a JBS e Cunha era propina para o ex-deputado ficar calado. Na versão do presidente, era uma "ajuda humanitária". Ajuda mensal e dada após cobrança insistente de Cunha, diga-se.
Esse primeiro esforço da Folha em livrar Temer é derrubado quando lemos o próprio jornal, que cita uma segunda gravação (essa não publicizada), de Joesley com Rodrigo Rocha Loures, deputado indicado por Temer para cuidar dos interesses da JBS junto ao governo e filmado pela Polícia Federal carregando uma mala de dinheiro. Nessa gravação, segundo Folha, Joesley aparece dizendo ao parlamentar: "Eu disse pra Michel, desde quando Eduardo foi preso e ele [Funaro], quem está segurando as pontas sou eu". Loures concorda: "Cuidando deles lá". Temer disse algo no mesmo sentido: "Tem que manter isso aí, viu?".
Para Folha, o único possível crime cometido por Temer foi o de prevarização. Isso porque o presidente ouviu relatos de Joesley sobre a compra de procuradores e, quem sabe, até de juízes, para desacelerar investigações do Ministério Público contra a JBS, e respondeu: "Ótimo, ótimo." Claro que o jornal não relatou esse trecho da conversa com tal contundência. Disse que Temer ouviu relatos que dão conta de obstrução de Justiça, de maneira genérica, e nada fez.
O 3º MOTIVO PARA IMPEACHMENT
Mais do que amenizar as acusações contra Temer, Folha simplesmente omitiu todo o teor explosivo do trecho da conversa que dá à oposição o 3º motivo para o impeachment, caso o suposto aval à compra de silêncio de Cunha e prevaricação não bastem: o presidente abriu a porteira do governo para a JBS entrar e fazer as modificações necessárias aos interesses da empresa. No Cade, na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), na Fazenda, na Receita Federal. Tudo através do blindado ministro Henrique Meirelles, o adorado do deus mercado.
O leitor que não puder conferir a conversa que cita a pressão por uma mudança de postura de "Henrique" (o GGN ouviu o aúdio e registrou os principais pontos aqui), deve apenas abrir outro jornal da grande mídia e conferir a diferença de tratamento.
O Globo, autor do furo que pode acabar com Temer, publicou que Joesley foi autorizado "a ser firme com Meirelles." No áudio, um dos trechos mais claros são os relatos de que o ministro da Fazenda vinha sendo cobrado por mudanças em órgãos onde a JBS acumula problemas. Joesley queria um "alinhamento" com Temer, para que Meirelles parasse de dar respostas evasivas e executasse as cobranças.
"É só isso que eu queria, ter esse alinhamento. Para ele perceber que nós temos... Mas quando eu digo ir mais firme no Henrique, é isso... esse alinhamento que eu queria ter...", disse. Temer respondeu: "Tá bom, pode fazer."
A outra gravação, de Rocha Loures com Joesley, O Globo igualmente tratou como "outro exemplo de sintonia entre Temer e Joesley".
Ao deputado, Joesley relatou interesse em ter "posições-chave" no Cade, CVM, Receita, Banco Central e Procuradoria da Fazenda. "Eu só preciso é resolver meus problemas, não é que eu gostaria que fosse João ou Pedro [o indicado]..."
Imediatamente, Loures fez uma série de telefonemas na frente de Joesley para provar que podia ajudá-lo. O deputado foi filmado pela PF, depois, recebendo uma mala com R$ 500 mil da JBS. O jornal dos Marinho tem as imagens, mas a Folha decidiu ignorar esse fato e também omitiu da reportagem.
Se a lógica da Lava Jato for aplicada ao caso, Temer está para Loures e JBS assim como Lula está para os ex-diretores da Petrobras e as empreiteiras Odebrecht e OAS. Com uma diferença: contra Lula, não foram apresentadas provas materiais de que o ex-presidente sabia dos pagamentos ilícitos. Contra Temer, há a gravação.
DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS
Quem seguiu os passos de Folha foi o Estadão, com um editorial igualmente fora da curva em relação à Lava Jato.
Nesta sexta (19), o diário tratou os vazamentos contra Temer como uma "arma política" - situação nunca aplicada a Lula ou Dilma Rousseff, por exemplo. Também disse que Temer ficou refém da demora do STF em liberar os áudios, prevalecendo a "versão do acusador" e provocando reação "estapafúrdia" no Congresso, dos que clamam por impeachment sem pensar na estabilidade do País. Preocupação que também não se teve com Dilma. Por fim, e depois de chamar a gravação de "clandestina", Estadão considerou o material inconclusivo, ignorando que Temer já é alvo de um inquérito instaurado pelo Supremo Tribunal Federal por causa dessas evidências.
Não se sabe o que fez a cobertura da Folha (e em menor grau, a do Estadão) tirar o pé do acelerador quando a Globo parece patrocinar o impeachment de Temer. O que se sabe é que o benefício da dúvida é concedido menos de 24 horas depois do presidente mandar suspender R$ 200 milhões em publicidade.
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