sábado, 7 de abril de 2018

Desmoralização do Judiciário explica esforço contra prisão de Lula


PAULO MOREIRA LEITE

Apenas num país onde a credibilidade do Judiciário atingiu um nível impensável em qualquer nação civilizada exibe a cena que os brasileiros assistiram nesta tarde de sábado, quando algumas centenas de manifestantes tentaram impedir que Lula se apresentasse a Polícia Federal.

Enquanto Lula fazia o possível para cumprir uma pena de 12 anos e um mês, algumas centenas de manifestantes decidiram barrar seu caminho e impedir que ele fosse conduzido à prisão.

Se a experiência humana ensina que a maioria dos condenados passa a existência fazendo planos para escapar da prisão, a situação de Lula erra inversa:tentava cumprir a sentença que a Justiça lhe deu e não conseguia.

A hesitação da Polícia Federal, a mesma que agiu com truculência inesquecível quando cumpriu a ordem de "coerção coercitiva", se explica por um cálculo político óbvio: acender uma faísca que poderia produzir uma labareda. Afinal, o prestígio da Lava Jato já viveu momentos melhores, vamos combinar. Lula não é qualquer prisioneiro. 

O surrealismo dessa situação não é difícil de entender.

Embora Lula tenha todo direito de tomar uma decisão que envolve seu destino como indivíduo, uma parcela considerável de aliados e militantes de longo curso a seu lado enxerga -se como parte daquilo que o próprio presidente costuma chamar de "ideia Lula". Essa situação ficou clara na missa e no discurso de Lula na manhã de sábado.

Enquanto ele próprio, além de dom Angélico Sândalo Bernardino e demais lideranças religiosas fizeram pronunciamentos em tom favorável a apresentação de Lula, a massa reunida em frente ao carro de som berrava palavras-de-ordem como "Resistência" e "Não se entrega".

Mesmo no palanque, onde se reuniam convidados escolhidos por Lula, era possível fazer a leitura labial de bocas que diziam "Não se entrega, não se entrega".

Pode-se dizer que aquelas milhares de pessoas presentes não expressam a voz de todos brasileiros. Não é preciso. Enquanto Lula é o líder de todas as pesquisas presidenciais, levantamentos de caráter qualitativo, que apuram a sensibilidade menos aparente do eleitorado, retratam um ambiente de perseguição

Estamos falando de pessoas que sustentaram Lula nos momentos de glória e nas derrotas. Participaram das grandes vitórias, comemorou seus sucessos. Após o golpe que derrubou Dilma, quando o laço da Lava Jato se tornou cada vez mais sufocante e cruel, foram eles e elas que engrossaram atos públicos que ameaçavam fracassar e passeatas que seriam desfiles de ninguém.

A decisão de se entregar se baseia na convicção de que era preciso evitar o pior. Não há o que discutir. Sim, o arsenal de crueldades da Lava Jato, que o Supremo Tribunal Federal acompanha de camarote, permite mais do que uma condenação sem prova. Autoriza Sérgio Moro a decretar uma "prisão preventiva," inferno penal contra o qual os recursos são complicadíssimos, já que sua base é altamente subjetiva. Não possui prazo de duração determinado em lei, devendo atender aos princípios da proporcionalidade e necessidade -- uma das exigências vagas, que acabam sendo resolvidos pelos valores e interpretações de um juiz. O sistema carcerário brasileiro guarda milhares de casos de presos provisórios encarcerados por anos e anos -- e nada. 

A questão é aceitar a ideia de que Lula fez uma escolha acertada ao se apresentar à Justiça que indiscutivelmente lhe dá um tratamento persecutório.

Recapitulando mais uma vez. O Judiciário não respeitou seus direitos elementares na confecção de uma acusação. Formulou uma sentença leviana, revista de modo bisonho na segunda instância. Como se viu no 6 a 5 contra o habeas corpus, nem mesmo num debate constitucional claríssimo como um copo de água filtrada foi capaz de comover o STF.

Advertência para o futuro. Como se aprendeu recentemente, vivemos num país onde um ministro do Supremo, Luiz Roberto Barroso, questiona a concessão de indultos como prerrogativa presidencial -- como diz a Constituição -- e nada acontece. 

Este é o universo de dúvidas e receios justificados que explicam as tensões do dia. Colocado contra a parede, desrespeitado em seus direitos, Lula fez escolha uma coerente com sua história pessoal e sua visão de mundo. Não quer que a população tenha uma sombra de dúvida sobre sua honestidade e por essa razão sempre rejeitou sugestões que poderiam lhe garantir mais conforto e liberdade pessoal, como pedir asilo na embaixada de um país amigo.

Também faz questão -- mesmo em condições especialmente difíceis -- de defender seu lugar na campanha presidencial. Continua candidato do PT. 

Enquanto o cortejo de SUVs negras percorria as ruas de São Bernardo para São Paulo, sinalizando uma mudança que torna o país mais próximo da banalidade do mal permitida pela barbárie do Judiciário, só resta torcer para que a escolha de Lula traga os resultados esperados. 

Em qualquer caso, cabe preparar a mente para novas lutas e mobilizações que serão indispensáveis para proteger seus direitos numa situação ainda mais difícil, de quem perdeu a liberdade, o maior deles após a vida.

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