quinta-feira, 12 de abril de 2018

Fernando Henrique Cardoso e a inveja que a elite tem de Lula. Por Joaquim de Carvalho

Por Joaquim de Carvalho
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Fernando Henrique e seu povo, a base parlamentar na CâmaraLula e seu povo. Foto de Francisco Proner

A entrevista de Fernando Henrique Cardoso à rádio CBN reflete um sentimento que não é só dele, mas da elite brasileira: a inveja de Lula.

Não há outra explicação para a declaração que deu à emissora sobre a prisão de Lula: para ele, o cárcere é justo, embora “triste”.

Fernando Henrique entregou o governo a Lula com 26% de brasileiros considerando desemprenho dele (FHC) ótimo ou bom.
Lula, ao terminar o mandato, tinha 87% de brasileiros avaliando desempenho dele (Lula) ótimo ou bom.

Bastariam esses números para imaginar o quanto Fernando Henrique deve sofrer com a comparação com seu sucessor.

Miriam Dutra, com quem ele teve um longo relacionamento extra conjugal, diz que FHC é tão vaidoso que ele só vê defeitos nos demais políticos.

“Para ele, todos outros são mequetrefes, só ele é bom”, disse-me Miriam Dutra na entrevistas que fiz em 2016, em Barcelona.

Alguém imaginaria brasileiros se mobilizando para incluir no nome público Cardoso para defender o ex-presidente tucano?

Nunca foi o povo quem defendeu Fernando Henrique Cardoso, ao contrário do que acontece com Lula, mas as instituições do Estado, que ele aparelhou sem pudor.

Em oito anos de mandato, teve um único procurador da república, Geraldo Brindeiro, que ele reconduziu sucessivamente, independentemente da vontade dos membros do Ministério Público Federal.

Foram os anos do “engavetador-geral” da república. No Supremo, nomeou quem lhe deu apoio. No Congresso, seguiu a receita do toma-lá-dá-cá. Michel Temer, por exemplo, prosperou sob suas asas

Ponto a ponto, o que disse FHC à CBN e evidências de que a hipocrisia continua sendo sua marca:

“Eu entendo que a Justiça se cumpriu. Eu não discuto decisões da Justiça. Eu imagino que tenham passado em revista todos os fatos, etc.”

Moro baseou sua condenação no depoimento do ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro, réu na mesma ação. Ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, o desmentiu, em uma carta entregue à Justiça.

“Não é verdade o que declarou o Léo Pinheiro em depoimento e delação premiada, que as doações feitas pela empresa OAS ao PT estariam ligadas a supostos pagamentos de propinas relacionadas ao contrato desta empresa com a Petrobras. Nunca tive qualquer tratativa ou conversa com Léo Pinheiro para tratar de questões ilegais envolvendo o recebimento de propina”, diz a carta.

Prossegue o texto: “Também não é verdade o que diz Léo Pinheiro, que eu teria intermediado, em nome do ex-presidente Lula, o recebimento do tríplex do Guarujá como pagamento de vantagens indevidas”.

Na Justiça, a palavra de um co-réu deve ser tomada com reserva, já que ele pode mentir e tem interesse em acomodar versões, para reduzir sua pena — como de fato ocorreu. Na jurisdição de Moro, foi decisiva, assim como reportagens do jornal O Globo.

Não está preso só o Lula, tem muita gente presa, de vários partidos.

Não há um único político de expressão do PSDB preso. Há um operador do partido, Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, que foi preso na semana passada, mas ele nunca ocupou posto de relevância na estrutura do PSDB.

É uma espécie de modificação das formas tradicionais de conduta errada, que era corrupção, para transformação corrupção em base de sustentação de partido e do poder. Isso é inaceitável.

Emílio Odebrecht, em sua delação premiada, disse que Fernando Henrique Cardoso lhe pediu dinheiro para campanha:

“Ajuda de campanha eu sempre dei a todos eles. E a ele também dei. E com certeza teve a ajuda de caixa oficial e não oficial. Se ele soube ou não, eu não sei. Tanto que eu também não sabia. Que eu dava e dizia que era para atender mesmo. Então vai fulano de tal lhe procurar, como eu dizia também para Marcelo, e eles então operacionalizavam. Ele me pediu. Todos eles. ‘Emílio, você pode me ajudar no programa da campanha?’. Isso ele pediu”, disse Emílio Odebrecht.

Não posso considerar (Lula um preso político), porque a Justiça no Brasil é livre. Todos os trâmites foram cumpridos.

Esta é a natureza do processo de encarceramento político: os trâmites são cumpridos, como o era também na ditadura militar. A questão é que, não importa o que se diga, a condenação já estava (e está) decidida. Nesse processo, pesa demais a campanha que faz a grande imprensa — ou a velha mídia.

Eu não acho (que a Lava Jato seja seletiva). Quem estava no poder central não era o PSDB e o foco da Lava Jato foi para os casos que ocorreram nas instituições do poder central e nas instituições do poder central.

Em acordo de delação premiada, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró relatou à força-tarefa da Lava Jato que tinha conhecimento da existência de esquemas irregulares na Petrobras durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Dentre eles, estava a contratação pela Petrobras de uma empresa ligada ao filho do tucano, Paulo Henrique Cardoso. Segundo Cerveró, houve pagamento de propina. Essa informação nunca foi investigada pela Lava Jato.

Fernando Henrique Cardoso não respondeu objetivamente à pergunta sobre se é a favor ou contra a prisão a partir de condenação em segunda instância, disse apenas que ela serve para combater a impunidade e que, antes de 2009, as prisões a partir de segunda instância já eram praticadas.

A resposta é um primor da enrolação. É a Constituição que prevê a prisão apenas a partir de esgotados todos os recursos. A prisão a partir da condenação em segunda instância era permitida, mas não obrigatória. O que aconteceu, a partir de 2016, no auge da Lava Jato, é que se transformou a prisão depois da decisão de segunda instância, na prática, trânsito em julgado.

Acho que (Lula não tem razão quando acusa a mídia de influir nas decisões de Judiciário). A mídia reflete o que aconteceu.

Em seu livro de memórias, os Diários da Presidência, Fernando Henrique Cardoso desce a lenha nos veículos de comunicação sobre a cobertura com capacidade de influir nas decisões judiciais. Mas ele admite que, conversando com os donos das empresas de comunicação, seus interlocutores frequentes, conseguiu apoio para segurar a ofensiva da imprensa (ele não chama segurar, ele diz que conseguiu transformar a cobertura da imprensa em algo mais equilibrado — favorável a ele, claro). Importante, nesse sentido, lembrar que, no dia da privatização da Telebras, 29 de julho de 1998, foi também o dia de nascimento da filha da Xuxa. O Jornal Nacional destinou pouco mais de 1 minuto e meio para tratar do leilão, e mais de 11 minutos para mostrar que Sasha tinha vindo ao mundo. Os leilões da Petrobras foram marcados por denúncias de corrupção e de favorecimento a grandes grupos empresariais. Mas, na época, o foco da grande imprensa era outro.

Por razões eleitorais, se transforma o outro não no adversário, mas no inimigo — o PT fez mais do que o PSDB. É verdade? Não. Eu sempre tive outra ideia. Em conjunto, e com outros partidos, lutar para limitar o atraso, o clientelismo, o patrimonialismo, o corporativismo e tudo isso.

Fernando Henrique Cardoso articulou a união entre o PSDB e o PFL (atual DEM) para disputar as eleições de 1994 e derrotar Lula. Será que tem um partido que represente mais “o atraso, o clientelismo, o patrimonialismo e o corporativismo” do que o o partido à época comandado por Antônio Carlos Magalhães, Jorge Bornhausen, Inocêncio Oliveira e Ronaldo Caiado do que o DEM?

Foi o tucano Serra quem, a partir de 2010, tentou colar no PT numa espécie de marca da besta, com uma campanha em que forçou o debate sobre aborto, questões LGBT e outras caras à comunidade evangélica mais atuante. Quem fez do outro inimigo e não adversário político?

O Michel Temer fez mais transformações do que imaginei que ele poderia fazer. Mas ele nunca teve popularidade. (…) Foi presidente do PMDB, que também está acusado. Então é muito difícil que, por mais que tecnicamente acerte, que aumente a sua popularidade. Eu creio que ele, como qualquer um de nós, estará preocupado com seu legado. Mas eu diria o seguinte: o legado é a história quem faz, não adianta dizer: eu fiz isso, eu fiz aquilo, porque a história vai repensar tudo e até mudar de opinião com o correr do tempo.

Surpreendente que FHC pareça elogiar Temer, cujo problema, a rigor, não deveria ser o de pensar no legado. Mas tentar evitar a prisão a partir de sua saída do governo. Temer foi denunciado duas vezes por crime, mas conseguiu evitar o processo graças ao apoio da Câmara (a que preço?). Estranho que, nesse caso, FHC não faça o discurso de combate à corrupção.

Joaquim de Carvalho
Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com

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