quinta-feira, 4 de maio de 2017

E a privatização brasileira chega ao espaço…


Incrível: como o governo Temer quer oferecer às operadoras de telecomunicações um satélite que serviria para levar a internet a milhares de escolas, hospitais e postos de saúde

Por Marina Pita*, no Intervozes

O entreguismo que tomou conta da política nacional de telecomunicações após o impeachment de Dncilma Rousseff não tem limites. Chega até o espaço.

A nova ação de Michel Temer nesta linha é privatizar o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação Estratégicas (SGDC).

O projeto, que recebeu investimento de 2,7 bilhões bilhões de reais e cujo objetivo era levar banda larga às escolas, postos de saúde, hospitais, postos de fronteira etc, agora será leiloado para grandes operadoras, que não têm interesse em levar conexão a locais de baixa densidade demográfica ou baixa renda.

Mas a sociedade civil, organizada por meio da Coalizão Direitos na Rede e em diálogo com parlamentares, está decidida a paralisar o processo. Começa uma nova batalha.

A perspectiva de mudar o cenário de desigualdade – atualmente 50% dos domicílios do país estão desconectados – foi desmantelada.

No projeto original do SGDC, 70% da capacidade satelital estaria destinada à implementação de políticas públicas.

Em entrevista ao Portal TeleSíntese, o ex-presidente da empresa de capital misto e responsável pela estruturação do projeto do SGDC, Jorge Bittar, estimou em mais de 100 mil o número de escolas, das quais 50 mil rurais, que não têm acesso à internet.

“As escolas de periferia também precisam de conectividade. Onde não há links de boa qualidade, o satélite cobriria essa necessidade. Não dá para colocar link compartilhado em escola de 500 alunos. Tem que ser colocado 50MB, 100MB 150MB full. Nós tínhamos um projeto de levar conteúdos educacionais às escolas brasileiras. Eu posso afirmar, se eu fosse conectar todas as escolas rurais e as escolas das periferias brasileiras, a capacidade total do SGDC não seria suficiente”, frisou Bittar.

Mas, após as mudanças implementadas pelo novo presidente da empresa de capital misto, Jarbas Valente, 80% da capacidade satelital destinada para uso civil será privatizada em três lotes.

Para piorar, o caráter público do projeto foi totalmente descaracterizado, uma vez que o edital de venda não exige das empresas nenhuma meta de cobertura, universalização ou preço mínimo do serviço.

Não foi sequer adotada a tradicional mescla entre áreas nobres com áreas pouco rentáveis, de forma a obrigar os compradores de áreas rentáveis a levar conexão a outras, pouco atraentes economicamente, em uma tentativa de equilíbrio financeiro da proposta.

O edital exige apenas o vago “cumprir as metas do PNBL”. O Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), vale lembrar, já foi considerado um fracasso justamente porque as operadoras não cumpriram com sua parte no acordo de oferecer velocidade mínima por um preço mínimo – esconderam os pacotes, fizeram venda casada e mais todo tipo de prática condenável pelo direito do consumidor.

Repetir a dose, dessa vez sem nenhum detalhamento, é a opção de quem não faz política a sério. É um filme já visto quando o assunto é política pública de acesso à internet.

A total liberdade de atuação das empresas vencedoras do leilão é algo extremamente preocupante.

“Isso significa que eles poderão vender no atacado, no varejo, ou mesmo se concentrar apenas no setor corporativo, o mais rentável do setor. Assim, mais uma vez o caráter público e a missão social do investimento saem prejudicadas”, avalia a deputada Margarida Salomão (PT), uma das parlamentares que buscam frear os planos do novo governo.

Pelo modelo de negócio do satélite da gestão anterior, a capacidade dele seria pulverizada pelos pequenos provedores de internet que já atendem as áreas ignoradas pelas grandes corporações.

Em março, o número de conexões de banda larga fixa voltou a crescer justamente pela atuação deste grupo.

“Com avanço de 5,55% e 126,8 mil adições líquidas, os Internet Service Providers (ISPs) totalizaram 2,413 milhões de acessos fixos em março, mantendo-se como o quarto maior grupo do mercado. Nos 12 meses, o avanço foi de 18,29%”, aponta análise publicada no portal Teletime.

Concorrência e preço

O fato de a Telebras ter optado por dividir a capacidade satelital (da parcela civil) em apenas três lotes comerciais é algo importante de se analisar. Com a Oi quebrada, sobram justamente três grupos – América Movil, Vivo e TIM – com capital para adquirir um deles. Isso pode significar baixa concorrência e ofertas de baixo valor na licitação.

Também chama a atenção o fato de a Telebras fixar preço mínimo para os três lotes comerciais, que o edital chama “preço de reserva”, mas mantê-lo sob sigilo.

A sociedade não poderá apurar quanto houve de ágio no processo. Além disso, pelo modelo de edital proposto pela Telebras, é possível uma empresa comprar até dois lotes, o que permite uma concentração maior do mercado.

Reação da sociedade civil

No dia 19 de abril, a deputada federal Margarida Salomão (PT) entrou com representação no Ministério Público Federal (MPF) e no Tribunal de Contas da União (TCU) contra a privatização do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC).

Assinam a representação entidades representativas organizadas na Coalizão Direitos na Rede, entre elas, Proteste, Barão de Itararé, Internet sem Fronteiras – Brasil, Intervozes, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Instituto Beta para Internet e Democracia (Ibidem), Coletivo Digital, Actantes e Instituto Nupef.

O líder do PT na Câmara dos Deputados, Carlos Zarattini, os parlamentares Lindbergh Farias (PT), Fátima Bezerra (PT), Roberto Requião (PMDB), Luiza Erundina (Psol), Luciana Barbosa (PCdoB), André Figueiredo (PDT) e Alessandro Molon (Rede) também assinam o texto.

É mais uma batalha que se inicia entre o governo, que atende apenas aos interesses das companhias, e a sociedade civil, que segue na disputa das políticas públicas de telecomunicações para universalizar o acesso à web e garantir demais direitos vinculados, como a liberdade de expressão e o acesso à informação. Para que todos os brasileiros e brasileiras possam, por exemplo, ler este artigo.
*Marina Pita é jornalista e integra o Conselho Diretor do Coletivo Intervozes

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