Integrante do Ministério Público Federal de 1987 a 2017, Aragão analisa papel das instituições no cenário atual / Marcelo Camargo/Agência Brasil
Ex-ministro da presidenta Dilma Rousseff considera que julgamento será importante para defender democracia no país
Um dos atores mais atentos às questões que circundam o ex-presidente Lula, o jurista Eugênio Aragão acompanha com indignação o "ativismo judicial" que considera ser um dos algozes do petista. Para ele, o contexto adverso faz do julgamento do próximo dia 24 apenas "uma pedra no caminho", e não o fim da jornada — utilizando como referência o poeta Carlos Drummond de Andrade.
Integrante do Ministério Público Federal de 1987 a 2017 e ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, Aragão considera que a data será importante para marcar não só a defesa do ex-presidente, mas também da democracia e do futuro do país. O Brasil de Fato conversou com exclusividade com o ex-ministro. Confira a entrevista.
Brasil de Fato: O senhor tem afirmado que Lula é vítima de abuso de autoridade. A Lava Jato é apontada como um terreno fértil pra esse tipo de prática. Que estragos essa conduta por parte do sistema de Justiça traz para o ambiente político?
Eugênio Aragão: Quando o juiz deixa de examinar os autos a partir dos limites do conflito que lhe é proposto, ele passa a querer fazer parte desse conflito e começa a ser um ator que não tem mais imparcialidade. Infelizmente, é isso que tem acontecido com Sergio Moro. Na medida em que ele se vangloria mundo afora de ser o grande herói do combate à corrupção e trabalha com uma visão maniqueísta de que está do lado do bem e os réus do lado do mau, torna-se partidário da sua causa. Um juiz não pode ter essa visão.
Lula é a carta mais alta que o Moro tem, então, ele precisa estigmatizá-lo politicamente, porque isso é o que lhe levanta a bola. O mesmo ocorre com o Gebran Neto [desembargador e relator da ação do caso do triplex no TRF-4].
Figuras como o juiz Sérgio Moro são consideradas uma especie de deformação do sistema de Justiça, como o senhor mesmo sinalizou. Quais as raízes que sustentam esse processo?
A culpa disso tudo está na Constituição de 1988, que trouxe o germe da politização da Justiça. No momento em que ela criou essa figura central na relação entre os Poderes que é o Ministério Público (MP) e o encheu de poderes sem dar o devido controle, os devidos balizamentos progressistas de poder, o que aconteceu? Os juízes viram o MP como uma receita de sucesso e os privilégios dessas carreiras estão claramente associados a esses abusos todos. Eles precisam dessa receita, da aparição estrambólica na mídia como heróis da pátria para terem condições de se manterem como elite, ou seja, é um ciclo vicioso, e isso é colocado claramente na Constituição.
Ainda a respeito dos problemas no Judiciário referentes à Lava Jato, existiria, na sua avaliação, algum peso também do capital financeiro e internacional na atuação desses magistrados que agem com assimetrias de tratamento?
Essa turma de juízes e membros do MP tem uma visão muito míope da realidade, que não vai muito além do umbigo deles, mas não tenho dúvida de que eles fizeram um grande serviço para o capital internacional destruindo os ativos nacionais, facilitando a turbulência política que eles criaram, a mudança do eixo da nossa governança — no sentido de atrair para a centralidade um governo apto a entregar os nossos ativos — , aí isso eles fizeram. Eles podem ter sido inocentes úteis ou podem ter sido coautores nesse projeto nefasto.
Ela [Lava Jato] foi extremamente deletéria para a economia ao atingir em cheio as grandes empresas construídas ao longo de décadas de projetos desenvolvimentistas. O que se fez foi tirar do país a capacidade de gerar novos projetos desenvolvimentistas próprios. Foi um dano extremamente grave à nossa capacidade de criar um futuro promissor.
Estamos a cerca de um mês do julgamento do ex-presidente Lula e, conforme a data se aproxima, a tensão e a atenção em torno do tema se potencializam. Qual é a ressonância que essa situação toda tem no cenário eleitoral de 2018?
A distância ainda é longa. É claro que Porto Alegre é um percalço, uma pedra no meio do caminho, mas o caminho continua. A gente não pode dar a esses juízes essa importância toda. Agora, eles são um sinal de que realmente tem algo de muito doentio na prestação jurisdicional no Brasil, principalmente em matéria criminal. Eles são, na verdade, a própria doença. Não é uma questão de proteger Lula e a candidatura dele, e sim de proteger a democracia. Por isso, 24 de janeiro vai ser uma data muito importante para as pessoas mostrarem que estão defendendo também o Brasil, o futuro do país. E, hoje, se tem uma pessoa que talvez seja capaz de reconstruir minimamente o consenso que foi rompido pelo Judiciário e pelo golpe de 2016, é Lula.]
Edição: Rafael Tatemoto
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