Talvez nenhuma discussão de Marcuse seja tão importante hoje em dia como essa, quando uma parcela grande da humanidade encontra na tecnologia, tal como ela é, uma resposta para a crise climática e para a crise política, quando os setores “progressistas” se entregam de braços abertos à lógica de visibilidade das redes sociais e aos seus critérios de engajamento e defendem esse aparato, privado e monopolista, como uma ágora digital e uma maneira de se reconectar com “o povo” e, em desespero, procuram aliados em figuras que vão de Taylor Swift a Pablo Marçal.
Publicado originalmente em 1964, O homem unidimensional é um livro que se debruça sobre os processos de estabilização do capitalismo nos países “avançados”, conforme destaca o próprio autor. Em tempos atuais de colapso total, de crise econômica, ecológica, financeira e reprodutiva, bem como social e política, com a ascensão novamente do fascismo e o aprofundamento do colonialismo, da guerra e do genocídio (Gaza, Sudão, Ucrânia, entre outros), um livro dedicado à investigação das formas de estabilização e integração capitalistas parece não falar mais ao presente, quando a realidade torna cotidiana a frase de Karl Marx e Friedrich Engels de que “tudo que é sólido desmancha no ar”. Tendo isso em vista, e considerando que Marcuse é ao mesmo tempo muito conhecido e pouco debatido nas ciências humanas no Brasil e no mundo,optamos por levantar alguns pontos de interesse do livro para pensar a sua atualidade, mais do que fazer um comentário exegético de seu conteúdo. Assim, chamaremos a atenção para algumas questões específicas abordadas nessa obra, a saber, “A guerra e a era atômica”; “Tecnologia e Ideologia”; “As formas sociais do colapso”; “Tarefas da Crítica” — pontos que nos parecem admitir pensar de alguma forma a estabilização da crise e da própria instabilidade que hoje nos governa.
Não deixa de ser interessante refletir sobre os diferentes ritmos de recepção dessa obra, para tomar de empréstimo os termos de Jürgen Habermas na coluna que escreveu sobre os ritmos diversos da filosofia e da política à ocasião do centenário de Marcuse, em 1998. Uma tradução em português foi publicada também no caderno Mais!, da Folha de São Paulo. Como sabemos, o livro de Marcuse foi um pequeno terremoto que chacoalhou a vida política global na segunda metade dos anos 1960. A despeito de um tom supostamente pessimista e derrotista (adjetivos que, aliás, nada têm de analíticos) que perpassa O homem unidimensional, e da discussão para saber se os grupos catalisadores da revolta haviam de fato lido Marcuse, a verdade é que o livro alçou seu autor a uma espécie de porta-voz intelectual ou liderança política (postos que ele mesmo talvez nunca tenha esperado ou desejado) de uma geração que se rebelava contra a guerra do Vietnã, o racismo e a misoginia sistêmicos, a brutalidade policial, os empregos sem sentido e as formas de vida sem o mínimo teor de autorrealização, autonomia e emancipação. A bem dizer, alçou não apenas Marcuse, mas toda a Escola de Frankfurt junto, afinal, circulava globalmente na quantia de centenas de milhares de cópias em uma época em que simplesmente não havia traduções de obras como Dialética do Esclarecimento ou “Teoria tradicional e teoria crítica”, alguns dos textos fundantes e fundamentais da Teoria Crítica frankfurtiana.
No Brasil, o livro foi publicado em 1967, três anos depois do golpe militar de 1964, com o curioso título A ideologia da sociedade industrial. Jorge Coelho Soares relata como a escolha do título pela editora Zahar estava enredada no tenebroso contexto político do país: na soleira do AI-5, qualquer menção ao conceito de “unidimensionalidade” já atrairia os olhares dos censores. Mas o título é curioso porque, além de omitir o título original e optar pelo subtítulo da obra, omite igualmente um adjetivo decisivo para o diagnóstico de Marcuse, a saber, “avançada”. O subtítulo original publicado pela editora Beacon Press, “Studies in the ideology of advanced industrial society”, já revelava que os estudos de Marcuse não se referiam ao capitalismo tout court, mas sim à sua forma tardia ou avançada, que representava uma configuração sublevada do modo de produção.
No entanto, assim como as revoltas e insubordinações dos anos 1960 haviam catapultado seu sucesso em escala exponencial, quando a contrarrevolução neoliberal dos anos 1970 imprimiu sua marca de modo sensível mundo afora, parece que os “anos marcuseanos”, por assim dizer, evanesceram conjuntamente – de forma mais precisa: foram evanescidos. Talvez quem tenha formulado essa ideia de modo mais nítido tenha sido o recém-falecido Fredric Jameson, que, em Marxismo tardio, seu livro dedicado a Adorno, afirmou:
Aqui, em larga medida, nessa década que acabou de terminar, mas que ainda é nossa, as profecias de Adorno do “sistema total” finalmente se realizaram, em formas totalmente inesperadas. Adorno certamente não foi o filósofo dos anos 1930 (que deve ser identificado retrospectivamente, temo, como Heidegger); nem o filósofo dos anos 1940 e 1950; e tampouco o pensador dos anos 1960 – esses se chamam Sartre e Marcuse, respectivamente; e eu disse que, filosófica e teoricamente, seu discurso dialético antiquado foi incompatível com os anos 1970. Mas há alguma chance que ele tenha vindo a ser no fim das contas o analista de nosso próprio período […] (Jameson, 2007, p. 5).
Quando o assunto é Teoria Crítica — uma forma de teoria que admite de saída o primado do objeto e insere no núcleo de suas considerações a variável tempo, ao invés de forjar a ferro e fogo conceitos à prova da história —, a questão sempre se coloca: o que aqui mudou e o que permanece, o que caducou e o que se tornou ainda mais agudo nesse diagnóstico. Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que alguns de seus pressupostos e tendências fundamentais tornaram-se obsoletos, o livro parece ter adquirido novo fôlego com os últimos anos de apocalipse capitalista. Especular a respeito de uns e outros é o exercício que, sem pretensão exaustiva, nos propomos a realizar aqui.
Para tal, escolhemos um título que tomamos de empréstimo do prefácio de outro texto de Marcuse, Um ensaio sobre a libertação, de 1969. Nele, Marcuse afirma:
No Vietnã, em Cuba, na China, está sendo defendida e impulsionada uma revolução que luta para evitar a administração burocrática do socialismo. As forças guerrilheiras na América Latina parecem ser animadas pelo mesmo impulso subversivo: libertação. Ao mesmo tempo, a fortaleza econômica aparentemente inexpugnável do capitalismo corporativo mostra sinais de tensão crescente: parece que até mesmo os Estados Unidos não podem entregar indefinidamente seus bens — armas e manteiga, napalm e TV a cores. (Marcuse, 1969, p. 7, tradução nossa)
Com essa formidável e assombrosa expressão, Marcuse faz referência a um modelo macroeconômico conhecido como o modelo “armas x manteiga”. Grosso modo, ele se refere a um cálculo relacionado ao investimento de um país na defesa militar (“armas”) ou na produção de bens de consumo para a população. “Manteiga” aqui é uma metonímia para todo tipo de produto e serviço relacionado ao bem-estar da população, seja ele materializado em escolas, hospitais, áreas públicas etc. Um aumento de gastos em um lado implica necessariamente em uma constrição no outro. Para usar os termos já profundamente ideológicos da macroeconomia marginalista, há um trade off entre ambos a ser levado em conta por qualquer governo. Durante os anos 1960 nos EUA, país onde Marcuse escolheu permanecer e residir, os programas da Grande Sociedade de Lyndon B. Johnson evisceravam essa relação de imbricação entre Welfare State e Warfare State, para usar os termos de Marcuse: enquanto expandia programas de bem-estar do tipo New Deal, Johnson também estava engajado na corrida armamentista com a URSS e na Guerra do Vietnã, o que, por sua vez, limitava as possiblidades de expansão dos sistemas de welfare nacionais. Mas Marcuse já conhecia a expressão de outros cenários. Em um discurso em 17 de janeiro de 1936, o Ministro da Propaganda Joseph Goebbels havia declarado: “Podemos viver sem manteiga, mas, apesar de todo o nosso amor pela paz, não sem armas. Não se pode atirar com manteiga, só com armas”. Vamos começar então justamente por esse duplo movimento marcuseano que perpassa todo o corpo de sua obra: as ligações entre nazifascismo e capitalismo, de um lado, e a racionalidade irracional do capitalismo, de outro.
A guerra e a era atômica
“Os foguetes estão chacoalhando, a bomba H está esperando, as naves espaciais estão voando, e o problema é ‘como proteger a nação e o mundo livre’.”
Herbert Marcuse, O homem unidimensional
Após a queda do muro de Berlim, a era atômica parecia ter ficado para trás. Ou, ao menos, conforme discute Étienne Balibar, parecia ter se tornado uma ameaça difusa: algo que pairava, assombrava nossa sociedade, mas sem que tivéssemos ideia alguma de quando ou onde uma bomba nuclear pudesse cair — um jogo de roleta-russa normalizado e institucionalizado, no qual democracia e armas de destruição em massa não parecem ser termos antagônicos. Quando Donald Trump venceu as eleições de 2016, no entanto, um dos questionamentos principais que emergiu foi, sem dúvida: “o que vai acontecer com o mundo agora que o maior arsenal nuclear do mundo está ao alcance desse delinquente?”. Desde então, o chamado mundo multipolar dá lugar novamente a uma divisão do mundo em blocos, como se vivêssemos uma espécie de paródia da Guerra Fria, na qual os países comunistas são eles também uma sombra da própria URSS, já profundamente criticada por Marcuse por seu caráter autoritário e, em muitos sentidos, ainda apegado a formas capitalistas de produção. A guerra da Rússia contra a Ucrânia, o genocídio produzido por Israel em Gaza, bem como seus atuais ataques ao Líbano, o incremento dos testes de armas atômicas pelos EUA, China, Coreia do Norte e Rússia, além da defesa que a AfD faz da militarização – inclusive nuclear – da Alemanha intensificam os conflitos armados (que nunca foram, de fato, eliminados) no âmbito da geopolítica mundial e redimensionam novamente a ameaça de aniquilação, que deixa de ser difusa e ganha concretude a cada dia em diversos lugares do globo.
Curiosamente, quando discutimos a era atômica, os escritos da Escola de Frankfurt, em geral, e de Marcuse, em particular, raramente aparecem como referências centrais sobre o tema, embora o ataque a Hiroshima e Nagasaki seja fundamental para essa tradição e esteja presente em grande parte de sua produção. Em O homem unidimensional, ele tem lugar de destaque. Na frase de abertura do livro, Marcuse questiona: “A ameaça de uma catástrofe atômica que poderia exterminar a raça humana não serve também para proteger as próprias forças que perpetuam esse perigo?” (p. xi). Em outras palavras, a bomba nuclear tornaria opaca (como discutiria Günther Anders, anos depois) a própria formação social da qual ela emergiu, bem como a racionalidade tecnológica que se autonomiza na sociedade industrial desenvolvida e da qual a bomba é produto.
Adiantando em anos uma análise da bunkerização dos Estados Unidos, Marcuse chama a atenção para a lucratividade do setor de “preparação para a catástrofe”, o doomsday prepping da era atômica, que anuncia “abrigos de luxo contra precipitação radioativa” (p. 93) com TVs, jogos de palavras e carpetes incluídos no pacote. A propaganda dos abrigos mobiliza uma linguagem unidimensional que concilia contrários e relaciona “destruição nuclear” com “conforto”, “aniquilação” com “a necessidade de estar preparado, de viver no limite, de enfrentar o desafio” (xxxix). Ainda segundo Marcuse: “ao exibir suas contradições como prova de sua verdade, este universo discursivo se fecha contra qualquer outro discurso que não esteja nos seus próprios termos. […] Essa linguagem se expressa em construções que impõem ao destinatário um significado distorcido e abreviado, um desenvolvimento bloqueado do conteúdo, a aceitação daquilo que é oferecido na forma em que é oferecido” (p. 94). É essa mesma linguagem que vai dar lugar ao discurso da “bomba limpa” (ideia popular nas décadas de 1950 e 1960 segundo a qual havia uma bomba menos danosa ao meio, cujas consequências poderiam ser mais controladas por seu menor teor de precipitação radioativa). Dizer que essa linguagem é unidimensional é dizer que:
[…] os domínios anteriormente antagônicos se fundem em bases técnicas e políticas — magia e ciência, vida e morte, alegria e miséria. A beleza revela seu terror quando usinas nucleares e laboratórios altamente secretos tornam-se “Parques Industriais” em ambientes agradáveis; sedes da Defesa Civil exibem um “abrigo de luxo contra radiação” com carpete de parede a parede (“macio”), poltronas, televisão e jogos de scrabble, “projetado como uma sala de estar para a família em tempos de paz (sic!) e como abrigo contra radiação para a família caso a guerra estoure”. Se o horror de tais realizações não penetra na consciência, se é prontamente aceito como normal, é porque esses feitos são (a) perfeitamente racionais dentro da ordem existente, (b) símbolos de engenhosidade e poder humanos além dos limites tradicionais da imaginação (p. 252).
Em O homem unidimensional, Marcuse antevê, ainda no mundo plenamente administrado dos trinta gloriosos, a transformação da sobrevivência numa questão privada e da segurança na mercadoria mais valiosa da sociedade atual, que faz da chamada “prep industry” um mercado bilionário. Mais do que isso, a normalização da preparação para a catástrofe, sua mercantilização e a transformação daquilo que é socialmente produzido numa questão individual. E mais, estar preparado significa, ao mesmo tempo na prática e na consciência, aceitar o que vem por aí, assimilar a impotência diante do todo.
Nada mais relevante hoje. A ideia de uma catástrofe nuclear que irá aniquilar parte da humanidade nos dias que correm é não só provável, como objeto cobiçado de consumo, dos bunkers à indústria cultural, que mais do que nunca encontra no fim do mundo seu conteúdo mais lucrativo (um tópico que deve ser pesquisado criticamente com urgência). Os bilionários do Vale do Silício fazem de outros planetas os seus próprios bunkers, não mais enterrados no solo. A dominação se tornou universal no sentido literal de que agora se estende a outros lugares do universo. Conforme ressaltam Robert Kirsch e Emily Ray em Be Prepared: Doomsday Prepping in the United States, o bunker hoje é mais do que uma mercadoria, é uma alegoria de nossa sociedade (ao menos da sociedade estadunidense, essa torre de observação avançada do capitalismo). A forma política que ela assume é a do neofascismo trumpista. Por outro lado, aqueles que votam em Trump por conta de suas promessas de sair de todas as guerras também demonstram os limites do progressismo do Partido Democrata, que nem sequer isso consegue prometer mais — e assim reconhecem e defendem a conexão entre o Estado de Welfare e de Warfare.
Marcuse nos impele a indagar o que significa falar em democracia num mundo em que alguns países detêm bombas de destruição em massa e outros não, num mundo no qual a recusa enfrenta “cães, pedras e bombas, cadeia, campos de concentração e mesmo a morte” (p. 261). Ele também nos interpela a discutir como os problemas de nossa sociedade são apresentados e transformados pela linguagem da publicidade, atualmente cada vez mais naturalizada pelas redes sociais. E assim passamos ao próximo ponto.
Tecnologia e Ideologia
“A racionalidade tecnológica se tornou uma racionalidade política.”
Herbert Marcuse, O homem unidimensional.
Parece óbvio, mas não é — nem mesmo para aqueles que se dizem marxistas. Uma das grandes contribuições de Marcuse para o século XXI reside nas suas reflexões a respeito da tecnologia e da racionalidade tecnológica, na discussão a respeito da ideia de que “a noção tradicional de neutralidade da tecnologia não pode mais ser mantida” (p. xvi). “A tecnologia”, afirma Marcuse, “não pode ser isolada do uso para o qual é dirigida; a sociedade tecnológica é um sistema de dominação que já opera no próprio conceito e na construção das técnicas” (p. xvi). Ou seja, todo o projeto de sociedade capitalista e sua forma de vida estão embutidos em sua maquinaria aparentemente neutra e polivalente. Talvez nenhuma discussão de Marcuse seja tão importante hoje em dia como essa, quando uma parcela grande da humanidade encontra na tecnologia, tal como ela é, uma resposta para a crise climática e para a crise política, quando os setores “progressistas” se entregam de braços abertos à lógica de visibilidade das redes sociais e aos seus critérios de engajamento e defendem esse aparato, privado e monopolista, como uma ágora digital e uma maneira de se reconectar com “o povo” e, em desespero, procuram aliados em figuras que vão de Taylor Swift a Pablo Marçal. Qualquer um que estranhe esse cenário recai sob a suspeita de elitismo. A insuficiência dessa estratégia, mesmo em termos eleitorais, não produz, como era de se esperar, uma reflexão crítica, mas a reafirmação constante de que “não há outra alternativa” — hoje um discurso neoliberal totalmente absorvido pelos setores que deveriam protagonizar a (grande) recusa do que aí está. Quanto mais nosso lado é derrotado, mais crê no aparato por meio do qual encontrou sua ruína. A racionalidade tecnológica é a aquela que justifica a existência de algo porque isso funciona bem, mesmo que se trate de máquinas de destruição. A irracionalidade tecnológica contemporânea é aquela que insiste em defender o aparato tecnológico, mesmo que ele não atenda os seus interesses.
Marcuse salienta a transformação da política quando ela não mais se diferencia da publicidade (e faz daquele que melhor maneja o aparato, e cujos interesses se afinam com essa forma, o vencedor):
Se a linguagem da política tende a se tornar a da publicidade, reduzindo assim a lacuna entre dois domínios anteriormente muito diferentes da sociedade, então essa tendência parece expressar o grau em que dominação e administração deixaram de ser funções separadas e independentes na sociedade tecnológica. Isso não significa que o poder dos políticos profissionais tenha diminuído. Pelo contrário, quanto mais global for o desafio que eles constroem para enfrentá-lo, mais normal se torna a proximidade da destruição total, e maior é sua liberdade em relação à soberania popular efetiva. Mas sua dominação foi incorporada às atividades diárias e ao lazer dos cidadãos, e os “símbolos” da política são também os dos negócios, do comércio e da diversão. As vicissitudes da linguagem têm seu paralelo nas vicissitudes do comportamento político. Na venda de equipamentos para entretenimento relaxante em abrigos contra bombas, no programa de televisão com candidatos concorrendo à liderança nacional, a fusão entre política, negócios e diversão está completa. Mas essa fusão é fraudulenta e fatalmente prematura—negócios e diversão ainda são a política da dominação (p. 106-107).
Isso quer dizer que a política feita por meio do TikTok já não quer dizer a mesma coisa; ela se mistura à linguagem da publicidade que estrutura as redes sociais. A ideologia, conforme ressalta Marcuse, está no processo de produção, e a dominação se perpetua como tecnologia, encoberta pelo que Marcuse chamou de “véu tecnológico”. A tecnologia reforça uma falta de liberdade confortável e hoje se consolida como meio de pacificação de uma sociedade não pacífica. A comunicação assume um caráter hipnótico e toda a sociabilidade passa a ser ditada pela “euforia na infelicidade”, que hoje ganha estatuto neurológico com a dependência de dopamina que as redes sociais produzem. Esse aparato assume a administração da sociedade hoje, aliado às forças brutais de contenção: o terrorismo de Estado, o encarceramento das populações pobres e racializadas, o desespero produzido pela precariedade laboral.
Um argumento análogo pode ser estendido às formas de trabalho contemporâneas, especialmente no setor cada vez mais abrangente do “capitalismo de plataforma”, da uberização e da plataformização do trabalho. Aqui vale a pena mencionar como Marcuse ainda confere uma posição privilegiada ao trabalho na sua crítica do capitalismo tardio. Embora o livro contenha capítulos com assuntos que vão do mais concreto ao mais abstrato — incluindo investigações sobre a sexualidade, estética, a linguagem, lógica, filosofia, entre outros — ele inicia com uma afirmação fundamental: “a assimilação nas necessidades e aspirações, no padrão de vida, nas atividades de lazer e na política derivam de uma integração na planta mesma, no processo material de produção” (MARCUSE, 2002, p. 32, grifo nosso).
Nos anos 1960, boa parte da sociologia do trabalho marxista estava preocupada com um fenômeno curioso e quase antinatural no capitalismo (um modo de vida que nada tem de natural de saída), a saber, a dissociação entre gerência e propriedade da empresa capitalista, orquestradas pela assim chamada “revolução dos gerentes”. Esse peculiar fenômeno contrariava alguns prognósticos basilares da teoria marxista, que apostava na tendência do capitalismo não de multiplicar camadas médias que se situavam entre proletários e burgueses, mas sim na expulsão paulatina dos trabalhadores do processo produtivo à medida que o capitalismo introduzia capital fixo (portanto, trabalho morto) na produção. O cenário deveria ser o de bipolarização crescente da sociedade entre uma massa de proprietários dos meios de produção, de um lado, e de uma massa cada vez maior de despossuídos, de outro. A multiplicação dos gerentes, para Marcuse, realizava uma operação ideológica digna de nota, embaçando a possibilidade de distinção nítida entre exploradores e explorados:
A dominação é transfigurada em administração. Os patrões e proprietários capitalistas estão perdendo sua identidade de agentes responsáveis; eles estão assumindo a função de burocratas em uma máquina corporativa. Dentro da vasta hierarquia de comissões executivas e gerenciais […] a fonte tangível da exploração desaparece por trás da fachada de racionalidade objetiva (Marcuse, 2002, p. 35).
Hoje, as empresas de plataforma revertem essa tendência excepcional dos assim chamados “30 anos gloriosos” e voltaram a enxugar os postos gerenciais que, todes sabemos, sempre foram inúteis — do ponto de vista social, sem dúvida, mas mesmo do ponto de vista capitalista. A grande maioria deles pertence àquela miríade de pseudo-ocupações que o antropólogo anarquista David Graeber denominou “bullshit jobs”. Hoje, em virtude tecnologias como o gerenciamento algorítmico, da digitalização e virtualização de parte do aparato produtivo, e dos processos de terceirização dos meios de trabalho para os próprios trabalhadores, um único escritório de empresas-plataforma é capaz de supervisionar centenas de milhares (por vezes, até milhões) de trabalhadores. Um exemplo ilustrativo para contrastar as relações de produção na época de Marcuse com as da nossa: em 1962, a General Motors, uma das empresas que simbolizavam o sonho americano baseado na sociedade do automóvel, empregava 605.000 trabalhadores (cf. Srnicek, 2017, p. 4), atingindo a impressionante quantidade de quase 840.000 funcionários em 1979 (cf. Ford, 2016, p. 76). Agora, uma única empresa de plataforma “intermedia” “bicos” (sic) de milhões de trabalhadores em todo o mundo. A Uber, por exemplo, possui cerca de 30.000 funcionários diretos e mais de 7 milhões de motoristas “parceiros” dispersos no planeta.
À primeira vista, esse quadro aponta para um cenário social e laboral em que a “a fonte tangível da exploração” reaparece de forma resplandecente. Afinal, sem aquelas posições intermediárias situadas entre patrão e empregado, deveria tornar-se cristalino quem produz o valor e na conta bancária de quem ele vai parar.
Mas Marcuse havia investigado a obnubilação ideológica da exploração não apenas a partir da estratificação hierárquica do trabalho, mas igualmente pelos efeitos de ofuscação tecnológica. No capitalismo de plataforma, a “fachada de racionalidade objetiva” transmuta-se em chatbots, algoritmos, smartphones e gamificação, mas continua lá, operando como forma ideológica mesmo nas profissões mais precárias possíveis. Este é um dos fatores que, a despeito toda a precarização constitutiva da assim chamada gig economy, leva à emergência da ideologia do empreendedorismo de si mesmo em configurações que seriam mais bem caracterizadas como proletarização de si mesmo.
Nesse quadro, mergulhamos novamente em águas marcuseanas, especialmente suas reflexões sobre a perpetuação da heteronomia dissimulada de autonomia: “com o progresso técnico como seu instrumento, a não liberdade – no sentido da sujeição do homem ao seu aparato produtivo – é perpetuada e intensificada sob a forma de muitas liberdades […]. A caraterística inédita é a acachapante racionalidade nesse empreendimento irracional […]” (MARCUSE, 2002, p. 35), afirmou ele no livro de 1964 em questão. E ainda: “sob o jugo de um todo repressivo, a liberdade pode ser transformada em um poderoso instrumento de dominação” (MARCUSE, 2002, p. 9). Toda a dialética entre liberdade e escravização, autonomia e heteronomia que havia guiado as reflexões de Marcuse retorna com uma vingança nos arranjos laborais promovidos na segunda e terceira décadas do século XXI pelo capitalismo de plataforma.
O que nos leva ao terceiro ponto.
Estabilização e instabilidade: as formas sociais do colapso
Quando publicou O homem unidimensional, Marcuse diagnosticou uma característica generalizada das “sociedades industriais avançadas”: estabilização e integração. Esse fenômeno abrangia várias dimensões interrelacionadas: integração de classes sociais; integração de todas as forças centrífugas ao Establishment; integração de trabalhadores dentro das fábricas e escritórios de sociedades capitalistas avançadas; integração da cultura e sua consequente neutralização como uma negação do existente; integração de impulsos eróticos como sexualidade genital e mercantilizada; integração do indivíduo no todo totalitário da sociedade; integração do pensamento e da linguagem em uma sociedade que buscava aplainar suas contradições. Juntos, esses elementos convergiam para forjar uma forma de pensamento e sociedade que integrava tudo e todos ao “entregar os bens” e buscava, assim, blindar o capitalismo de suas crises e críticas.
No período contido entre 1945 e 1973, marcado pelo Estado de Bem-Estar Social e pelos pactos de compromisso de classe fordista-keynesianos, sua Teoria Crítica buscou renovar o marxismo para lidar com alguns fenômenos imprevistos relacionados à forma mais recente do capitalismo, que tornavam a sociedade industrial “avançada”. Melhores condições de vida, redução da desigualdade social, mutações no reino do trabalho, novas manifestações de uma sociedade de classe média, as técnicas sem precedentes de controle social engendradas pelo desenvolvimento do aparato tecnológico e a estabilização do capitalismo como um modo de vida (totalitário, diria Marcuse) — todos esses novos traços representaram um desafio substancial à crítica de um sistema baseado nas noções de exploração, opressão, injustiça e violência.
Para entender esse cenário, Marcuse desenvolveu sua versão da controversa tese da “integração do proletariado”, segundo a qual o proletariado, tal como concebido e testemunhado por Marx e Engels e pela primeira geração de marxistas posteriores, não existiria mais como uma força social imediatamente negativa, tanto no sentido econômico quanto político. O principal argumento de Marcuse referia-se à capacidade real (embora nem por isso menos ideológica) do capitalismo industrial avançado de satisfazer as necessidades de uma parcela cada vez maior da população, incluindo a classe trabalhadora.
Novamente, como compreender essa crítica hoje?
De um lado, é evidente que a tese da integração possuía lacunas notáveis, mesmo nas suas formulações originais. Quem contava como “classe trabalhadora” que estava sendo integrada e quem contava como realizando “trabalho” na teoria de Marcuse era permeado de vieses de gênero, raça e sexualidade. Não vamos entrar no mérito da superexploração do trabalho nas periferias e semiperiferias do capitalismo porque Marcuse é explícito na introdução do livro quando afirma que sua análise concentra-se nas “sociedades industriais avançadas”, particularmente a estadunidense, e alerta: “Existem grandes áreas dentro e fora destas sociedades em que as tendências descritas não prevalecem” (Marcuse, 2002, p. xviii) — embora sempre é questionável até que ponto a integração da classe trabalhadora no Norte não estava também baseada na exploração e espoliação do Sul, enfatizando a necessidade de uma teoria do colonialismo para uma teoria sistêmica do próprio capitalismo.
Contudo, do ponto de vista estritamente histórico e mesmo olhando para o próprio Norte global, fica evidente que o aburguesamento da classe trabalhadora que estava na base da estabilização do capitalismo, junto com os sistemas estatais de bem-estar, keynesianismo e liberalismo embutido, esfacelaram nos últimos anos. Marcuse havia notado que sua análise estava baseada na extrapolação daquilo que se colocava então como “tendência”, e, de fato, todos os números à disposição convergiam para corroborar suas hipóteses. Mas ele havia igualmente explicitado que o livro:
[…] oscilará entre duas hipóteses contraditórias: (1) que a sociedade industrial avançada é capaz de conter mudanças qualitativas no futuro previsível; (2) que existem forças e tendências que podem quebrar essa contenção e explodir a sociedade. Não acho que uma resposta clara possa ser dada. Ambas as tendências estão lá, lado a lado — e até mesmo uma dentro da outra. (Marcuse, 2002, p. xv).
Nas últimas cinco décadas de globalização neoliberal, a roda da história parece ter girado para trás, revertendo as tendências de estabilização e integração do capitalismo. Nós nos tornamos uma sociedade mais desintegrada e desestabilizada do que nunca, o que talvez explique parte do apelo de uma extrema-direita global cujo único projeto explícito é regredir para uma sociedade coesa em que todes — mulheres, gays e trans, negros e trabalhadores — “saibam” seus devidos lugares. Mesmo que os lugares não sejam os mais vantajosos para a grande maioria da população mundial, eles ao menos prometem alguma segurança e conforto ontológicos.
Em sua obra dos anos 1970, seja nas palestras de Vincennes de 1974 ou em Contrarrevolução e revolta, Marcuse observa que as tendências estabilizantes e integradoras faziam cada vez menos efeito e que as fraturas da sociedade industrial avançada estavam cada vez mais expostas. Essa parece ser muito mais nossa realidade hoje, quando a manutenção da ordem capitalista pela administração de “uma liberdade confortável, suave, razoável e democrática” (Marcuse, 2002, p. 3), característica do diagnóstico marcuseano dos anos 1960, é cada vez mais complementada por aprisionamento em massa, chacinas, genocídios e guerras.
Assistimos, contraditoriamente, a uma estabilização da instabilidade. A cada década a crise se rotiniza, empurrando todos, uns certamente mais do que outros, mas mesmo aqueles que haviam sido aburguesados no auge dos 30 gloriosos, à beira do abismo. O momento atual de policrise é emblemático: estamos imersos em um colapso ambiental galopante, a cada dia uma guerra nova eclode, genocídios tornam-se cotidianos, a desigualdade social regrediu a níveis feudais, e o mundo insiste em eleger precisamente os candidatos que, longe de puxar o freio de emergência, vão acelerar ainda mais a extinção humana e o cataclisma — enquanto o 1% no topo futilmente se prepara para viver em Marte ou na Lua.
Tarefas da Crítica
O homem unidimensional trata de um exame da sociedade unidimensional em suas várias esferas: a economia, o Estado, a cultura, a linguagem e, como análise marxista que é, debruça-se também sobre a filosofia e as ciências humanas que replicam no pensamento essa unidimensionalidade e a reificação da sociedade capitalista. Essa discussão é fundamental para que a teoria crítica sobreviva num mundo no qual a sociologia ocupa-se quase que unicamente com mapas de hábitos de consumo e mal se diferencia da pesquisa de mercado; a ciência política detém-se exclusivamente na análise de comportamentos eleitorais e funde-se com o jornalismo de comentário e a estatística; o empirismo reforça a realidade ao conceder a palavra final aos agentes e objetos estudados (quem criticar isso, é imediatamente acusado de arrogância); a filosofia torna-se uma terapêutica (mesmo nas formas mais avançadas da chamada “teoria crítica normativa”); a crítica “decolonial” em voga no centro do capitalismo, a despeito de inegáveis méritos, recai no idealismo ao reduzir processos de dominação material à importação de ideias ocidentais para o Sul; o marxismo recupera elementos de sua história autoritária, machista, racista e classista afastando de si as gerações mais jovens; a crítica de arte ou esconde seu positivismo sob uma noção de forma que não possui mais nenhuma ligação com o conceito de sociedade ou dissolve-se no campo dos Netflix Studies (os estudos quase sempre pouquíssimo críticos de filmes e séries vendidas pelas grandes plataformas de streaming por intelectuais que, no fundo, buscam — e muitas vezes obtêm — o mesmo engajamento produzido por essas mercadorias). Atualmente, a crítica radical da sociedade respira por aparelhos.
Marcuse defende, nesse livro, que a teoria crítica cumpra uma função desestabilizadora no campo do conhecimento — daí a relutância de todos os autores dessa tradição em definir e “fechar” os conceitos com os quais trabalham. Um dos cernes da teoria crítica é seu protesto contra o pensamento enrijecido (que se manifesta e é produzido pela linguagem igualmente enrijecida). Por isso, analisa a transformação da linguagem num mecanismo de controle, numa linguagem científica que reproduz aquela da administração total, que exclui de si a contradição e se resigna a descrever o que é. Uma linguagem positiva que não dá lugar àquilo que poderia ser ou que poderia (não) ter sido, que equipara qualquer tipo de transcendência com utopismo ou arrogância e, na sua falsa humildade, aquiesce com o que existe.
A lógica das redes sociais reforça ainda mais esse estado de coisas, ao aprofundar esse processo de unidimensionalização da linguagem por meio da substituição de palavras por imagens. Hoje, nos países do centro do capitalismo, a meme theory (teoria do meme) — note-se como as teorias passam a receber os nomes de seus objetos — se apresenta como profundamente disruptiva ao classificar o meme como novo gênero literário. Essa classificação, por si só, já impede a investigação do fenômeno como uma manifestação de reificação e já o legitima como forma de partida, servindo de expediente para que se mergulhe na e se reafirme a barbárie.
Marcuse nos convida a perguntar: quais teorias devemos criticar hoje? Quais são as manifestações da razão tecnológica nas humanidades? Quais são as forças que se opõem a essas tendências? A perda da imaginação em ambientes como a universidade, que deveriam dela se alimentar, é um colapso que acompanha todos os outros que estão em curso e precisa ser discutido para que a ciência e a filosofia possam novamente transcender a realidade ao invés de perder o pouco tempo que temos, com a aceleração da catástrofe climática e social, descrevendo acriticamente programas de televisão.
Bruna Della Torre é coordenadora científica e pesquisadora no Centro Käte Hamburger de Estudos Apocalípticos e Pós-apocalípticos da Universidade de Heidelberg, onde também edita a revista Apocalyptica. Integra o comitê editorial da revista Crítica Marxista e o conselho científico de Constelaciones: Revista de Teoría Crítica (Madrid). Em 2023, foi Horkheimer Fellow no Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt (Otto Brenner Stiftung). Realizou pós-doutorado no Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP sob a supervisão de Jorge de Almeida (2018-2021), com estágio de pesquisa na Universidade Humboldt (anfitriã: Rahel Jaeggi) e no Departamento de Sociologia da Unicamp sob supervisão de Marcelo Ridenti (Fapesp). Doutora em Sociologia (bolsista Capes), mestra em Antropologia Social sob a orientação de Lilia Katri Moritz Schwarcz (bolsista Fapesp) e bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo. Durante o doutorado, realizou estágio de pesquisa na Universidade Goethe, em Frankfurt e no Departamento de Literatura da Universidade de Duke (anfitrião: Fredric Jameson), com bolsa da Capes. Tem experiência de pesquisa em e organização de arquivos. Com bolsa do DAAD, conduziu pesquisa no Arquivo Walter Benjamin/Theodor W. Adorno da Akademie der Künste, em Berlim, em 2014 e em 2019 e no arquivo de Oswald de Andrade (CEDAE/Unicamp) em 2011 com bolsa Fapesp. Em 2024, fez parte do projeto da International Herbert Marcuse Society de organização dos arquivos de Douglas Kellner, abrigado pela Universidade de Columbia. Foi, entre 2017 e 2018 e em 2021, professora visitante na UNB. É autora do livro Vanguarda do atraso ou atraso da vanguarda? Oswald de Andrade e os teimosos destinos do Brasil. É membra da coletiva “marxismo feminista“.Este artigo é uma versão ligeiramente modificada do texto-base da aula proferida no curso de extensão “O homem unidimensional 60 anos depois: a atualidade da crítica radical em tempos de colapso sistêmico”, organizada pelos professores Jorge Coelho Soares (UERJ), Fernando Gastal (UFRJ), Robson de Oliveira (UFC) e Leomir Hilário (UFS). O curso completo está disponível aqui.
Referências
MARCUSE, Herbert. An Essay on Liberation. Boston: Beacon Press, 1969.
MARCUSE, Herbert. One-Dimensional Man: Studies in the Ideology of Advanced Industrial Society. 2. ed. London: Routledge, 2002.
JAMESON, Fredric. Marxismo Tardio: Adorno, ou a Persistência do Dialético. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
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Eduardo Altheman é doutor em sociologia, pesquisador do Centro Käte Hamburguer de Estudos Apocalípticos e Pós-Apocalípticos e autor do livro The Marcusean Mind.
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