por André Barrocal
Processo do petista segue script de uma trama conservadora descrita nos EUA em 2012, diz uma testemunha ocular, um político da República Dominicana
No fim de 2012, Manolo Pichardo, político da República Dominicana, participou de uma sinistra reunião na suíte de um hotel em Atlanta, nos Estados Unidos. Alguns ex-presidentes latino-americanos de inclinação de centro ou direita discutiram como varrer adversários progressistas do mapa. Afinal, dizia um dos presentes, Luis Alberto Lacalle, ex-mandatário uruguaio, “não podemos ganhar desses comunistas pela via eleitoral”.
A presença de Pichardo ali era estranha, só tinha ido a Atlanta graças ao convite de um ex-presidente amigo, Vinicio Cerezo, da Guatemala. Atual comandante da Conferência Permanente de Partidos Políticos da América Latina (Copppal), Pichardo pertence ao Partido da Libertação Dominicana, de esquerda.
O fundador do PLD, Juan Bosch, era amigo do cubano Fidel Castro e chegou ao poder nos anos 1960 por outra sigla que criou, o PRD. Sete meses depois, era deposto (advinha?) por um golpe militar patrocinado pelos EUA e (surpresa!) apoiado depois pelo Brasil, o primeiro ato de política externa da ditadura militar instalada aqui em 1964.
Vencedor das últimas quatro eleições, o PLD levou o pequeno país de 10 milhões de pessoas ao topo do crescimento econômico nas Américas em 2017, segundo os insuspeitos Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial.
Será que haveria um “Plano Atlanta”, batismo dado por Pichardo ao que escutou naquela suíte de hotel em 2012, com o qual o PLD deveria se preocupar? “Se há, não conheço”, diz ele.
E que “plano” é esse, afinal? Desmoralizar líderes progressistas via mídia com acusações de corrupção, inclusive a familiares, e ataques ao comportamento privado deles. Depois, converter os escândalos em processos judiciais que acabem com a carreira da turma.
A estratégia parece bem sucedida, a julgar pelo destino de Fernando Lugo no Paraguai em 2012 e de Dilma Rousseff por aqui em 2016, além das encrencas de Cristina Kirchner na Argentina, de Rafael Correa no Equador e, claro, de Lula.
A derrocada do petista seria a “joia da coroa”, algo que está perto de acontecer dado o iminente julgamento dele em segunda instância. Em entrevista por e-mail a CartaCapital, Pichardo explica por que e fala mais sobre a trama conservadora.
CartaCapital: O processo contra o ex-presidente Lula é parte do “Plano Atlanta”?
Manolo Pichardo: Claro que sim. Toda a perseguição que desencadearam contra ele é parte da artimanha que procura desqualificá-lo para que não retorne à Presidência do Brasil e retome a aplicação de políticas públicas que favorecem a maioria. Isso em razão de que as oligarquias brasileiras e da região não concebem que as riquezas geradas sejam distribuídas com maiores níveis de justiça. É que não se dão conta de que em um processo de distribuição democrática da renda, o consumo aumenta e eles têm mais possibilidades de fazer negócios. E não se dão conta porque estão acostumados a acumular riqueza com base na exploração das grandes maiorias.
CC: Por que Lula seria a “joia da coroa” do “Plano”?
MP: O Brasil é a maior economia da América Latina e se tornou uma das maiores do mundo. É o maior país da região em tamanho e população. Isso, obviamente, deu-lhe o peso político que lhe permitiu influenciar o resto dos países latino-americanos, algo que, sem dúvida, aumentou durante a Presidência de Lula, uma vez que remover mais de 40 milhões de pessoas da pobreza e incorporar 16 milhões ao mercado de trabalho tornaram-no uma referência obrigatória. Isso faz dele, de acordo com os interesses dos setores conservadores, um exemplo indesejável.
CC: Que outros líderes progressistas latino-americanos sofrem os efeitos do “plano”?
MP: A última vítima é Jorge Glas (vice-presidente do Equador recém condenado por corrupção e afastado do cargo), produto de uma variante do “Plano” que parece ser aperfeiçoada e estilizada na medida em que as pessoas perceberam o que estava acontecendo e deram respostas para rejeitar o método inicial.
Dilma foi um exemplo bem sucedido da urdidura, o presidente Lugo também, não só por causa do golpe parlamentar que o tirou do poder, mas por causa da decisão do tribunal que o desqualificou de se inscrever para uma nova candidatura. Poderíamos dizer que, no caso do ex-vice-presidente (do Uruguai que renunciou em setembro) Raúl Sendic a mão do “plano” poderia ter estado ali, talvez com a intenção de desestabilizar o governo da Frente Ampla. Não tenho provas, mas tantos casos perecem para responder a um padrão.
CC: Quais as forças políticas por trás do “plano”? Há econômicas também? Quais?
MP: As forças políticas que operam na rede de conspiração são as que tradicionalmente serviram de apoio a grupos conservadores ligados a forças estrangeiras que têm expressão em governos e multinacionais. São forças da nossa região que operaram como peões de interesses estranhos aos nossos, aos latino-americanos. Me atrevo a dizer que, entre os setores econômicos, existem indivíduos ou grupos sem uma consciência de classe que lhes permitiria se tornar classe dirigente e desenhar o futuros de seus países. Só que eles dependem de uma agenda com diretrizes externas.
CC: Acredita na participação dos Estados Unidos na manobra? Por quê?
MP: As oligarquias da América Latina não movem um dedo sem autorização ou direção dos EUA. Este país, desde que emergiu como potência, desbancou as forças europeias e transformou a região em seu quintal. Mas isso estava mudando à medida que partidos progressistas começaram a assumir governos e pararam a política de desapropriação que os conquistadores europeus inauguraram depois de 1493.
Não era aceitável para os americanos tal nível de independência política e econômica. E não era pois seus negócios obscenos iriam responder aos interesses dos governos da região e seus povos. A revisão de contratos de empresas de petróleo e mineração é um claro exemplo da reviravolta dada pelos governos de partidos progressistas aos negócios na região, então eles (EUA) tiveram que conspirar para retornar à desapropriação.
CC: O senhor apontou algumas variantes do “plano” em seu recente livro A esquerda democrática na América Latina. Quais são?
MP: Em algumas artes marciais, é ensinado a derrotar o inimigo com suas próprias forças. Acho que uma das variantes do “plano” foi baseada nessa técnica. Eles decidiram assumir o poder com a vitória eleitoral do progressismo, recorrendo ao recrutamento de militantes dessas forças. O recente processo eleitoral no Equador parece confirmar esta variante, que já havia sido expressa na eleição do secretário-geral da OEA (Luis Almagro), levado ao cargo pelos governos progressistas, pois tinha sido ministro (uruguaio) das Relações Exteriores de Pepe Mujica, e ao assumir declarou guerra às forças progressistas da região.
Temer, o presidente de fato brasileiro, chegou à vice-presidência em um binômio liderado por Dilma e pelo PT. Ele foi cooptado para liderar a conspiração que tirou a mandatária do poder. A divisão pode ser outra dessas variáveis. Penso que devemos prestar atenção ao caso da Argentina e à sua última eleição, que o peronismo perdeu.
CC: Como assim?
MP: Participaram dois candidatos do peronismo, Daniel Scioli, que venceu no primeiro turno com 36%, e Sergio Massa, que teve 21%, votos suficientes para o triunfo do peronismo. A divisão causou a derrota. Pergunto-me se esta foi apenas o produto das lutas internas do peronismo ou se uma mão estranha do “Plano Atlanta” teve a ver com isso. Não sei, mas sem parecer paranóico, não excluo nada. Talvez devamos esperar por documentos desclassificados da CIA em cerca de 50 anos para resolver esta questão. Agora, o que eu acho é que devemos prestar atenção a uma possível variante do “plano” com base na divisão de forças progressistas.
CC: O que as vítimas do “plano” poderiam ter feito em sua defesa ou como reação? Por que o “plano” parece vitorioso?
MP: Sinto que as forças progressistas estão desarticuladas, apesar dos esforços da Copppal e do Foro de São Paulo para definir políticas comuns que nos levem a enfrentar com sucesso os desafios e ameaças que vivemos e nos ameaçam. Muitas coisas poderiam ter sido feitas para enfrentar o “plano” a partir das particularidades de cada país.
CC: O que futuros governos progressistas devem fazer para não ser vítimas de novo desse tipo de ação?
MP: Primeiro, estar atentos, nunca desprevenidos. Em segundo lugar, não perder o contato com o povo, porque se você permanecer em contato no dia a dia, na hora da ameaça e na chamada ao apoio popular, eles responderão. Não há uma fórmula para enfrentar a urdidura, cada situação determina a resposta.
CC: O senhor tratou do “Plano Atlanta” em um artigo de jornal em março de 2016. Depois disso, houve alguma consequência do seu relato?
MP: Em princípio, nenhum até que os fatos chamassem a atenção para a história. Então comecei a sentir interesse no que aconteceu naquele dia em Atlanta. O lamentável é que, sabendo o que estava sendo tratado lá desde o momento em que aconteceu, nada foi feito.
Penso que se poderia haver articulado uma estratégia de desmonte do Plano. Havia tempo. Agora, sofremos fortes golpes para a institucionalidade democrática na região. É uma pena. Mas eu confio que nossos povos não permanecerão calmos diante do desmantelamento de suas conquistas e a possível volta da perda da nossa soberania.
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