quinta-feira, 3 de maio de 2018

Marx, uma existência ao longo de 200 anos (um olhar latino-americano)

Caminhar junto com Marx e Engels será importante para enfrentar o dilema sobre socialismo ou barbárie, resolvendo coletivamente as contradições do capitalismo

     Por Edgar Isch López 


Por Edgar Isch López

Neste 5 de maio será celebrado o bicentenário da presença de Karl Marx. Poderíamos parafrasear que seu fantasma percorre toda a atual luta de classes. Mas é mais que isso: ele se torna carne cada vez que alguém assume seu método materialista dialético, e pretende se envolver com o mundo com a intenção de transformá-lo, questionar os fatos e a prática para tirar conclusões teóricas, se organizar e mobilizar em favor da emancipação humana.

Sem dúvida, são mais as interpretações errôneas sobre sua obra, com má intenção ou só ignorância. Tantas vezes qualificado com uma variedade de formas visando enfrascar seu pensamento ou tentando negar a validez científica e integral de suas principais conclusões. Acentuando-se em suas falhas (que cientista não as comete?), mas sem jamais desmontar o edifício monumental de seu acionar teórico e prático. Sobre ele se poderia dizer o mesmo que Richard Lewontin e Dick Levins escrevem na dedicatória de seu livro “O Biólogo Dialético”: “a Engels, que se equivocou muitas vezes, mas que acertou no que importa”.

Enorme seria a lista dos acertos de Marx, que se ampliam constantemente à medida em que lê seus escritos. Talvez, o fundamental é o exercício de por pés e cérebro de operário nos melhores sonhos da humanidade, para demonstrar que um futuro realmente humano só é possível saindo desta pré-história baseada na propriedade privada dos bens de produção e a consequente superexploração dos trabalhadores e da natureza, que deu as certeiras linhas de ação para a conformação do partido comunista.

Poucas vezes se observa tanto impacto de um pensamento em um fato e período social como fez o marxismo durante a Revolução Bolchevique, que transformou o mundo. Inclusive a burguesia no poder na maior parte do mundo, teve que iniciar uma política social para suavizar a influência soviética e afastar o pensamento marxista dos operários. Alguns dirão que “certas” análises de Marx valem a pena mas que não suas conclusões sobre a necessidade do socialismo, pretendendo metê-lo numa garrafa e mantê-lo longe do debate social.

Outros declararam a vitória final do capitalismo como “o fim da história” e tiveram que se corrigir mais tarde. Por último, alguns que reconheceram ser correto o pensamento econômico de Marx, chegaram a defender que ao resolver o problema da pobreza (como se isso fosse possível no capitalismo), o fantasma do socialismo desapareceria. Curiosamente, esta posição é compartilhada por certos “progressistas” latino-americanos que fomentam o desenvolvimento do capitalismo em nossos países.

Mas a luta de classes é um fato real e presente. Claro que, como bem disse Warren Buffett, o quarto maior milionário do mundo, em entrevista para o Washington Post (30 de setembro de 2011): “há uma guerra de classes, estou de acordo com isso, mas a minha (a dos ricos) é a que está fazendo essa guerra, e estamos ganhando”. Mas quando os oprimidos tomem a iniciativa, quando os trabalhadores, homens e mulheres, ganhem mais consciência do seu rol histórico e se transformem numa classe social coesa, estará germinando a semente do socialismo, e a luta classes poderá ser vencida em favor da humanidade.

Porém, agora que a crise geral do capitalismo se expressa em todos os campos da vida social, incluindo a relação com a natureza, os olhos em busca de uma explicação certeira voltam sua atenção novamente a Marx. Estimulados pelas conquistas e pelas lições da Revolução Bolchevique, os setores revolucionários mais clarificados procuram não “atualizar” Marx, e sim provar seu método em função das lutas atuais. Método que, como disse Engels (em 1886) “não é um dogma, e sim um guia para a ação”, confirmando mais adiante (em 1895) que: “toda a concepção de Marx não é uma doutrina, e sim um método. Não oferece dogmas feitos, mas pontos de partida para a ulterior investigação e o método para a mesma”.

Se Marx e Engels se aproximaram do mais avançado da ciência em sua época, assim devem fazê-lo também os marxistas dos nossos dias. O caminho, contudo, não é fácil, devido a tanta pseudo ciência que se difunde junto a mentiras descaradas (como na negativa das petroleiras a respeito da crise climática, quando há provas abundantes da tragédia que estamos vivendo, conhecidas desde os Anos 60), a mercantilização da investigação e as tentativas de criar um híbrido entre fanatismo religioso e ciência.

Essa maneira científica é necessária para enfrentar a realidade latino-americana, diante da qual é necessário um pensamento crítico sem mitos velhos ou novos, sem dupla moral, sem esquecer que são os fatos e não os discursos os que demonstram a verdade. E precisamos da radicalidade de Marx, aquela que vai à raiz, ao fator humano, aquela que reconhece que é necessário superar o capitalismo e não pretender melhorá-lo.

A América Latina tem as condições de um continente de esperança, com povos capazes de enfrentar os imperialismos, qualquer que seja, pero que requerem um norte claro para enfrentar e derrotar também as suas próprias burguesias no plano histórico e sociopolítico em geral, não só no eleitoral. A esquerda, para ser tal, deve se plantear a superação histórica do capitalismo, e para isso, o marxismo precisa ser estudado e levado à ação sem cálculo nem cópia.

Marx está aqui, oferecendo a possibilidade de integrar todas as lutas, de evitar a fragmentação dos oprimidos e plantear a possibilidade de romper seus grilhões sem desconhecer as particularidades dos combates econômicos, ideológicos, de gênero, étnico – culturais, em torno dos bens da natureza e outros bens comuns, etc.

Em suas obras se planteia que o objetivo é emancipar a humanidade inteira de todo elemento opressivo que impeça sua liberdade. Emancipá-la com respeito às relações de exploração e à consequente opressão política, dos fanatismos e demais “ópios do povo”, do patriarcalismo etnocentrista, do racismo e demais formas de justificar a injustiça generalizada. Emancipá-la da opressão nacional, da fome e da necessidade, para restabelecer o metabolismo entre sociedade e natureza, construindo humanos integrais, polivalentes, de altos valores, entre os quais a solidariedade ocupará um lugar central.

A revolução socialista é a revolução de emancipação social, emancipação que, segundo Marx, terá lugar: “quando o homem reconhecer e organizar suas próprias forças como forças sociais, e quando, portanto, não separar mais de si a força social sob a forma de força política, só então se impulsará emancipação humana”.

Este bicentenário se apresenta numa época na qual necessitamos Marx, na que questionar o mundo através dele se faz mais que necessário. Caminhar junto com Marx e Engels será importante para enfrentar o dilema sobre socialismo ou barbárie, resolvendo coletivamente as contradições do capitalismo.

Feliz aniversário, Karl Marx, feliz luta pelo comunismo e pela liberdade.
Por Edgar Isch López é acadêmico e ex-ministro do Meio Ambiente do Equador, analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)
www.estrategia.la

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