terça-feira, 2 de maio de 2017

O Brasil não interessa mais? Na verdade nunca interessou.

Não há o que comemorar com esta revoada de correspondentes que deixa o país, não há muito o que lamentar. Pode ser que depois venha gente mais antenada...

            Flavio Aguiar

Li com bastante interesse o artigo de Julia Michaelis, com o título, “O Brasil não interessa mais”, sobre a debandada de correspondentes estrangeiros - sobretudo do Rio de Janeiro, mas também de outros locais de nosso país.

Parece que, como o Brasil enfrenta a crise de hoje, a mídia estrangeira - leia-se, norte-americana e europeia - perdeu o interesse no Brasil.

Na ilustração, constam três capas da The Economista, em torno do Cristo Redentor. A primeira, de 2009, com ele decolando. A segunda, de 2013, dele sem rumo, parecendo o míssil recentemente disparado pela Coreia do Norte. E a terceira com o Cristo segurando um patético cartaz: SOS, com o título “A traição do Brasil”, de 2016.

Parece, à primeira vista, que a “correspondência estrangeira” está respondendo à absoluta irrelevância internacional que o Brasil de Temer atingiu. Sobretudo depois que nossa política externa deixou de ser pró-ativa e tornou-se um puxadinho da visão anacrônica de mundo do PSDB.

Mas não é bem assim, ou melhor, não é só isto. Na verdade, a mainstream destes correspondentes deu contribuição fundamental para esta irrelevância de hoje.

Estive na cobertura feita pela Carta Maior da comemoração dos dez anos da instalação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, criado pelo governo Lula em 2003. Naquela ocasião, uma das palestras foi a do ministro Roberto Azevêdo, então recém-eleito para o comando da Organização Mundial do Comercio, derrotando um diplomata mexicano, que era o preferido da União Europeia e dos Estados Unidos, com sua linha neo-liberal. Na palestra, o diplomata brasileiro anunciou que os anos de idílio com a mídia internacional tinham acabado. Não deu outra.

A partir dali o Brasil virou uma espécie de pária da mídia. País de eternos favelados, miseráveis, que nunca sairia desta condição, eis o retrato que passou o vigir do Brasil na mainstream (com exceções) da mídia internacional, e com a colaboração decisiva dos correspondentes acampados no nosso país, sobretudo no Rio de Janeiro. Estes não arredavam o pé de citar preferencial e quase unicamente o Globo, a Folha, o Estadão, o Globo ou consultores de meios empresariais. O Brasil do míssil que nano deu certo era o de Dilma. Devido a que? Ao que a mídia internacional mainstream considera um anátema: intervenção estatal, “populismo”, estas coisas que o neo-liberalismo condena como anátema que parece aquele das heresias da Santa Inquisição.

Explica-se: neste campo, quem dita a pauta da mídia, mesmo de publicações mais arejadas, como o The Guardian, são três delas: além do The Economist, o Financial Times e o Wall Street Journal. Para esta mainstream, existe a estrada virtuosa do liberalismo. O que destoa dela, à direita ou à esquerda, é tachado igualmente de “populismo”. E na América Latina, de Kirchner a Lula, de Dilma a Correa, de Morales a Maduro, campeava apenas o populismo, alicerçado na incapacidade de nossa incapacidade de ascender à “condição humana normal”.

Esta cobertura adquiriu contornos trepidantes com a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas em nosso país. As reportagens publicadas na mídia internacional sé ecoavam às da mídia eternamente golpista no Brasil: nada ia dar certo, era tudo corrupção, país onde infelizes, etc. Bem, excetuando o desempenho de nossa seleção, não foi o que se viu. Não importa: o anátema continuou.

Este desempenho tortuoso da mídia continuou com as manifestações contra o governo Dilma. De início, parecia o que esta tinha retratado sobre as quedas dos regimes comunistas no antigo Leste europeu: tratava-se de uma revolta do “povo” contra um governo “autoritário” e “corrupto”. 

Quando o impeachment tomou corpo, aconteceu um fato curioso. Muitas destas mídias enviaram gente de seus primeiro time para cobri-lo. E a situação reverteu: apareceu que aquilo era um golpe de malfeitores contra uma presidenta honesta. Mas ainda assim, a última capa da The Economist, esta do “SOS”, é, em primeiro lugar, um libelo contra o governo liderado pela presidenta.

Portanto, se nada há o que comemorar com esta revoada de correspondentes que ora deixa o país, nada há muito o que lamentar. Pode ser que depois venha gente mais antenada para o que de fato estiver acontecendo nele.

Créditos da foto: The Economist

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