terça-feira, 2 de maio de 2017

Porque Washington está aterrorizado com a aliança Rússia/China

A Rússia e a China estão discretamente avançando no acordo para, progressivamente, substituir o status de reserva do dólar por um sistema lastreado em ouro

           Pepe Escobar - Information Clearing House/Sputnik

A parceria estratégica Rússia-China, unindo as duas maiores ameaças ‘’existenciais’’ do Pentágono à América do Norte, não vem com um tratado formal assinado com pompa, circunstância – e desfile militar.

Diplomatas em off the record, de vez em quando, deixam escapar que teria havido uma mensagem codificada entregue à OTAN no sentido de que se um dos membros estratégicos for seriamente assediado - seja na Ucrânia ou no Mar da China Meridional - a OTAN terá de lidar com ambos.

Vamos nos concentrar em dois exemplos de como a parceria funciona na prática e porque Washington não tem noção de como lidar com isso.

Primeiro: a visita iminente a Moscou do diretor do Escritório Geral do Partido Comunista Chinês, Li Zhanshu, convidado pelo chefe da Administração Presidencial no Kremlin, Anton Vaino. Pequim salientou que as negociações entre os dois vão girar em torno – e do que mais poderia ser? - da parceria estratégica Rússia-China, "como previamente acordado pelos líderes dos dois países".

Isto ocorre logo após o primeiro vice-primeiro-ministro da China, Zhang Gaoli, dos sete primeiros no Politburo e um dos líderes das políticas econômicas da China, ter sido recebido em Moscou pelo presidente Putin. Os dois discutiram investimentos chineses na Rússia e o tema da energia como uma chave da parceria.

Mas, sobretudo, eles prepararam a próxima visita de Putin a Pequim, a qual será particularmente importante, para a cúpula do Onde Belt, One Road (OBOR), a Nova Rota da Seda, de 14 a 15 de maio, presidida por Xi Jinping.

O Escritório Geral do PCC - diretamente subordinado a Xi - só realiza este tipo de ultra-alto nível de consultas anuais com Moscou, e com nenhum outro jogador político. Desnecessário acrescentar que Li Zhanshu se reporta diretamente a Xi tanto quanto Vaino se dirige diretamente a Putin – o que pode ser mais estratégico do que isto?

Tudo também está relacionado a um dos episódios mais recentes com um dos The Hollow (Trump) Men,* neste caso o caipira de Trump, o seu bombástico conselheiro de Segurança Nacional, Tenente General H.R. McMaster.

Em poucas palavras: a declaração de McMaster, regurgitada pela mídia corporativa dos EUA, é que Trump teria desenvolvido uma "química especial" com Xi após sua cúpula regada a bolo de Tomahawks com chocolate em Mar-a-Lago, e afirmando que Trump teria conseguido dividir a aliança Rússia-China em relação à Síria e isolar a Rússia no Conselho de Segurança da ONU.

Ora, levaria apenas alguns minutos para McMaster ler o comunicado conjunto dos BRICS sobre a Síria para saber que os estes países estão por trás da Rússia.

Não admira que um observador geopolítico indiano altamente experiente se sentisse obrigado a observar que, "Trump e McMaster parecem um pouco como dois caipiras que perderam o rumo para chegar à cidade.”

A Rússia e a China estão, discretamente, avançando no seu acordo para, progressivamente, substituir o status de reserva do dólar norte-americano por um sistema lastreado em ouro, o que envolve também a participação chave no Cazaquistão – muito interessado em usar ouro como moeda nos negócios realizados no âmbito do OBOR –, um país que não poderia estar mais estrategicamente posicionado; é um hub da Nova Rota da Seda, membro-chave da União Econômica da Eurásia (EEU), membro da Organização de Cooperação de Xangai (SCO) e, não por acaso, o país onde se encontra a fundição da maior parte do ouro da Rússia.M

Paralelamente, a Rússia e a China avançam também nos seus próprios sistemas de pagamento. Com o yuan agora desfrutando do status de moeda global, a China vem promovendo rapidamente seu sistema de pagamentos, o CIPS, com o cuidado de não antagonizar frontalmente o sistema SWIFT, internacionalmente aceito e controlado pelos EUA.

A Rússia, por outro lado, enfatizou a criação de uma "alternativa", nas palavras de Elvira Nabiullina, do Banco Central da Rússia, sob a forma do sistema de pagamento MIR - uma versão russa do Visa / MasterCard. O que está implícito é que se Washington se sentir inclinado a excluir a Rússia da SWIFT, mesmo que temporariamente, pelo menos 90 por cento dos caixas eletrônicos na Rússia seriam capazes de operar na MIR.

Os cartões UnionPay da China, aliás, já estão operando em toda a Ásia – adotados inclusive com entusiasmo pelo HSBC, entre outras instituições bancárias. Combinar sistemas de pagamento "alternativos" com um sistema de ouro em desenvolvimento, e ‘’tóxico”, o FED terá dificuldades de começar a explicar.

E não se trata apenas da China e da Rússia. Sobre os BRICS, o que o primeiro vice-governador do Banco Central da Rússia, Sergey Shvetsov, esboçou é apenas um começo: "Os países BRICS são grandes economias com grandes reservas de ouro e um impressionante volume de produção e consumo deste metal precioso. Nossa idéia é criar uma ligação entre as duas cidades, Xangai e Moscou, para aumentar o comércio entre os dois mercados. ’’

A Rússia e a China já estabeleceram sistemas para fazer o comércio global ignorando o dólar americano. O que Washington fez ao Irã - cortando seus bancos do SWIFT - agora é impensável fazer contra a Rússia e a China.

Portanto, já estamos no caminho, lenta, mas com segurança, em direção a um BRICS " mercado de ouro’’. Uma "nova arquitetura financeira" está sendo construída, o que implicará a eventual incapacidade do FED dos EUA de exportar a inflação para outras nações - especialmente aquelas incluídas nos BRICS, EEU e SCO.

Os generais de Trump, liderados pelo "Cachorro Louco" Mattis, podem fazer todas as piruetas que quiserem para satisfazer a necessidade de dominar o planeta com seus sofisticados comandos Air Sea Land/Space Cyber. No entanto, isto pode não ser suficiente para contrariar a miríade de formatos que a parceria estratégia Rússia-China está desenvolvendo.

Então, além de tudo isto, temos homens ‘’ocos’’ como o vice-presidente Mike Pence, o qual, com toda solenidade, ameaçou assim a Coréia do Norte: "O escudo está de guarda e a espada está pronta." A frase nem se qualifica como uma linha de má qualidade num texto de roteiro de remake barato de filme B de Hollywood. O que temos aqui é o ambicioso Comandante-em-Chefe Pence advertindo a Rússia e a China de que pode ocorrer alguns problemas nucleares entre os EUA e a Coréia do Norte, bem próximos das suas fronteiras.

Isto não vai acontecer. Aqui está tudo o que o grande T.S. Eliot vislumbrou, a respeito, décadas atrás."We are the hollow men / We are the stuffed men/ Leaning together%u228 / Headpiece filled with straw. Alas! / Our dried voices, when%u228 / We whisper together %u228/ Are quiet and meaningless%u228 / As wind in dry grass / Or rats' feet over broken glass / %u228In our dry cellar."

N.R. Este texto foi escrito dias antes da Rússia apoiar a proposta da China, no Conselho de Segurança da ONU, isolando a posição americana, sobre o fim dos testes de mísseis de Pyongyang em troca do fim dos exercícios dos EUA e Coreia do Sul.


*Homens Cabeças de Palha, célebre poema de T.S. Eliot

** Nós somos os homens vazios 

Somos os homens de palha 
Apoiados uns nos outros 
A parte da cabeça cheia de palha. Ai! 
As nossas vozes são secas
E quando juntos sussurramos
São quietas e sem sentido
Como vento em erva seca
Ou passos de ratos sobre vidro partido
Na secura do nosso sótão

 
 * Tradução de Lea Maria Reis




Créditos da foto: © AFP 2017/ HOW HWEE YOUNG

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