domingo, 25 de março de 2018

Noblat e sua bola de cristal cheia de efeitos especiais, por Fábio de Oliveira Ribeiro


Noblat e sua bola de cristal cheia de efeitos especiais

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Após o STF restabelecer liminarmente de maneira precária a validade e eficácia do princípio constitucional e do dispositivo do CPP que impedem a prisão do réu antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, um oráculo conservador escreveu a seguinte bobagem no Twitter:
Essa gente está provocando os malucos. Eles existem por toda parte e costumam dar tiros quando em sua maluquice não enxergam mais saída. Ou simplesmente não entendem o que se passa. Tomara que jamais o façam por aqui – mas quem garante? 
Noblat se comportou como se fosse capaz de prever o futuro. Mas ao fazer isso a única coisa que ele conseguiu foi demonstrar sua profunda ignorância.

A primeira coisa que um estudante de História aprende é que a inevitabilidade dos fatos passados não existe. Ela é uma ilusão que ocorre quando vemos as coisas em retrospecto desprezando a influência do acaso em qualquer série complexa de eventos incertos enquanto o presente está se consolidando de uma maneira (e não de qualquer uma das outras maneiras que eram igualmente possíveis).
“Os historiadores, cuja profissão consiste em estudar o passado, desconfiam tanto quanto os cientistas da idéia que é possível prever a maneira como decorrerão as coisas. De fato, no estudo da história, a ilusão da inevitabilidade, por ter consequencias tão sérias, é um dos poucos pontos sobre os quais os pesquisadores conservadores e socialistas concordam. O historiador socialista Richard Henry Tawney, por exemplo, afirma que ‘os historiadores geram uma aparência de inevitabilidade… trazendo para o primeiro plano as forças que triunfaram e jogando para o segundo plano as que foram engolidas pelas primeiras”. E a historiadora Roberta Wohlstetter, que recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade de Ronald Reagan, afirmou: ‘Depois do evento, naturalmente, um sinal se torna perfeitamente claro; conseguimos ver que desastre ele sinalizava… Mas antes do evento, ele é obscuro e repleto de significados conflitantes.’” (O andar do bêbado, Leonard Mlodinow, Zahar, Rio de Janeiro, 2009, p. 259)
No mesmo erro incorrem os intelectuais que tentam fazer previsões como a que foi feita por Noblat. Como disse Hannah Arendt:
"A falha lógica nessas construções hipotéticas dos eventos futuros é sempre a mesma: aquilo que antes aparece como uma simples hipótese - com ou sem as suas consequentes alternativas, conforme o grau de sofisticação - torna-se imediatamente, em geral após alguns poucos parágrafos, um 'fato', o qual, então, origina toda uma corrente de não-fatos similares, daí resultando que o caráter puramente especulativo de toda empreitada é esquecido. Não é preciso dizer que isso não é ciência, mas pseudociência, 'a desesperada tentativa das ciências sociais e comportamentais', nas palavras de Noam Chomsky, 'de imitar as características superficiais das ciências que realmente têm um conteúdo intelectual significativo. E a mais óbvia e 'mais profunda objeção a esse tipo de teoria estratégica não é sua utilidade limitada, mas o seu perigo, pois ela pode nos levar a acreditar que temos um entendimento a respeito desses eventos e um controle sobre seu fluxo, o que não temos', como indicou recentemente Richard N. Goodwin em um artigo de revista que tinha a rara virtude de detectar o característico 'humor inconsciente' de muitas dessas pomposas teorias pseudocientíficas." (Sobre a violência, Hannah Arendt, Civilização Brasileira, São Paulo, 2009)
Mas suponhamos que Noblat tem razão. A primeira coisa que devemos perguntar nesse caso é se ele conhece alguém que demonstrou a intenção de praticar violência contra Lula ou contra os Ministros do STF que concederam a liminar que ele referiu.
O jornalista tem direito de manter o sigilo de sua fonte, mas ele não tem o direito de acobertar um crime. Se tem conhecimento de algo, ao invés de espalhar medo, Noblat deveria alertar as autoridades, fornecendo a elas os nomes das pessoas que costumam dar tiros quando não enxergam mais saída. Caso contrário, ele mesmo se tornará suspeito de ter acobertado a ação os criminosos ao não tentar impedi-los de agir.
A segunda coisa que devemos considerar caso Noblat tenha razão é a possibilidade de reação da população e/ou das autoridades à um atentado contra Lula ou contra o STF. O assassinato de Marielle Franco, que ganhou uma dimensão nacional e internacional, demonstra claramente que matar Lula seria a coisa mais idiota que alguém poderia fazer nesse momento. Vivo ele será eleito presidente ou ajudará a eleger um presidente. Morto, a força do ideal que Lula representa (um país desenvolvimentista, politicamente independente e comprometido até a medula com programas de inclusão social) irá se multiplicar ao infinito.
Há alguns anos o assassinato da juíza Patrícia Acioli foi solucionado em 30 dias. Identificados e localizados, os assassinos foram presos, processados, julgados e condenados na forma da Lei. Não me parece que ocorrerá algo diferente se a vítima for um Ministro do STF só porque ele concedeu uma liminar juridicamente plausível a Lula. O temor da repressão judiciária (e das condições dos presídios brasileiros) é suficiente inibir qualquer ato extremo como o que foi sugerido por Noblat.
Resta apenas uma pergunta. Porque Noblat disse aquilo e não algo diferente? Essa pergunta somente ele pode responder. De qualquer maneira não creio que a resposta dele será relevante. Jornalistas que tentam intimidar um Tribunal ou ameaçar um adversário político fariam mais pelo jornalismo se decidissem mudar de profissão.

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