terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Como o antipetismo fanático das igrejas batistas de Curitiba fez a cabeça de Dallagnol. Por Kiko Nogueira



Ninguém duvida que o coordenador da força tarefa da Lava Jato, Deltan Martinazzo Dallagnol, é um homem de convicções. Mais do que isso, é um homem de fé.
No ano passado, Dallagnol fez uma peregrinação por igrejas evangélicas em busca de apoio às suas 10 medidas de combate à corrupção.
Num culto, respondeu a uma espectadora que queria saber sobre seus planos, de acordo com o Estadão: “Eu descartaria poucas coisas em relação a meu futuro, cogito talvez até virar pastor. Mas nós focamos no presente”.

Dallagnol é membro da Igreja Batista de Bacacheri, bairro de Curitiba, onde costuma ministrar palestras com seu indefectível powerpoint.
Lança mão de imagens fortes para impactar as plateias. O mesmo sujeito que apontou Lula como “comandante máximo” e “grande general” da “propinocracia” gosta de lembrar que “a corrupção é uma assassina sorrateira, invisível e de massa”, uma “serial killer que se disfarça de buracos de estradas, de falta de medicamentos, de crimes de rua e de pobreza.”
A retórica e as técnicas do show de Dallagnol foram influenciadas pesadamente pelas lideranças religiosas de sua terra. Não só a forma: o moralismo, o maniqueísmo e o antipetismo vieram dali.
“Dentro da minha cosmovisão cristã, eu acredito que existe uma janela de oportunidade que Deus está dando para mudanças”, disse ele no Rio em sua turnê religioso-política.
Repetiu essa sentença numa entrevista ao pastor Paschoal Piragine Júnior, da Primeira Igreja Batista de Curitiba, dono de um programa meia boca de bate papos que ele chama de talk show (assista abaixo).
Piragine é uma referência para esse povo. Ganhou fama em 2010 ao pedir a seus fieis que não votassem em candidatos do PT por causa do posicionamento do partido em relação a temas como aborto, criminalização da homofobia e divórcio.
O mote da pregação era “iniquidade”. Piragine denunciou o Programa Nacional de Direitos Humanos. “Se você olhar, vai ver como a máquina estatal está mobilizada. Se os ministros de Estado que estão ligados a esse governo não trabalharem assim, perdem o seu cargo”, falou. O vídeo da peroração tem, hoje, mais de 3 milhões de visualizações.
Uma das admiradoras mais entusiasmadas de Dallagnol é Marisa Lobo, autodenominada “psicóloga cristã”, campeã de causas como a da cura gay. Marisa faz conferências na mesma igreja do amigo sobre sua nova obsessão, a ideologia de gênero, tema de seu último livro.

A "psicóloga cristã" Marisa Lobo defende o colega
A “psicóloga cristã” Marisa Lobo defende o colega

Depois da apresentação da denúncia contra Lula num hotel curitibano de luxo, postou uma mensagem de solidariedade ao “irmão”: “Dallagnol congrega na mesma igreja que eu e é nosso orgulho. Deus está usando a Lava Jato para limpar o Brasil”.
A Igreja Batista do Bacacheri foi fundada em 1959. O site da empresa informa que L. Roberto Silvado, que serve ali desde 1988, é o atual coordenador geral do colegiado de pastores.
Silvado tem uma atuação mais discreta que fanáticos desmiolados como Marisa, mas deixa claras suas preferências e intenções no Facebook. Milita intensamente pelas célebres medidas de Dallagnol.
“Nossa Igreja participou ativamente na coleta de assinaturas. Ao todo foram mais de 2 milhões em todo Brasil. (…) Nós fazemos parte disso, vamos continuar manifestando apoio até que sejam aprovadas. Artistas e líderes de todo país precisam se manifestar, como o fez a atriz Maria Fernanda Cândido no vídeo abaixo”, diz numa de suas postagens.
Dallagnol, registre-se, não está sozinho. O procurador Roberson Pozzobon palestrou num templo em 2015 durante o Fórum Batista de Ação Social. Foi anunciado como “nosso irmão em Cristo, Procurador da República e colaborador do Juiz Sergio Moro que coordena a Operação Lava Jato”.
Pozzobon é o autor da seguinte frase: “Não teremos aqui provas cabais de que Lula é o efetivo proprietário, no papel, do apartamento, pois justamente o fato de ele não figurar como proprietário é uma forma de ocultação.”
Há seis anos, André Egg, professor da UNESPAR e da UFPR, escreveu um artigo na revista Amálgama sobre Piragine e os evangélicos do Paraná que ainda soa atual. “Em que lugar neste caminho o protestantismo brasileiro se perdeu?”, perguntava.
“Suspeito que em algum momento durante os anos 1950-60, quando missionários fundamentalistas norte-americanos implantaram diversas instituições para-eclesiásticas no Brasil, organizando acampamentos, fundando editoras, livrarias, conjuntos musicais, trazendo uma fé irracional, trabalhando com crianças e jovens (APEC, Palavra da Vida, MPC, JOCUM, Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo) para formar gerações de abestalhados/alienados que perderam o compromisso com o país, com a fé, com o exame das Escrituras, com a liturgia, com a tradição não-conformista do protestantismo.
Os luteranos e anglicanos parece que restaram como únicos oásis diante do domínio absoluto do fundamentalismo, que tragou todos os grupos oriundos do calvinismo (batistas, presbiterianos, congregacionais) e suas dissidências pentecostais. (…)
O pastor incita os fiéis a não votarem no PT, por ele ser contra a “fé bíblica”. Curiosamente, isso é feito sem apoio em nenhum versículo bíblico (…)
Assembléias batistas viraram instâncias de homologação de pastores show-men que trazem as decisões prontas para o pessoal levantar a mão. Batistas de igrejas como a Primeira Igreja Batista de Curitiba e a Igreja Batista do Bacacheri não se dão nem ao trabalho de conferir a autenticidade dos diplomas de doutorado que seus pastores apresentam como credencial. Preferem ser enganados (…).
É desse caldo que estão saindo os vingadores que vão salvar o Brasil. 
Deus nos proteja.




Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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