Temer e a direção da empresa insistem em um projeto de lei que, se implementado, entregará patrimônio público estratégico a preço de banana, resultará em anos de litígio, paralisará investimentos, aumentará os preços da energia, além de ampliar o risco de racionamento
É notório que a sustentação econômica do governo Temer/Meirelles depende do empenho para entregar projetos que satisfaçam o “mercado” especulativo e rentista. Só assim eles mantêm o apoio do grande capital nacional e internacional e da imprensa oligopolizada e decadente. Além disso, projetos privatizantes em anos eleitorais também atraem financiadores de campanha sedentos de oportunidades lucrativas.
A privatização da Eletrobras está nesse rol de demandas dos grandes grupos econômicos. Para alcançar esse objetivo, o governo lança mão do autoritarismo, desrespeito às leis e instituições. O Ministério de Minas e Energia, o Ministério da Fazenda e a alta direção da Eletrobras insistem em um projeto de lei falido que, se implementado, promoverá a entrega de um patrimônio público estratégico a preço de banana, irá resultar em anos de litígio na justiça, paralisará os investimentos no setor elétrico, causará aumento dos preços da energia elétrica, além de ampliar o risco de racionamento.
A incompetência para pensar um modelo eficiente para o setor elétrico e o descompromisso com o patrimônio público brasileiro ficarão claros ao longo desse texto, que pretende mostrar que: 1. O Governo Temer está propositalmente trabalhando para vender a Eletrobras por um preço muito inferior ao seu real valor; 2. Existem grandes riscos no atrapalhado projeto de lei da venda da Eletrobras; 3. A privatização da Eletrobras não contribui para uma redução sustentável do déficit primário e 4. Servirá para enriquecer ainda mais os fundos nacionais e estrangeiros que já detém parcela significativa da empresa.
1.A venda a preço de banana
O Governo Temer tem pouco tempo. Uma forma de agradar ao mercado e ao mesmo tempo acelerar a venda da Eletrobras é colocando-a a venda por um preço ridicularmente baixo, e essa é a estratégia do governo. O PL do governo propõe que a privatização da Eletrobras deve ocorrer simultaneamente a descotização (revogação da lei 12.783). Uma forma, ainda que tosca, de disfarçar essa subprecificação é ignorar os efeitos da descotização sobre as receitas da empresa. A Eletrobras está com um lucro de R$ 2,2 bi acumulados nos nove meses de 2017. A descotização representaria um aumento de receitas de R$ 12 bi que, com certeza, teria um grande efeito positivo sobre os lucros da empresa e que o governo propositalmente ignora. Outra medida adotada para desvalorizar a empresa foi a assunção de R$ 20 bilhões em dívidas no processo de privatização das distribuidoras, medida que as entidades sindicais estão questionando na Justiça.
2.Riscos e pontas soltas no Projeto de Lei
Se pretendiam vender a Eletrobras, seus gestores não fizeram o dever de casa. Os problemas não resolvidos são tantos que podemos inclusive considerar a insegurança jurídica do processo como mais um elemento a rebaixar o preço de venda. Conforme noticiado por boletim do FNU/CNE, os contratos de dívida da Eletrobras possuem cláusulas que permitem a cobrança antecipada do valor no caso de mudança do controlador. Assim, a privatização acarretará em um grande litígio entre credores e acionistas que paralisará a empresa por um longo tempo, em uma situação muito mais complicada que a da empresa Oi.
Há risco de litígio também relativo aos processos contra a Eletrobras referentes ao empréstimo compulsório, que representa hoje um passivo de R$ 15 bi para empresa e uma despesa financeira anual bilionária. Os fundos abutres estão de olho nessas oportunidades. A Eletrobras inclusive já recebeu carta de um grande investidor (AAE Management LLC) ameaçando acionar a justiça americana em caso de privatização[i].
Segundo reportagem publicada pelo site UOL, esse fundo chegou a ter reuniões privadas com o Ministro do MME Fernando Filho, em 9/11/17 e com o CEO da Eletrobras Wilson Ferreira, em 7/11/17. Pra completar, pode parecer sem sentido, mas o projeto de privatização prevê a criação de uma nova estatal, com as mesmas funções da Eletrobras Holding, mas que teria como subsidiárias apenas Itaipu e Eletronuclear, o que por si só pode se tornar um problema político e legal. Por força das leis americanas, essa nova empresa precisaria ficar pelo menos dois anos listada na bolsa de NY. Esse desmembramento da holding causaria ainda problemas relacionados as garantias cruzadas de empréstimos envolvendo os investimentos da Eletrobras e garantias de Itaipu, empresa que estaria excluída da privatização.
3.A falácia de que a venda irá ajudar a reduzir o déficit primário
Ao contrário do que afirma o atual governo, a Eletrobras é uma empresa que contribui positivamente para o resultado primário do governo. Prova disso é que nos últimos 10 anos, incluindo nesse cálculo os raros anos de prejuízo, a Eletrobras pagou para União, direta e indiretamente[ii], cerca de R$ 13 bilhões. Ou seja, no agregado a Eletrobras contribuiu positivamente para o resultado primário do Governo Federal, tendo, em vários momentos, pago muito mais do que os 25% de dividendos mínimos determinados por Lei[iii]. Esses dados são suficientes para demonstrar que, a médio e longo prazo, a privatização é ruim para o resultado fiscal. Em curto prazo, por outro lado, a arrecadação se mostra pouco relevante perto da previsão de déficit nominal e primário de R$ 450 bilhões e R$ 157 bilhões, respectivamente.
4.A falácia da democratização do capital
Uma simples leitura da Ata de uma Assembleia Geral Ordinária da Eletrobras traz informações que jogam por terra o eufemismo da democratização do capital. Na Ata estão listados os fundos que possuem o mesmo representante na AGO[iv], como a 3G Radar (de Jorge Paulo Lemann), Opportunity (das privatizações dos anos 1990, por meio de Daniel Dantas), Squadra (que detém participações representativas na Equatorial), dentre outros.
Há outro representante na AGO integrando fundos estrangeiros de investimento (Black Rock, Goldman Sachs, BNP Paribas, JP Morgan), fundos de previdência estrangeiros (British Airways Pension Trustees Ltd, Boeing Company, California Public Employees Retirement System, Oregon Public Employees Retirement System, Public Employees Retirement System of Idaho, Public Employees Retirement System of Mississippi), fundos soberanos (Government of Singapore, Norges Bank) e outros.
Paradoxalmente, com a privatização da Eletrobras, a geração de riqueza estaria ainda mais voltada para a sustentação da aposentadoria de cidadãos europeus e norte-americanos ao invés de gerar renda e emprego para os brasileiros.
Fato é que Temer, Pedrosa (denunciado em escândalo internacional no qual teria atuado contra os interesses do Brasil) e Wilson Pinto Jr. elaboraram um plano de privatização ruim e inexequível! Não é a toa que para sua execução eles têm recorrentemente adotado medidas antidemocráticas e autoritárias. O projeto é tão ruim que é possível encontrar especialistas do setor contra na direita (por exemplo J. L. Alqueres), no centro (Instituto Ilumina) e na esquerda (Pinguelli e Ildo Sauer). Apesar disso, o projeto de Lei vem ganhando força por estar ancorado no atendimento a grandes interessesparticulares e negociatas[v].
Caso o plano de privatização venha a ser implementado, certamente acarretará muitos problemas para a população e para seus acionistas, problemas esses que vão muito além do aumento do preço da energia elétrica.
Notas
[i] http://eletrobras.com/pt/Lists/noticias/ExibeNoticias.aspx?ID=751
[ii] Inclui dividendos pagos ao BNDES, FND e outros órgãos do governo.
[iii] Lei 6.404/1976
[iv] Disponível em www.eletrobras.com
[v] Segundo denúncia publicada pela Carta Capital (https://www.cartacapital.com.br/politica/o-cheiro-de-negociata-na-privatizacao-da-eletrobras).
Crédito da foto da página inicial: EBC (Hidrelétrica Tucuruí, no Pará, que integra o parque gerador da Eletrobras)
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