(Foto Sindicato dos Bancários)
Fernando Nogueira da Costa
Na crise financeira mundial de 2008, dado o recuo dos bancos privados, bancos públicos tiveram papel ampliado com adoção de políticas anticíclicas
O programa de extermínio dos bancos estaduais (PROES), nos anos 90, representou vitória da tecnocracia do governo neoliberal sobre o pacto federativo. Os tecnocratas de então diziam que todos os bancos públicos detinham poder de transferência do déficit fiscal para a União, não de direito, mas de fato. Ameaçavam dizendo que a União acabaria assumindo todo o passivo a descoberto desses bancos correspondente ao socorro financeiro que o Banco Central, por pressão política dos governadores e ameaça de risco sistêmico, aportaria. Assim, a tecnocracia responsável pela política macroeconômica federal perderia o controle da situação monetária, financeira e fiscal.
Por que a sanha exterminadora dos bancos públicos? Na visão ortodoxa, os gastos públicos não financiados por arrecadação fiscal ou lançamento de títulos de dívida pública se sobrepunham aos gastos privados, na medida que o setor privado permanecia com a mesma renda disponível. O resultado era o desequilíbrio entre a demanda agregada e a oferta dada de bens e serviços, causa básica da pressão inflacionária.
Os bancos estaduais só podiam abrir uma agência nas capitais de outros estados. Assim, não conseguiam colocar os títulos de dívida estadual, via ação comercial, no centro do mercado financeiro, isto é, em São Paulo. Por isso, eles detinham carteira de ativos sem o passivo correspondente, isto é, a descoberto. Eles concediam financiamento monetário ao governo estadual ao não atender à exigibilidade de reserva bancária.
Os neoliberais indiferentes ao nacionalismo e favoráveis à abertura externa achavam que a oferta de bancos estaduais, praticamente “de graça”, seria vista como uma boa opção para atrair os bancos estrangeiros que queriam rede já instalada. Entretanto, os maiores bancos nacionais privados – o Bradesco e o Itaú – reagiram e compraram a maioria, exceto o Banespa, comprado pelo Santander, no centro financeiro.
A necessidade de ganhar escala nacional e fatias de mercado, para compensar a maior concorrência por clientes, inclusive mais pobres, dado o barateamento do acesso popular via informática, foi a maior motivação. Então, os grandes bancos brasileiros aproveitaram a oportunidade das privatizações para se defenderem das aquisições dos bancos estrangeiros e suas entradas no mercado nacional de varejo antes reservado.
A partir de então, economistas pós-keynesianos, devido à teoria da preferência pela liquidez (e aversão ao risco) dos bancos, esperavam uma dependência de trajetória com retroalimentação que desigualaria ainda mais as rendas regionais. Previram um processo cumulativo de concentração econômica regional, devido à centralização financeira ocorrida entre 1995-2002. A saída do processo de crise bancária, privatização de bancos estaduais, desnacionalização de bancos, e a reestruturação patrimonial dos bancos públicos federais, supostamente, teria como efeito os bancos adotarem uma ótica pró livre-mercado concentradora e centralizadora.
Essa predição não ocorreu. De fato, a desigualdade regional em riqueza financeira pessoal e corporativa determinou a escolha das sedes dos bancos particulares, para facilitar a captação de funding, na capital de São Paulo. Porém, a busca de correção dessa desigualdade socioeconômica, entre outras políticas públicas, por meio de transferência de renda compensatória, elevação real do salário mínimo e investimentos em infraestrutura e logística, influenciaram o direcionamento do crédito dos bancos públicos federais após 2003 até 2014.
Os maiores bancos privados, em termos de escala nacional, com oferta de recursos livres, isto é, não direcionados a priori, responderam à demanda efetiva por crédito. Esta cresceu na região periférica com a ampliação do mercado consumidor interno resultante de políticas públicas.
As políticas públicas social-desenvolvimentistas buscaram contrapor-se a essa trajetória de concentração de renda regional. Elas não conseguiram determinar, de maneira irreversível, o fim do processo de desigualdade regional. Isto porque a continuidade das políticas sociais ativas que repercutiam em ampliação do mercado interno, tanto de consumo, quanto de financiamento, dependeria da manutenção da frágil democracia brasileira. Esta sofreu dois golpes: um contra a Presidenta eleita, outro contra o Presidente a ser eleito, impedindo-lhe se candidatar.
O quadro acima demonstra que a volta da Velha Matriz Neoliberal, em 2015, interrompeu o processo de queda na participação relativa do Estado de São Paulo como destino do crédito de 38% para 30%, devido em especial ao dirigido para a Pessoa Física. Os bancos públicos perderam participação no mercado de crédito em 2017 pela primeira vez desde 2007, quando o conjunto de instituições oficiais controlavam 34% do mercado. Encolheu de 56% em 2016 para 54% em 2017. O saldo das operações de crédito do sistema financeiro diminuiu -0,6% em doze meses, ficando em R$ 3.086 bilhões no final do ano passado. A relação crédito/PIB baixou para 47,1%, face a 49,6% no final de 2016 e 53,7% no final de 2015: quase menos 7 pontos percentuais do PIB!
A partir da crise financeira mundial de 2008, dado o recuo dos bancos privados, os públicos tiveram o seu papel ampliado com a adoção de políticas anticíclicas. Foram usados também como instrumento indutor da queda dos juros e dos spreads bancários em 2012. Aliás, foi uma política correta, ao contrário de sua demonização por parte da imprensa neoliberal. O problema foi sua interrupção, em abril de 2013, com o Banco Central, indiferente ao crescimento econômico, voltando à elevação arbitrária de juros.
Para ver o efeito do recente encolhimento dos bancos públicos pelo governo golpista, deixando-os descapitalizados, resolvi fazer cálculos em big data – uma imensa planilha (10.304 linhas e 65 colunas) de ESTBAN, baixada no site do Banco Central do Brasil. Contém dados das agências de todos os bancos em todas as cidades brasileiras. Calculei a relação entre empréstimos e depósitos (a prazo e de poupança) para cada banco e cada cidade em estados selecionados.
Enquanto os maiores bancos privados nacionais e estrangeiros drenam recursos da maioria das cidades onde localizam suas agências, a Caixa e o Banco do Brasil em praticamente todas em que estão presentes concedem mais empréstimos do que captam. Em outras palavras, os privados sugam, os públicos irrigam liquidez. Alô, alô, bancadas bairristas das oligarquias regionais, imaginem seus currais eleitorais sem eles!
No quadro acima, verifica-se “a política Robin Hood” dos bancos públicos. Banco do Brasil e Caixa captam mais depósitos a prazo e de poupança do que seus grandes concorrentes (23% a 22%) no centro financeiro (capital de São Paulo), mas têm menor Market-share no mercado de crédito paulistano. O Bradesco, provavelmente, registra suas operações de crédito junto à sede em Osasco na Grande São Paulo.
Interessante observar que, nesses seis estados selecionados, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife têm proporcionalmente mais captação e empréstimos do que o interior de seus estados. Minas Gerais e Rio Grande do Sul têm 45% dos empréstimos na capital e 55% no interior, embora o percentual de captação em Porto Alegre seja superior ao de Belo Horizonte, comparados respectivamente com os percentuais dos interiores gaúchos e mineiros. Salvador e o interior da Bahia convivem equilibradamente, meio a meio.
A relação empréstimos / depósitos para esses estados e suas capitais superior a 1 demonstra que, em todos, o funding vai além do típico do crédito comercial e imobiliário – “dinheiro comprado” em CDBs e poupança. Provavelmente, também recorrem os públicos a fundos parafiscais (FCO e FGTS), os privados nacionais a captações no mercado aberto ou depósitos a vista, e o estrangeiro a repasses externos.
Portanto, testei e falseei mais uma vez a hipótese de que há uma teoria pós-keynesiana mono econômica sobre bancos, atemporal e onipresente, isto é, sempre válida em todos os tempos e lugares. Em nível de abstração menor, as características institucionalistas (origens do capital ou tipos de controle acionário) dos bancos são influentes em seus desempenhos. No Brasil, nem todos os bancos são orientados por expectativas em relação ao mercado, ou seja, por “preferência pela liquidez”. Mais da metade do mercado de crédito brasileiro, na Era Social-desenvolvimentista (2003-2014), foi atendido por políticas públicas, executadas por bancos estatais, contra as expectativas pessimistas dos bancos privados nacionais e estrangeiros.
Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP. http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/
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