sábado, 20 de janeiro de 2018

A Justiça no banco dos réus

REUTERS/Nacho Doce


São muitos os cronistas e analistas políticos que têm afirmado: o julgamento de Lula, no TRF4, será, simbolicamente, o julgamento do poder judiciário brasileiro.

Os que conhecem nosso sistema de justiça, principalmente sua vertente criminal, sabem que o poder judiciário sempre foi serviçal dos poderosos e do capital. Segundo um estudo do eminente professor emérito da USP, Fábio Konder Comparato, sobre o judiciário brasileiro, “um poder submisso às elites, corrupto em sua essência e comprometido com a injustiça.” Leia aqui.

Historicamente, as vítimas desse sistema são os pobres, os negros, as minorias vulneráveis e os inimigos de ocasião. Os órgãos judiciários e policiais, sempre parceiros, são instrumentos de controle social e político, tudo devidamente regulado nos marcos do incensado estado democrático e de direito.

Desde a proclamação da república (um golpe que teve entre seus mentores os bacharéis), foi-se solidificando uma casta jurídica no Brasil. Com a Constituição Federal de 1988, um imenso lobby da “alta” advocacia (dominada pelas elites) conseguiu consolidar a casta bacharelesca - formada pelas poderosas bancas de advogados, por promotores, juízes e policiais graduados em direito – que foi alargando seus domínios na máquina estatal, via concurso. Nos últimos anos, essa casta, sobrepujando os outros poderes (via chantagem ou através da persecução criminal seletiva) passou a dominar o Estado. É o que denominamos de juristocracia.

Trata-se de um estamento paralelo ao estado dito democrático, que controla o poder judiciário de cabo à rabo. A grande maioria dos juízes, desde a primeira instância até os tribunais superiores, são os filhos das elites; o mesmo se repetindo nos ministérios públicos e nas cúpulas das polícias, salvo raríssimas exceções. São os homens brancos, de classe média e os ricos. Uma foto do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 2015 (aqui) explicita esse perfil socioeconômico, étnico, geracional e de gênero do judiciário brasileiro.

Essa república dos bacharéis é defendida com unhas e dentes pela mídia empresarial e pelos segmentos mais conservadores, inclusive da Academia, um dos setores de formação da opinião mais colonizados do país – que fornece os “especialistas” para, sob a aura da ciência, dizer o que certo ou errado à sociedade.

A estrutura judicial brasileira serve para garantir privilégios de classe, operar discricionariamente a aplicação da lei, perseguir inimigos (bodes expiatórios geralmente construídos pela mídia), proteger interesses econômicos dentro e fora do aparelho do estado, operar a favor do capital e contra os interesses públicos. Tudo sob o manto da lei, essa invenção liberal-democrática-burguesa usada, também, como armadilha para ludibriar o povo, à medida que a igualdade de direitos é mera convenção retórica em nosso país.

A lei, no Brasil, é uma dádiva para os ricos e para os membros da classe média. Para os demais, salvo exceções, é açoite. Como nesse país nunca tivemos um estado de bem-estar social, a lei é instrumento de salvaguardas para 30% dos brasileiros.

Aqui, temos 1.200 cursos superiores de direito. Todo o restante do mundo tem 1.100 cursos. Não obstante, somos um país cujo acesso à justiça está limitado à classe média e a quem pode pagar um advogado. Enquanto isso, a fábrica de formar bacharéis de direito funciona a todo vapor. Trata-se de excelente negócio.

Qualquer cidadão brasileiro sabe que nossa justiça é injusta; que o poder judiciário é elitista, hermético e antidemocrático; que as leis são operadas para favorecerem uns em detrimento de outros.

Ressalvamos a valorosa e combativa empreitada de muitos operadores do direito que, à revelia da casta, têm tentado, a todo custo, pautar suas ações dentro dos princípios republicanos e democráticos, inclusive sendo excluídos de instituições, agremiações e da mídia empresarial e venal. Apesar de formarem um contingente numericamente maior, esses grupos de advogados são minoritários quando se trata do controle do poder da corporação. Reconhecemos, também, algumas entidades de advogados populares e setores da justiça e do MP que lutam por uma democratização do judiciário e por uma república de fato.

É dentro desse contexto que devemos analisar o julgamento do ex-presidente Lula, pelo TRF4. Tal julgamento mostrará para o mundo o que já é conhecido da maioria dos brasileiros. Uma justiça seletiva que usa métodos medievais contra uns e protege desavergonhadamente outros.

Um processo que, desde sua origem, é fragrantemente político. Um julgamento que caminhou ao longo dos anos, na primeira instância, com o único objetivo de condenar Lula e expurga-lo, juntamente com o PT, da disputa eleitoral. Um enredo que contou com a conivência de grande parte do sistema de justiça que, amalgamado atualmente aos poderes executivo e legislativo, colabora estrategicamente na empreitada golpista.

O grampo ilegal da presidenta Dilma, autorizado por Moro (o juiz que fez acordos de cooperação com os Estados Unidos burlando a Constituição – que não concede essa prerrogativa a juiz de primeira instância) e divulgado em rede nacional, acatado covardemente e com cumplicidade pelo STF, já sinalizava que a perseguição a Lula se tratava de um processo de exceção.

Depois da criação do “domínio de fato à brasileira”, sob os arroubos de Joaquim Barbosa, criou-se agora mais uma figura esdrúxula do direito persecutório brasileiro: o “domínio de fato da posse”. Ou seja, sem nenhum documento que comprove a posse do imóvel, objeto do processo criminal, o ex-presidente terá, muito provavelmente, a sentença de Moro confirmada pelo Tribunal Federal da Quarta Região. Sendo que num juízo, Lula já foi condenado sem provas; noutro, de Brasília, o mesmo imóvel é penhorado como sendo da construtora OAS. É o judiciário “casa da mãe Joana”, made in Brazil, com “z”. Com todo o respeito à mãe Joana.

Aliar-se ao judiciário sempre foi o melhor recurso das elites e, atualmente, é o melhor negócio dos golpistas para se manterem no poder. Afinal, as elites nacionais e os detentores do capital rentista sabem que o povo, com erros e acertos, pode alterar os poderes originários através das eleições. 

Portanto, para os poderosos, que só têm compromissos com uma república de faz-de-contas, que se lixem as aparências democráticas e que o judiciário dê as cartas do jogo.

Neste país, o poder responsável pela aplicação da lei é o primeiro a usurpá-la, à medida, por exemplo, que seus quadros recebem salários estratosféricos, acintosos numa sociedade na qual 70% dos brasileiros ganham até três salários mínimos e, como se não bastasse tal disparate a denunciar as estruturas corruptas que sustentam essa sociedade, ainda faturam acima do teto constitucional, com proventos maquiados através de penduricalhos legais. Ou seja, a lei no Brasil é como terno de ocasião: feita à medida para determinados demandantes.

O poder judiciário que, lamentavelmente, já não goza de respeito e consideração por parte da maioria dos brasileiros, salvo daqueles que são protegidos por ele, passará a ser objeto de escárnio da comunidade internacional que, cada vez mais, tem considerado que o golpe ocorrido no Brasil não foi somente uma ruptura arquitetada pelo Congresso dos corruptos à serviço de negócios externos, mas é fundamentalmente um rapto do judiciário a serviço de interesses inconfessáveis. 

Segundo o supracitado professor Comparato, “interesses norte-americanos estão nos bastidores do movimento de ataque ao lulismo, que resultou na derrubada do governo de Dilma Rousseff.

Robson Sávio Reis Souza

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