terça-feira, 6 de junho de 2017

RELAÇÕES EXTERIORES - O que fará o governo alemão diante do Brasil de hoje?


Cenários político, social e judiciário brasileiro despertam preocupação e críticas em países que, como a Alemanha, se alinham ao respeito aos direitos humanos e à democracia

por Flávio Aguiar

Em visita ao Brasil, recebi informações (a confirmar) de que o ministro de Relações Exteriores do atual governo, Aloysio Nunes, se prepara para visitar a Alemanha. Em Berlim se reuniria com o vice-chanceler Sigmar Gabriel, da coalizão governamental, em nome do Partido Social Democrata (SPD).

O governo alemão tem demonstrado, em várias ocasiões, e diante de vários interlocutores, preocupações recorrentes quanto ao respeito aos direitos humanos, ao meio ambiente e garantias democráticas para os cidadãos. Este tem sido o caso, para citar dois dentre muitos exemplos, do diálogo com o presidente da Turquia, Tayyip Erdogan, e o da Rússia, Vladimir Putin. Recentemente, de modo diplomático e respeitoso, o governo alemão, acompanhando muitos líderes europeus, manifestou sua contrariedade diante da retirada dos Estados Unidos do acordo de Paris sobre clima, anunciada pelo presidente Donald Trump.

Cabe, portanto, a pergunta, no caso da visita se concretizar: o que fará o governo alemão diante da atual situação brasileira? 

Manifestará algum tipo de preocupação diante do que hoje ocorre no Brasil, ou olhará para o lado, acreditando passivamente que a situação brasileira é de normalidade democrática e de respeito às garantias constitucionais e de direitos humanos?

Os sinais de que o Brasil vive hoje dentro de um crescente Estado de Exceção (Ausnahmezustand, em alemão, palavra de triste memória, pois associada ao regime nazista) estão se acumulando e se tornando mais e mais visíveis para o mundo inteiro.

O exemplo mais recente foi o da repressão brutal desencadeada pela Polícia Militar em Brasília contra a manifestação de protesto convocada pelas centrais sindicais e movimentos populares devido aos projetos de reformas propostas pelo governo cortando direitos trabalhistas e alterando negativamente as regras da Previdência Social. A manifestação teve a adesão de muitas caravanas de ônibus que vieram para a Capital Federal. Na repressão que se seguiu registraram-se cenas de policiais militares atirando com armas de fogo contra manifestantes, além de outras formas de repressão e violência, com o uso de balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e o emprego da cavalaria.

Na sequência da manifestação o governo do presidente Michel Temer convocou o Exército para patrulhar as ruas e avenidas de Brasília. O movimento surpreendente provocou reações de repúdio por parte de juristas, políticos de diferentes facções, de comentaristas da mídia, por lembrar os dias da Ditadura Militar inaugurada com o golpe de 1964. Até mesmo autoridades do Exército consideraram a medida excessiva e desnecessária.

A Comissão dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos e o Alto Comissariado para Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas manifestaram sua preocupação diante da repressão policial em Brasília, que vinha já acontecendo em outras cidades brasileiras. Estas manifestações internacionais mereceram uma resposta do ministro Aloysio Nunes redigida em termos considerados grosseiros e pouco diplomáticos por muitos analistas da mídia brasileira. Num fato inédito na história do ministério de Relações Exteriores, mais de uma centena de diplomatas e funcionários de carreira assinaram uma carta aberta de protesto diante destas atitudes do governo brasileiro, que teve grande repercussão internacional.

Por outro lado, no Congresso Nacional (Senado e Câmara Federal) há um grupo considerável de representantes ligados aos grandes proprietários de terra do país, que defendem medidas pondo em risco a demarcação de terras indígenas, de quilombolas (descendentes dos antigo escravos fugidos) e também a legislação de proteção ambiental.

No campo judiciário a situação brasileira também é complicada. O fator mais evidente - dentre outros - tem sido a verdadeira perseguição judicial ao ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva no âmbito da chamada Operação Lava Jato e outras dela decorrentes. Esta perseguição caracterizou-se e ainda se caracteriza por uma série de atos desrespeitando as leis e a Constituição Federal, sob a forma de gravações telefônicas ilegais do ex-presidente e seus familiares, de seus advogados, além da divulgação ilegal do seu conteúdo para a mídia “mainstream” brasileira, declaradamente hostil ao ex-presidente. Decisões de instâncias superiores à Lava Jato afirmaram que esta não precisa respeitar a lei comum, por tratar-se de uma investigação “excepcional”. Isto caracteriza o que se denomina pelo nome de “Lawfare” - uso das leis para perseguição política, e fortalece a convicção de que o Brasil caminha rapidamente para a consolidação de um Estado de Exceção.

Portanto, como já se disse, fica de fato, no ar, a pergunta sobre o que fará o governo alemão, caso a visita do ministro brasileiro seja confirmada.

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