sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Jonathan, um vexame antológico da mídia brasileira

Jonathan era voluntário de uma ong na Venezuela

PAULO MOREIRA LEITE

A mídia do pensamento único acaba de enfrentar um vexame antológico, que expõe fraquezas vergonhosas imensas num momento delicado como o atual. Estou falando de um certo Jonathan Diniz, aquele brasileiro preso em Caracas e libertado após dez dias em circunstâncias até agora não esclarecidas.

Martirizado como vítima do bolivarianismo chavista, sua passagem por um presídio do serviço de inteligência do governo da Venezuela foi acompanhada com um zelo e atenção que nossos jornais e revistas jamais dispensaram - por exemplo - às vítimas de barbaridade da PM de Geraldo Alckmin ou de Pezão.
Enquanto ficou preso, Jonathan foi assunto de reportagens diárias nos telejornais da Globo, naquele esforço típico de quem faz o aquecimento para uma grande crise. Depois de solto, chegou a dar uma entrevista por email ao Estado de S. Paulo na qual lhe perguntaram se havia sido torturado. "Tortura depende do ponto de vista," respondeu, firmando uma jurisprudência originalíssima para uma matéria estudada seriamente há décadas, na qual só são conhecidos dois pontos de vista - o da vítima e o do carrasco, o resto sendo puro embuste.

Apresentando-se como titular de uma ONG de nome em inglês que só se podia enxergar em sua página no Facebook, beneficiando crianças miseráveis que ninguém conhece, exibindo um altruísmo que não combina com solidariedade real mas sugere conhecidos contos-do-vigário, nosso personagem tanto podia ser um agente da CIA se fazendo passar por maluco ou vice-versa -- ou quem sabe as duas coisas ou uma terceira que será revelada num próximo vídeo gravado em local desconhecido dos Estados Unidos. Na última versão, que em breve será a penúltima, o benfeitor declara-se "médium" e diz que por essa razão ficou internado seis vezes. 

Jonathan também informa, em vídeo, que até sua prisão foi uma farsa, uma ação premeditada. O objetivo era reforçar os cofres de sua campanha a favor das "crianças pobres da Venezuela". 

Bastava cultivar o necessário respeito pelo esforço do povo venezuelano para agarrar as rédeas de seu destino para entender que este grande país hoje é alvo direto de aventureiros, aproveitadores, agentes provocadores, sabotadores em busca de um trocado e espiões profissionais, como acontece em toda nação que possui imensas riquezas naturais e enfrenta uma crise de bom tamanho, como se viu na Espanha dos anos 30, em Cuba nos anos 50, no Chile nos 70 e assim por diante. Atos de sabotagem econômica ajudam a entender a falta de remédios nas farmácias e até de alimentos nos supermercados. Mas são vistos com naturalidade, como se fossem a consequência inevitável de uma política econômica afastada das regras brutas do mercado e do estado mínimo. 

Bastava admitir que os venezuelanos têm o direito de buscar um caminho diferente daquele seguido por seus vizinhos para prestar atenção ao que acontece por lá, desconfiar de versões bonitinhas demais, convenientes além da conta.

Mas não. Muito mais fácil, mais confortável, é enxergar o mundo com o olhar colonizado e os reflexos automáticos que apenas procuram confirmar os próprios preconceitos, atendendo necessidades e conveniências. 

Este é o ponto essencial. O episódio mostrou o alinhamento ideológico de quem já perdeu a capacidade de enxergar fatos que possam contrariar sua visão de mundo, preferindo descrever a realidade de acordo com desejos e interesses, sem procurar entender como ela é.

Isso se aplica, sabemos todos, à cobertura da Lava Jato e, em particular, às escandalosas denúncias contra Luiz Inácio Lula da Silva, que envolvem um triplex que comprovadamente não lhe pertence.

Mas também se manifesta na cobertura internacional, com um alinhamento absoluto em relação a diplomacia norte-americana, em particular quando se trata de participar do massacre contra o governo de Nicolás Maduro, hoje o inimigo principal de Washington, uma das ultimas peças no tabuleiro de dominó jogado por aliados e cafetões dos EUA no Continente.

Sabemos agora que o caso é uma farsa. Mas bastava um esforço de honestidade intelectual para reconhecer uma história inverossimel, como a Escola Base de triste memória. 

O saldo, inevitável, é fazer um previsível papel de bobo, como alertei aqui neste espaço, num vídeo que começou a circular na internet assim que surgiram os risíveis detalhes da história. Quem já assistiu sabe, há tempos, que estava diante de um caso ridículo.

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