Ruy Irigaray e seu candidato
Esta reportagem faz parte da séria sobre a Caravana de Lula no Sul, financiada pelos leitores através de crowdfunding. As demais estão aqui
POR VINÍCIUS SEGALLA
A Caravana Lula pelo Brasil, em sua atual passagem pela região Sul, tem sido marcada pelas características que a acompanham por todo país: a aproximação aso pinto do contato físico intenso de Lula com apoiadores, o franco diálogo e troca de carinho entre o ex-presidente e aqueles que vão a praças, auditórios, universidades e parques para ouvi-lo, tocá-lo, tirar foto, abraçar, beijar.
Em cada município por que passa Lula, a cena se repete.
Um fato novo, porém, surgiu no Rio Grande do Sul, no município de Bagé, na fronteira com o Uruguai: ação orquestrada e violenta de grupos milicianos de extrema-direita, organizados em torno de sindicatos e associações ruralistas e do MBL, grupelho de jovens de direita que lança mão da proliferação de notícias falsas, perseguição em redes sociais e na vida real e campanha difamatórias como forma de fazer política.
Por onde passa, Lula arrasta milhares de pessoas que o adoram e centenas – às vezes dezenas – de eleitores de Jair Bolsonaro que decidiram não medir esforços para impedir o direito de ir e vir, de expressão e de reunião daqueles que discordam de seu ponto de vista.
O resultado foram as cenas tristes que se viram nos últimos dias, que chegaram ao cúmulo de uma pessoa chicoteando outra pessoa. Conheça, abaixo, quem são as pessoas e instituições que estão organizando os ataques.
Roberto Borba Moglia, presidente do Sindicato Rural de Bagé
O presidente da Associação e Sindicato Rural de Bagé tomou a frente das manifestações anti-Lula em seu município desde semanas antes da chegada do ex-presidente por lá.
Emprestou a sede para servir de ponto de encontro e organização dos manifestantes contrários a Lula: todos proprietários rurais identificados com a candidatura a presidente de Jair Bolsonaro. Deu entrevistas a rádios e jornais do município e região antes, durante e depois da passagem da caravana pela cidade, conclamando a todos para participar dos protestos que organizava.
Sua entidade pagou outdoors que foram colocados em pontos-chave do município, contendo ofensas ao ex-presidente. Em nenhum momento se preocupou em esconder o fato de que estava organizando os atos contra Lula, utilizando, para tanto, a estrutura da associação patronal que preside.
De resto, sua atuação política não teve início hoje ou ontem. Sua página no facebook é recheada de posts com ofensas a políticos e partidos de esquerda, divulgação de notícias falsas e postagens em defesa do uso de agrotóxicos no cultivo alimentar.
Em agosto e setembro do ano passado, liderou uma campanha em apoio ao ex-sargento da Brigada Militar Alexandre Curto, como mostra a foto acima. Afirmou em entrevistas e em sua rede social que prestava “incondicional apoio ao militar e sua família”.
E qual era a questão com Alexandre Curto? Ele foi condenado, em setembro do ano passado, a 12 anos de prisão em regime fechado por homicídio doloso (com a intenção de matar). É que, no ano de 2009, ele atirou, atingiu pelas costas e matou o militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Elton Brum da Silva, durante desocupação de terra no município gaúcho de São Gabriel.
Sobre o caso, em setembro de 2017, em palestra a centenas de produtores rurais, Moglia afirmou: “Não queremos entrar no mérito da questão, se o que ele fez foi intencional ou não, mas a pergunta que fazemos é que justiça é essa, que tira de um homem com exemplar atuação frente a Brigada Militar, com 20 anos de dedicação, o direito de liberdade, pelo simples fato de estar fazendo seu trabalho, recebendo, como bem sabemos, muito pouco para isso? Essa é segurança e a justiça que queremos?”
Gedeão Silveira Ferreira, presidente da Farsul
Ex-presidente do Sindicato Rural de Bagé (1992-98) e à frente da Farsul (Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul) desde o início deste ano. Antes e durante a passagem de Lula pelo estado, reuniu-se com outros líderes rurais para organizar os protestos contra o petista. Assinou, no dia 21 deste mês, em nome da Farsul, uma nota de repúdio ao ex-presidente.
Muitos antes de sua atuação política nos últimos dias, Gedeão ganhou notoriedade nos anos 1990 como um dos grandes defensores dos ruralistas gaúchos nos embates com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Na época, defendia abertamente a formação de milícias entre os produtores rurais, tanto para evitar invasões de terra como para combater o abigeato (roubo de gado).
Orgulha-se de ter descumprido ordens judiciais e impedido técnicos do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) de entrar em propriedades rurais para realizar medições de produtividade: “Implementamos uma filosofia que vigora até hoje, que chamamos de Novo ruralismo, e enfrentamos fortemente MST (Movimento Sem Terra) e Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) contra as invasões de terra e as vistorias que visavam a tirar as propriedades do produtor rural”.
Em 2002, foi condenado por incitação ao crime e desobediência à Justiça pelo programa que criou, chamado “Vistoria 0”, que consistia em montar barreiras para impedir que técnicos do Incra, munidos de ordem judicial, entrassem nas fazendas do estado para realizar seu trabalho. No ano seguinte, foi absolvido em segunda instância pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), o mesmo que condenou Lula a prisão pela suposta propriedade de um apartamento de que nunca teve as chaves ou a escritura.
Na exótica decisão, o tribunal admitiu que Gedeão havia cometido crime: “Premidos por todos os setores, de repente os fazendeiros se viram acuados por nova investida: os técnicos do governo, sempre pressionado pelo MST, decidiram avaliar terras para desapropriação utilizando-se de índices para medir a produtividade das mesmas reputados absolutamente falsos. Nessa dimensão é que armou-se o movimento de reação, fazendo-se barreiras para impedir o controle dos técnicos do INCRA, forçando-se com isso uma discussão política a respeito dos medidores de produtividade das áreas rurais. E, para garantir o sucesso desse propósito, os pecuaristas inclusive ignoraram ordens judiciais.”
Apesar disso, decidiram por absolver o ruralista: “A atividade delituosa não foi culpável, porque inexigível uma conduta adequada à norma. Se tivesse havido derramamento de sangue aí, então, a conclusão poderia ser diversa. No nível em que praticada permite entender que se manteve na esfera política de negociação, sem adentrar no universo da reprovação da norma penal. O comportamento não deixou de ser típico e ilícito, mas não foi culpável porque, nas circunstâncias especiais, não era exigível conduta adequada.” A íntegra da decisão está aqui.
Rodinei Candeia, procurador do estado do Rio Grande do Sul
O servidor gaúcho ganhou maior fama entre os eleitores de Jair Bolsonaro nos últimos dias, após publicar um vídeo que se espalhou pelas redes sociais da direita gaúcha em que conclama, diretamente de uma praça no centro de Passo Fundo (RS), a população a tentar impedir a passagem de Lula pelos municípios do estado.
Diz ainda que a caravana de Lula é provocativa, que o ex-presidente trouxe ao Brasil o que existe de pior no mundo, que as universidades e institutos federais abertos no estado durante o governo lula servem para propagar o socialismo no país e que Lula é um mentiroso que deveria ficar quieto em casa.
Suas teses e posicionamentos heterodoxos são conhecidos. O procurador mantém um site na internet para expor ao mundo seu pensamento vivo. Entre os artigos que lá estão constam alguns cujos títulos são os que seguem: “Novas evidências do PT na Igreja”; “Eu vou implantar o comunismo no Brasil, diz Lula”; “A Igreja Católica e o Comunismo Chinês”.
O procurador também posta mensagens de apoio à candidatura do deputado federal Luís Carlos Heinze (PP/RS) ao governo gaúcho. O parlamentar, durante discurso proferido em 2014, afirmou que o governo Dilma era cheio de “gays, lésbicas e essa porcariada toda”.
Ruy Irigaray, criador do Grupo Armas S.A.
Na cidade de São Miguel das Missões (RS), foi o empresário e ativista Ruy Irigaray quem comandou as manifestações das dezenas de pessoas que, dirigindo seus tratores e máquinas agrícolas, agrediram apoiadores de Lula e gritaram em favor de Jair Bolsonaro.
Irigaray é o criador do Grupo Armas S.A., que luta para derrubar o Estatuto do Desarmamento e pelo livre comércio de armas no Brasil. Sua entidade patrocina eventos e outdoors pró-Bolsonaro como este que pode ser visto acima. Os outdoors chamando Lula de ladrão que foram colocados em alguns municípios gaúchos também foram financiados em parte por sua entidade pró-armas.
MBL e Paula Cassol, pré-candidata a deputada federal
O Movimento Brasil Livre é velho conhecido divulgador de fake news e mensagens e campanhas de ódio pelo internet e pelo país. A entidade e seus membros já foram objeto de inúmeras reportagens de diferentes veículos de comunicação, que mostram como agem propagando notícias falsas contra partidos e políticos de esquerda, como recebem verbas de partidos de direita e como mantém sob espessa cortina de fumaça as contas e os doadores do movimento.
Além da campanha intensa nas páginas da internet para que as pessoas fossem aos locais por onde passava a caravana, para impedir seu deslocamento, o MBL destacou a pré-candidata da deputada federal Paula Cassol (PP-RS) para perseguir a caravana realizando transmissões ao vivo.
No vídeo abaixo, é possível ver a militante e pré-candidata informando que irá perseguir a caravana por onde ela passar, conclamando as pessoas a fazerem o mesmo, mostrando pessoas portando ovos para atirar na caravana e, finalmente, correndo das bombas que a polícia atirou na tentativa de desobstruir a estrada. A militante, porém, afirma que as bombas de efeito moral não estão sendo atiradas pela polícia, mas sim por militantes petistas.
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