No início dos anos 40, enquanto as nações ricas se destruíam umas às outras na II Guerra, um poeta brasileiro, angustiado com as terríveis disparidades sociais que assolavam o nosso continente, se perguntava “como poderia compreender-te, América? É muito difícil”.
No tempo de Drummond, não havia internet, muito menos estatísticas atualizadas mensalmente, acessíveis a qualquer interessado. Os intelectuais dispunham de menos armas informativas para fazer o bom combate político. Eles sabiam o básico, de qualquer forma: que os países ricos eram ricos porque exportavam produtos industrializados com alto valor agregado, ao passo que os países pobres eram pobres porque se restringiam a exportar matérias primas.
Um dia, alguém poderia explicar a Sergio Moro, figura central na guerra híbrida que destruiu nossos sonhos de desenvolvimento, ao menos por alguns anos, a importância de uma indústria de base, dentre as quais se destacam refinarias de petróleo. Se Moro tivesse prestado atenção em suas aulas de história, e recebesse algumas noções extras de economia, não andaria por aí dando palestras contra a construção de refinarias.
Hoje em dia, com tanta informação disponível, as pessoas, mesmo os intelectuais, parecem anestesiados com os escândalos.
É muito importante desmascarar figuras como João Dória, Aécio e Luciano Huck, expondo seus jatinhos e aeroportos privados comprados com dinheiro público, suas fortunas acumuladas à sombra do poder. Assim funciona o jogo da política contemporânea: só os fortes sobrevivem a uma boa pesquisa no google.
Entretanto, a gente não pode esquecer a lição marxista, sobre o papel central das relações econômicas entre países, na formação do poder político e na dinâmica da luta de classes.
Ninguém precisa acreditar nas teorias ventiladas pelo blog. Mas não custa nada, mesmo para quem não concorda com a nossa linha editorial, dar uma olhada nos números que apresentamos aqui.
Tenho martelado, há alguns meses, que a Lava Jato serviu a um propósito, beneficiar as refinarias de petróleo dos Estados Unidos. A gratidão dos americanos por Sergio Moro, soterrando-o com prêmios, é perfeitamente compreensível. Não sei como o próprio Donald Trump ainda não o recebeu na Casa Branca, para lhe entregar também uma medalha. O último prêmio a Moro veio – e isso é tão sugestivo que beira o irônico – da Câmara de Comércio Brasil e EUA.
Alguém já parou para pensar uma coisa? Por que uma instituição em geral tão prudente, conservadora, como uma Câmara de Comércio, daria um prêmio para alguém acusado de crimes tão graves pelo principal partido de oposição no país?
A maioria dos brasileiros é como o personagem do poema America, de Drummond: “vejo as águas que passam e não as compreendo”.
Com toda humildade possível, este blogueiro mais uma vez tenta dar um pouco de sentido à tragédia que se abateu sobre nós, desde que fomos vítimas de um golpe de Estado, em 2016, golpe este que continua a avançar sobre nossas relações de trabalho, nossa produção, nosso futuro.
Vamos aos números.
Depois de algumas décadas suportando monstruosos déficits comerciais no campo do petróleo, os Estados Unidos voltaram a ser, nos últimos anos, os maiores exportadores mundiais do produto refinado. Eles acharam petróleo de xisto no Texas, aumentaram sua produção no golfo do México, começaram a liberar as suas até então intocadas reservas do Alasca, ampliaram as importações de um petróleo cujo preço ajudaram a derrubar, e botaram suas refinarias para funcionar com carga total.
Mas sobretudo limparam o caminho: as guerras do oriente médio serviram para destruir qualquer pretensão, por parte das nações árabes, donas de grandes reservas, de se estabelecerem como fornecedoras também do produto refinado.
Os EUA ainda são muito deficitários em petróleo, mas em intensidade menor que no passado.
Você pode conferir, na tabela abaixo, que o petróleo ainda é o maior peso na balança comercial dos Estados Unidos. Em 2017, os EUA importaram quase 190 bilhões de dólares em petróleo. Como também são grandes exportadores de petróleo, sobretudo de seus derivados, tendo vendido quase 100 bilhões de dólares no mesmo ano, o déficit da conta petróleo em 2017 ficou em 90 bilhões de dólares, o que – apesar do aumento de 16% sobre 2016 – é um nível muitíssimo inferior ao verificado em anos anteriores.
A grande sorte dos Estados Unidos é ter um vizinho como o Brasil, uma nação gigante disposta a fazer qualquer sacrifício para ajudar seu irmão do norte.
Por exemplo, um duro sacrifício que fizemos, para ajudar o império em crise, foi paralisar a produção de derivados de petróleo em nossas refinarias, de maneira a elevar nossas importações dos Estados Unidos.
Até 2014, ano fatídico, não por causa das eleições, mas porque marca, efetivamente, o início das conspirações que levariam a uma mudança drástica de regime, a maioria dos índices econômicos apresentavam bons resultados, e não falo apenas de dados do Banco Central. Refiro-me antes a coisas mais prosaicas, como taxa de desemprego, consumo de derivados de petróleo e volume processado em nossas refinarias.
A partir de 2015, quando a Lava Jato já tinha contaminado todo o setor nacional de petróleo, com suas pseudo investigações (na verdade, um subterfúgio para produzir instabilidade política, recessão econômica e paralisia no setor de óleo e gás), todos índices do setor começam a desabar, com exceção de um: cai o consumo de derivados no país, cai o volume processado em nossas refinarias, mas… explodem as importações!
Como isso é possível?
Como é possível que o consumo de petróleo caia num país e, mesmo assim, as importações do produto comecem a bater recordes históricos?
Ora, é muito simples.
Basta existir uma operação judicial, como a Lava Jato, que imponha, com a cumplicidade da mídia, um verdadeiro bloqueio contra nossas refinarias. Com isso, o país será obrigado a buscar o produto industrializado no exterior. Foi o que aconteceu. Em 2017, o volume de petróleo processado em nossas refinarias atingiu o menor nível em 12 anos, cerca de 640 milhões barris. No mesmo ano, o Brasil registrou a maior importação de derivados de todos os tempos: 205 milhões de barris.
Em 2017, o Brasil importou uma quantidade recorde de petróleo, apesar do consumo do produto ter caído ao menor nível em muitos anos.
Esse desempenho fez com que o petróleo e seus derivados se tornassem, de longe, o principal grupo de produtos estadunidenses exportados para o Brasil, porque os derivados passaram a vir quase que exclusivamente dos EUA.
Somente os gastos com a importação de derivados, que totalizaram 6,15 bilhões de dólares nos últimos 12 meses, corresponderam a 24,5% de todos os produtos americanos exportados para o Brasil no mesmo período.
O principal beneficiário desse movimento suicida do Brasil, de reduzir a sua produção própria de derivados e elevar as importações, foram os Estados Unidos.
O Brasil consolidou sua posição como um dos principais compradores de petróleo refinado dos Estados Unidos, atrás apenas de México e Canadá, países de economia integrada com os EUA, através de acordos como o Nafta.
Dentre os 15 principais compradores de petróleo refinado dos EUA, o Brasil foi o que, de longe, registrou o maior aumento nas importações em 2017, sobre o ano anterior, de 62%.
Segundo a Agência de Informação sobre Energia (EIA), órgão federal americano, o Brasil importou, no acumulado de seis meses de junho a novembro de 2017, um total de 420 mil barris diários, o que representou um aumento de 62% sobre a média de 2016, que já tinha sido recorde, de 260 mil barris diários. Até 2015, o Brasil respondia por cerca de 4% das exportações americanas de derivados. E 2016, essa participação dá um salto para 5,6%, e, em 2017, atinge 8%.
Quando a gente considera apenas para o setor de diesel, o Brasil fica em segundo lugar, quase empatando com o Mexico. Em 2017, ainda segundo o EIA, o Brasil importou uma média diária de 237 mil barris de diesel americano, o que representou crescimento de 94% sobre o ano anterior, e uma participação de 16,3% sobre todo diesel exportado pelos EUA no mesmo período.
Como fazer uma cidade? Com que elementos tecê-la? Quantos fogos terá?, perguntava Drummond às suas musas. Ele mesmo responde, no verso seguinte: o ouro as forma e dissolve.
Segundo dados oficiais do governo americano, e considerando todos os produtos (não só petróleo), os EUA exportaram 37 bilhões de dólares para o Brasil em 2017. O aumento de 23% sobre o ano anterior representou o maior crescimento verificado nas vendas para qualquer outro país. Ou seja, no mesmo ano em que experimentamos a pior crise econômica de sua história, os exportadores americanos, assim como os nossos indefectíveis bancos privados, nunca ganharam tanto dinheiro com o Brasil.
Agora me digam: Sergio Moro merece ou não um prêmio da Câmara de Comércio Brasil x EUA?
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