A intervenção federal no Rio decorre de uma crise financeira que se deve exclusivamente ao estrangulamento orçamentário do Estado, de forma crescente, desde 1997. Não é diferente do que acontece em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul, no Rio Grande do Norte e em outros Estados do Nordeste. Não é diferente do que tende a acontecer em todos os demais Estados da Federação, igualmente submetidos ao mesmo processo de agiotagem criado pelo Governo federal mediante a imposição sobre eles da dívida nula e impagável.
Pobre general Braga Netto. Ele não só comandará uma segurança falida, como uma segurança inserida num setor público falido, incluindo as áreas sociais de educação e saúde, absolutamente vitais para o bem-estar da sociedade. O ministro da Defesa já avisou que entre as prerrogativas da intervenção - tendo em vista o bom conselho do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles -, não haverá disponibilidade de dinheiro além do necessário para financiar o deslocamento de tropas. Que se contente, pois, com as migalhas que lhe serão oferecidas.
A sociedade fluminense precisa de se livrar do espantalho psicológico da corrupção promovida por Sérgio Cabral. Ele roubou muito, sim. Roubou demais. Mas não é o roubo de Cabral que explica a crise financeira do Rio. Aparentemente ele e seus comparsas roubaram algo como 250 milhões de reais. Isso é ínfimo em relação à dívida que o Governo federal impôs ao Rio, em parcelas anuais, desde 1997, e agora exacerbada. Para o conjunto dos Estados a dívida inventada foi de 111 bilhões, em dinheiro do ano passado.
Ao longo dos anos os Estados transferiram ao Governo federal 277 bilhões de reais a título de pagamento de parcelas da dívida. Restam a pagar incríveis 493 bilhões. Na realidade essa dívida é nula, conforme demonstrei num livro, "Acerto de Contas", prefaciado pelo senador Roberto Requião,e publicado no ano passado. A origem da "dívida" foi o pagamento, pela União, de débitos mobiliários dos Estados junto à banca privada. Mostrei que esse pagamento, em títulos, sendo passivo de toda a sociedade, não podia ser pago de novo.
O saudoso senador e vice-presidente José Alencar, com a visão prática de político e homem de negócios, previu ainda em fins dos anos 70 que a dívida dos Estados, com as taxas que estavam sendo impostas pelo Governo federal, era impagável. Sua proposta foi transformada em projeto de lei, que morreu na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal por manobras do presidente Fernando Henrique. Justificava-se: o projeto contrariava os ditames do FMI aos quais o Governo dele havia se submetido na negociação externa.
O Estado do Rio de Janeiro sofreu também o impacto direto da Lava Jato, notadamente no que se refere ao grande investimento do Comperj, que estava em curso como o maior do Estado e um dos maiores do país. Como se sabe, os gênios anti-corrupção da Lava Jato não se limitaram a punir empresários e executivos corruptos; paralisaram obras e empresas, atingindo diretamente o coração econômico do Rio de Janeiro. Por fim, com a crise econômica nacional também aprofundada pela Lava Jato, a receita do Estado naufragou.
Estou curioso em saber o que o general Braga Neto vai fazer nessa situação. Os ministros avisaram que o aparato de segurança do Rio continuará sob o mesmo orçamento. Contudo, se for necessário que o orçamento de segurança seja aumentado apenas com recursos estaduais, isso implica esmagar ainda mais os orçamentos sociais, aprofundando as razões básicas da crise de segurança. Por outro lado, se não houver aumento do orçamento de segurança, provavelmente não haverá lealdade das polícias ao comando único.
Se as pessoas imaginarem que a crise financeira dos Estados desagrada o Governo federal, estão enganadas. A crise é uma oportunidade para Meirelles impor, paralelamente à dívida, um programa de privatização em nível estadual. O Rio de Janeiro já foi obrigado a privatizar a Cedae, sua jóia da coroa, supostamente para pagar parcelas da dívida. Outros Estados estão sendo obrigados a vender seu patrimônio. Que o general Braga Netto se cuide: ou administra a segurança sem dinheiro, ou levanta a ira do público por ter dinheiro na segurança, mas não nas outras funções públicas.
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