da Revista Arte Brasileira
Aconteceu mais ou menos assim... Em meados de 1987, dois antes da morte de Raul Seixas, um bar, que era mais pra um café, recebia visitas de jornalistas, de rádio, de agências, e de jornais. Era um verdadeiro point de comunicólogos. O café ficava perto do Jornal Diário da Região em São José do Rio Preto, na qual trabalhavam mais de 50 profissionais, entre eles, Valdecir Cremon e Dagmar.
A dupla de jornalistas já havia trabalhado em outro jornal, e por isso estavam sempre juntos. Como já de costume, os dois foram até o famoso barzinho, tomar café, antes das duas horas da tarde, que era o horário de ir pra redação.
Enquanto Cremon tomava seu café com leite, Dagmar que estava tomando somente café disse: “se eu te falar que nas suas costas tem um cara sentado que é a cara do Raul Seixas, você vai acreditar? Não olha, não olha, não olha, se não vai pegar mal, vai pegar mal, o cara é a cara do Raul Seixas, até com aquela bolsa, está até com aquela bolsa de coro”.
Cremon não levando a sério o comentário do amigo, respondeu: “Cara, o que tem a ver com o sósia?” – “Cremon, o cara é muito parecido, o cara é muito parecido”.
Acreditando ser o próprio Raul Seixas, Dagmar se levantou e foi até o dono do bar, perguntando-o quem era aquela figura. Segundos depois, o jornalista contou ao amigo o que o homem o disse: “É ele, mas se você for lá, eu vou perder o cara. É o meu freguês, ele vem aqui direto.” - “mas o que ele vem fazer aqui?” - “não sei, acho que ele vem se esconder aqui.”
Assim, os jornalistas queriam pular de alegria, agarrar Raul, entrevista-lo. Para aumentar a empolgação, um deles avista um violão com capa preta encostado na porta, que para a alegria dos jornalistas, era o mesmo que estava estampado em capas de discos.
Naquele instante, Raul se levantou, olhou lentamente para o rosto de cada um deles e convicto disse: “Não vou dar entrevista”. Raul sabia perfeitamente do que se tratava aqueles dois “curiosos”, porque momentos antes estavam falando sobre coisas de jornal o tempo todo, sendo que Raul estava há pouco menos de 3 metros de distância.
“Raul, nós precisamos te entrevistar, você é um ídolo. Eu preciso registrar. Eu preciso registrar que você está aqui. Nós somos do maior jornal de Rio Preto. Precisamos saber o porquê você está aqui”, exclamou Dagmar.
Raul foi até a porta, pegou o violão, olhou pros dois, tirou o óculos do bolso, colocou o óculos e disse. “No meu apartamento, sem fotografia”.
Empolgados, os jornalistas saíram correndo sem pagar a conta. Logo do lado, já estava o edifício Nova Independência. Os três se encontraram na portaria. Raul cauteloso, disse ao porteiro: “se disserem que sou eu que estou aqui, se disserem que sou eu que estou aqui, nunca mais eu venho, nunca mais você vai me ver. Não é para deixar a impressa subir. Esses dois sou eu que estou deixando”.
Depois disso, subiram para o apartamento. No quarto de Raul, Cremon e Dagmar não perceberam quase nada de diferente ou especial. Mas claramente, notaram que o quarto era de um verdadeiro “fumeiro”, de alguém que fumava muita maconha, com uma mala aberta jogada no chão e uma capa de chuva no sofá.
Durante os 20 minutos que os jornalistas ficaram no apartamento, Raul não deixou eles tirarem nenhuma fotografia, apenas entregou uma foto que outra pessoa havia tirado. Na foto, Raul estava encostado em uma janela toda quebrada e com defeitos, sendo que seu cabelo e barba estavam iluminados pelo sol.
Cremon e Dagmar perceberam que aquela janela era a mesma do apartamento em que estavam, fato que demonstrou que Raul estava ali há mais tempo ou já havia visitado aquele lugar outras vezes. Mesmo que Raul permitisse ser fotografado, isso não seria possível, porque os jornalistas não tinham nenhuma câmera em mãos.
Apesar da ausência de fotos, Raul assinou seu nome em um caderno que Dagmar carregava. A assinatura era totalmente diferente da que Raul assinava em seus discos.
Era muito difícil entender o que Raul falava. Sua fala era muito desconexa. Ele começava um assunto, se perdia nas palavras, e voltava. Sempre com uma fala muito confusa.
Mesmo com poucas palavras, Cremon notou que Raul era muito politizado/anti-ditadura. Seu problema era com a censura, acreditando na pirâmide invertida, que era o tratamento do mau pelo mau e do bem pelo bem; se fosse pra ser mau, o diabo era o pai, se fosse pro bem, Deus era o pai.
Durante a “entrevista”, Raul não cantou nada, não tocou nada. Do jeito que o violão chegou, ele ficou. Falou muito pouco de suas músicas. Os jornalistas tiveram que se retirar, porque o músico perguntou “já acabou?”. Apertou as mãos de Cremon e Dagmar se despedindo.
No dia seguinte, o texto foi publicado no jornal. Na reportagem, não havia nenhuma declaração de Raul. Havia apenas informações sobre a hospedagem, que não queria receber a imprensa, que não deu declarações sobre discos e músicas, que deu uma entrevista muito rápida.
Os jornalistas escreveram bastante porque colocaram suas percepções, porque naquela época o texto jornalístico era mais poético, e não como é hoje. Por isso o texto ficou grande. Na reportagem, ainda havia a discografia do músico.
Não se sabe quanto tempo Raul ficou em Rio Preto, mas no dia da publicação no jornal, ele foi embora. Não estava mais lá.
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