quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

A propósito de direitos e deveres constitucionais dos cidadãos



Roberto Campos, uma das mais brilhantes mentes brasileiras a serviço das classes dominantes, costumava dizer que a Constituição de 88 deu direitos exagerados aos cidadãos e poucos deveres. Trata-se de uma idiotice. A relação entre o cidadão e o Estado se dá de duas formas: no campo dos deveres, pagando impostos e, se necessário, indo à guerra; no campo dos direitos, usufruindo de todos os bens públicos proporcionados por um estado responsável, assim definido quando há financiamento adequado deles. É o próprio cidadão que fixa esses direitos. E a contrapartida deles são impostos gerais e específicos pagos pelos cidadãos.
Campos foi um homem público contraditório. Tinha uma conversação fascinante, mas evitava temas sérios. Conversei com ele longamente no apartamento de um amigo, seu sobrinho, Paulo Roberto Campos Lemos, tão inteligente e bem mais progressista do que ele, e que morreu precocemente. Quando a conversa resvalou para privatização, então a obsessão de Campos, questionei sobre sua aversão a estatais sendo que fundou ou fortaleceu várias delas (siderurgia, telecomunicações, elétricas, e o próprio BNDES). Isso não se conciliava com suas atitudes mais recentes? “Eu me arrependi”, disse ele, cortando a conversa.

Isso pode fazer parte do folclore, mas a idéia difundida pela Fiesp e outras entidades das classes dominantes de que a Constituição deu direitos demais e deveres de menos continua muito difundida pela sociedade, inclusive entre os pobres. As pessoas não costumam parar para pensar. O Estado só existe quando devidamente financiado pela sociedade. É a estrutura de financiamento do Estado que lhe possibilita assegurar direitos econômicos aos cidadãos. No caso da Constituição de 88, os direitos sociais estão devidamente financiados. E é isso que corresponde ao direito do cidadão, que paga impostos.

A ideia de que são direitos demais é um subproduto da campanha da Fiesp e da Fecomércio, com seu pato faminto de dinheiro público, e campeãs que são de utilização de impostos privatizados para financiar interesses privados, como no caso dos 4S (serviços sociais da indústria, do comércio, da agricultura etc). Seria importante fazer um cálculo criterioso sobre os deveres de financiamento dos 4S, extraído dos trabalhadores, e os direitos correspondentes. Verão que dinheiro desses serviços não apenas financiaram o impeachment de Dilma como tem financiado todas as medidas retrógradas, anti-povo, do Governo Temer.

Em outro contexto, expliquei que o imposto não é realmente pago pelo patrão, mas pelo trabalhador, através do que chamei de mais valia social. Se os sindicatos se apropriassem desse conceito, iniciativas como a do pato da Fiesp se revelariam logo como uma falácia ou manipulação da opinião pública pelas classes dominantes. Nesse sentido, a campanha da Fiesp, com seu pato burlesco, de reduzir impostos nada mais é do que uma iniciativa de aumentar as margens de lucro das empresas à custa do trabalhador. Em última instância, os direitos sociais seriam sacrificados (mais do que estão sendo) em favor do lucro empresarial.

Jose Carlos de Assis

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