Imagem aérea mostrada pela Globo
Diante do fenômeno vivido pelo país entre os dias 5 e 7, as análises, comentários e palpites que se destacaram tiveram foco no conteúdo político, nos ódios e intolerâncias e na construção da desgraça pessoal da pessoa-personagem.
Um enfoque linguístico-tecnológico pode revelar melhor a medida e o tamanho do que se pretendeu e do que se conseguiu impactar sobre a aparelhagem sensorial dos ouvintes, leitores e expectadores.
A hipótese é que o melhor modo de medir o tamanho da armação tecnológica e das linguagens da grande mídia brasileira consiste em acompanhá-la em coberturas mais longas, além dos atos de copiar-colar, da edição dirigida de material e da submissão às grandes agências intermediárias de informação. O que parece configurar-se é a mediocridade, seja intelectual, seja de organização ou entrega de resultados.
A rigor, nessas situações não há cobertura, como não houve nesses dias. Bastou que o povo reunido em São Bernardo do Campo e seus líderes negassem à mídia de que desconfiam há décadas o direito de estar presente entre eles, todos os circuitos falharam: gaguejou-se, repetiu-se, ignorou-se, supôs-se, mentiu-se e o mais que caracterize a mediocridade e o abismo entre mídia e população. Diria Barthes, a linguagem chegou próximo ao grau zero.
Mas deve-se ir a alguns fatos. Os aqui postos são poucos e podem ser amplamente complementados. Arrolam-se aqui para dialogar com a teoria trabalhada.
Apesar da iminência dos fatos em movimento, não existiu nas falas e seus pares imagéticos geografia ou logística, pois o sindicato dos metalúrgicos (às vezes confundido com outros) era um lugar que parecia estar próximo a uma pista chamada Anchieta. As imediações do sindicato eram ignoradas. Certo galpão era, de fato, o Instituto Celso Daniel. Determinado prédio de cor tal e qual era a TVT e demais espaços de produção associados ao sindicato. Nada era sabido, pensado e concatenado como informação de qualidade. Editores e chefias não serviram de nada à inteligência da cobertura.
Daí, a gagueira, as suposições, a ignorância. Imagine-se como chegou a informação a milhares de cidades brasileiras nos milhões de quilômetros quadrados? Alguma coisa se organizou como imagem na suposta negociação entre uma emissora e a TVT. Algo mais também foi possível nos suportes alternativos, que projetaram voz e sentido ao interior da suposta cobertura, redimindo-a do fracasso pleno.
A chegada do avião que portava o ex-presidente Lula tinha a cor lisa e, portanto, não seria outro, rajadinho. Parecia descrição de feijão. O helicóptero estacionado na superintendência da Polícia Federal não levaria o prisioneiro da Lavajato, segundo fontes seguras do colega A, minutos depois desmentido pelo colega B, da mesma emissora. A multidão que cercou o sindicato era composta de “apoiadores” de roupa vermelha e os grupos que portavam alguma bandeira do Brasil eram “defensores da Lavajato”. A etiqueta era, assim, colada nas testas de pessoas humanas, complexas (ajude Edgar Morin!) e históricas. Os comentários de estúdio eram pautados quase exclusivamente pela mediocridade linguística que vinha da “cobertura in loco”
Não, não houve cobertura, nem “locus” ou fato. O fato mesmo é que o lugar dessa grande mídia era outro, longe do Brasil real e sua complexidade histórico-política. Quase tudo (ressalvado o respeito pela formação possível dos repórteres em nossas universidades) sugeriu que a grande armação midiática perde os pés e as mãos quando se distancia das populações a quem deveria servir, como concessão, nos termos da origem da mídia no Brasil.
O antropólogo Roquette Pinto precisa ser chamado. Em 1923, no limiar do rádio, ele fez o discurso que julgava profético. O que nascia iria ajudar a desenvolver a língua falada do Brasil, produzir educação e solidariedade nacional e integrar os espaços da nação bela, diversa, naturalmente rica e grande.
Caro Roquette, parece que de fato ninguém é profeta em sua terra. Pior quando os modos de organização da sociedade persistem renitentemente como esses que aqui se conhece e se vive: indignos.
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Luiz Roberto Alves é professor e pesquisador da USP e UMESP, autor de várias obras, entre as quais Ensaios sobre o Viável (2017).
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