quinta-feira, 4 de maio de 2017

Contradições de Sergio Moro para fazer valer prisão de Dirceu



Jornal GGN - Em um dos ápices da Operação Lava Jato, no dia 27 de julho de 2015, o juiz Sérgio Moro dedicou sete páginas da primeira de suas decisões de decretar a prisão do ex-ministro José Dirceu para justificar o que considerava a base para as muitas preventivas que viriam desde então. 
 
Contrariando os princípios básicos garantidos pela Constituição Federal com a presunção de inocência, Moro acreditava que as prisões preventivas serviriam para "interromper o ciclo delitivo" da "corrupção sistêmica e profunda" deflagrada na Petrobras. Ignorou que tal objetivo era o mesmo da prisão por uma condenação final.
 
Á época, as medidas adotadas pelo magistrado do Paraná em Curitiba já eram questionadas pelo universo jurídico, dada a polêmica de se prender antes mesmo de coletar suspeitas suficientes para as investigações. 
 
"Embora as prisões cautelares decretadas no âmbito da Operação Lava Jato recebam pontualmente críticas, o fato é que, se a corrupção é sistêmica e profunda, impõe-se a prisão preventiva para debelá-la, sob pena de agravamento progressivo do quadro criminoso", dizia Moro, naquele julho de 2015.
 
Na lógica do juiz de primeira instância, a prisão daqueles que detinham indícios de práticas de ilícitos, ainda que não completamente investigados, deveriam ser imediatamente presos, afastados da sociedade. "Se os custos do enfrentamento hoje são grandes, certamente serão maiores no futuro", completava Moro, no despacho que determinou a prisão preventiva de José Dirceu, há quase dois anos.
 
E naquele documento, o magistrado indicava claramente nas mais de 35 páginas a insuficiência de provas, que deveriam ainda ser trabalhadas pelos delegados da Polícia Federal e pelos procuradores do grupo da força-tarefa. Sergio Moro se contradiz em diversos pontos.
 
No início das narrativas sobre o levantamento feito pelos investigadores, a primeira das acusações que recaía sobre Dirceu tinha como base a delação premiada do operador financeiro Milton Pascowicht, apontado como um dos interlocutores do esquema de pagamento de propinas na Petrobras.
 
Sobre isso, Moro indicava: "Apesar da existência de provas gerais do esquema criminoso que acometeu a Petrobrás, aqui citados como suficientes, por ora, as contas secretas milionárias mantidas pelos agentes da Petrobrás no exterior, resta verificar se há prova de corroboração das declarações de Milton Pascowitch em relação aos pagamentos efetuados a José Dirceu e seu grupo, bem como a João Vaccari Neto."
 
"Estando ainda os fatos em investigação, não há prova de corroboração de tudo por ele declarado, mas há significativos elementos probatórios independentes que corroboram, em cognição sumária, a intermediação de propinas por ele", continuava.
 
Posteriormente, o juiz afirma que o delator havia apresentado "extensa documentação para amparar suas descrições circunstanciadas", o que poderia ter validade de prova para as informações prestadas. Os documentos, contudo, eram os comprovantes de pagamentos por empresas investigadas à JD Assessoria e Consultoria Ltda, que tem como um dos sócios Dirceu, não estando comprovado que se tratavam de repasses ilícitos.
 
Outro apontamento delatado por Pascowitch é que ele adquiriu, "por preço pouco acima do mercado", um imóvel para a filha de Dirceu, Camila Ramos de Oliveira e Silva, sendo o valor de R$ 500 mil supostamente decorrente de propinas acertadas em contratos na Petrobras. Neste trecho, descreve o magistrado: "Foi aqui apresentado cópia do contrato entre Camila e Jamp. Falta, porém, aqui melhor prova de que o imóvel tinha preço acima do mercado na época."
 
E assim sucede com as descrições, incluindo os depósitos feitos por empreiteiras alvos da Operação Lava Jato, entre 2009 e 2014, como a Camargo Correa, a OAS, a Engevix Engenharia, Galvão e UTC. Ao fim, interpreta Moro: "Há fundada suspeita de que esses contratos não refletem a prestação de serviços de consultoria reais".
 
E entra novamente em contradição: "Em relação a nenhum desses contratos foi apresentado naqueles autos 5085623-56.2014.4.04.7000 ou ainda no inquérito 5003917-17.2015.4.04.7000, alguma prova material ou documento produzido relacionado à prestação de serviços contratados", reconhecendo que "embora não seja impossível que, nestes contratos, José Dirceu tenha prestado algum serviço, principalmente de intermediação de negócios", analisa que "causa estranheza a falta de indicação concreta dos serviços realizados e dos negócios obtidos".
 
Na página 20 daquele despacho de julho de 2015, o juiz da Lava Jato chega ao ponto em que delinea os argumentos para a prisão de Dirceu: narra que durante alguns dos pagamentos suspeitos feitos pelas empresas à JD Assessoria e Consultoria, Dirceu já era réu da Ação Penal 470, o chamado mensalão, e as transferências perduraram enquanto também já estava preso pelo reconhecido caso.
 
"A OAS realizou pagamentos a JD Assessoria a título de consultoria a ele durante todo o ano de 2013, inclusive em dezembro. Também a UTC Engenharia realizou pagamentos a JD Assessoria durante todo o ano de 2013 e inclusive em 2014, até outubro."
 
E completa: "Afigura-se bastante difícil justificar esses depósitos por consultoria ou intermediação de negócios após 17/12/2012. Afinal, não é crível que José Dirceu, condenado por corrupção pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, fosse procurado para prestar serviços de consultoria e intermediação de negócios após 17/12/2012 e inclusive após a sua prisão."
 
Para o juiz, ainda que não comprovada a ilegalidade dos pagamentos e transferências à empresa que tem como um dos sócios José Dirceu, o recebimento durante a investigação e prisão do ex-ministro no mensalão configuraria, por si só, sem mais evidências, de que se tratava de "acertos de propinas pendentes por contratos das empreiteiras com a Petrobras".
 
E mais, tais fatos sustentaram não apenas a firmeza do juiz para decretar a prisão preventiva, como também significaram para ele "boa prova da materialidade de crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, especificamente que José Dirceu de Oliveira e Silva foi beneficiário de parte das propinas pagas por empreiteiras à Diretoria de Serviços e Engenharia da Petrobrás".
 
O magistrado deleita no despacho seus posicionamentos pessoais, de que nem o Mensalão e nem "a notoriedade das investigações da Operação Lava Jato" foram suficientes "para frear o impulso criminoso". A este ponto, verifica-se que o juiz retirou toda a prudência inicial de informar que o processo ainda carecia de apurações, e considera de forma direta a prática do crime, nem sequer julgado por ele mesmo àquela época. 
 
"Em um contexto de criminalidade desenvolvida de forma habitual, profissional e sofisticada, não há como não reconhecer a presença de risco à ordem pública, a justificar a prisão preventiva para interromper o ciclo delitivo", afirma, completando seu objetivo inicial.
 
Em novo impulso de se manifestar a questões alheias ao processo em si, diante da já repercussão pública contra as sequências de prisões decretadas pelo magistrado ainda no início da Lava Jato, Moro defende que aquela preventiva contra Dirceu não se tratava "de antecipação de pena, nem medida da espécie é incompatível com um processo penal orientado pela presunção de inocência".
 
Isso porque, para ele, "a dimensão dos fatos delitivos" agora "em concreta" e "jamais a gravidade em abstrato" é argumento para a decretação da detenção ainda na fase de apurações do caso. 
 
Outros trechos de posicionamentos quase que pessoais do juiz da Vara Federal de Curitiba foram publicados naquela decisão, separados a seguir pelo GGN:
 
 
 
 
As contradições de Sergio Moro ainda naquele mesmo despacho obtêm agora um impacto maior, com a decisão tomada nesta terça-feira (03), de determinar o uso de tornozeleiras eletrônicas a Dirceu, após a maioria da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) considerar os excessos e arbitrariedades de Moro nas prisões preventivas.
 
Se durante toda a manutenção da detenção do ex-ministro, o juiz alegou riscos à ordem pública e prevenir reiteração delitiva, mantendo o mesmo posicionamento no dia 19 de maio de 2016, quando renovou a prisão, o magistrado do Paraná agora invoca outros e diferentes argumentos: há "um natural receio de que, colocado em liberdade, venha a furtar-se da aplicação da lei penal", pontuando ainda uma possibilidade de "eventual fuga".
 
Essa diferente posição foi manifestada no despacho desta terça, em clara resposta à decisão de maioria da Segunda Turma do STF que determinou a liberdade de José Dirceu e criticou as medidas de Moro.
 
 
Há dois anos, o juiz tentava proteger o veredito de manter Dirceu preso: "Refuto, de antemão, qualquer questionamento quanto ao propósito da prisão preventiva". Analisava que, naquele período, o ex-ministro não poderia argumentar "excesso do prazo de prisão", uma vez que a medida não havia nem se iniciado e a instrução penal, ou seja, a própria investigação em si, tampouco. 
 
Agora, condenado a 20 anos e 10 meses de reclusão em uma das ações movidas pelo juiz e mais 11 anos e 3 meses de prisão em outra, assim como se antecipou Sergio Moro antes mesmo de iniciadas as apurações, a condenação de Dirceu foi materializada. Os supostos indícios foram levantados. 
 
Mas, conforme a Corte Maior decidiu seguindo a Constituição Federal brasileira, as penas só valem a partir da condenação por um tribunal de segunda instância. Assim, o ex-ministro José Dirceu e outros réus da Lava Jato não podem ser presos por um juiz de primeira instância, a menos que comprovados acertadamente os argumentos de uma preventiva. 

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