Wilson Gomes
(Arte Andreia Freire/Revista CULT)
Nesta quinta-feira, a massa celebrou em júbilo a prisão de Michel Temer. A massa, em geral, não gosta de políticos e, nos últimos tempos, quando decidiu que o grande problema nacional era a corrupção da política, juntou isto à crença de que todos os políticos são corruptos. O grande problema nacional passou, então, a ser a própria política. A massa, portanto, festeja doenças, mortes e comemora prisões, principalmente da elite política nacional, como se cada evento desses representasse ao mesmo tempo uma grande revanche pelo mal infligido à nação e um ato de asseio na grande desinfecção nacional. Desculpem o transtorno, estamos higienizando o Brasil.
A massa não distingue entre prisão temporária, prisão preventiva e prisão depois de julgamento e condenação. A massa quer ver presos os graúdos da política, de preferência, definitivamente. Na verdade, os políticos poderosos podiam até ser sentenciados à morte, mas, na falta de melhor alternativa, a massa aceita que sejam trancafiados e esquecidos. A massa adora prisões, mas detesta que elas sejam temporárias ou preventivas, e se desespera quando os que foram presos, de repente, são postos em liberdade. A massa detesta a ideia de que corruptos fiquem soltos, nem que seja enquanto não se concluem os processos que continuam correndo na Justiça. A massa acha que soltar alguém que sofre uma prisão temporária é recompensar o crime e o criminoso. A massa detesta os políticos e ainda mais odeia que manda relaxar prisões ou concede habeas corpus aos políticos que foram presos.
A massa não entende nem acha necessário o devido processo legal.
O pessoal da Lava Jato conhece a massa, a sua convicção de que os políticos são todos corruptos e a sua paixão pelas prisões de membros da elite política. O poolde procuradores e juízes da Lava Jato não apenas compartilha desta crença como ajudou a alimentá-la, seja louvando-se continuamente como a única instância do universo capaz de colocar em correntes os políticos e os poderosos da Nação, seja ritualizando, de quando em vez, a paixão da massa pela vingança contra os políticos, por meio de irresistíveis espetáculos de conduções coercitivas e de prisões, como as desta quinta-feira. O pool (ou força-tarefa, como preferem) da Lava Jato pensa tão bem de si mesmo que resolveu que não quer ser apenas mais um conjunto de membros do MP e da magistratura ocupando-se de crimes público-privados; quer agora ser uma instituição do Estado, quiçá um dos Poderes da República. Quer açambarcar as prerrogativas da justiça especial (por exemplo, da Justiça Eleitoral) e quer gerenciar um fundo de nada mais nada menos que 2,5 bilhões, recuperados da Petrobras. Por não ter conseguido, na semana passada, nem um nem outro, incitou a massa contra as peias e os limites que o Estado de Direito impõe aos seus apetites. Na verdade, incitou a massa contra o STF e a PGR, que frustraram os seus desejos. Faz uma semana, portanto, que a massa, em fúria, resolveu incluir o STF (#stfvergonhanacional) e a Procuradoria-Geral da República na lista dos problemas nacionais, ao lado da política e da corrupção. Vejam só.
Não sei se mencionei até agora, mas a massa não gosta dos juízes garantistas do STF, que acham que não há Estado de Direito sem o devido processo legal e que o devido processo legal não é compatível com esse uso extremamente alargado de prisões preventivas feitos pelo pool da Lava Jato. Nem com a afobação das antecipações de juízos para o público, nem com os vazamentos seletivos de delações e de partes de inquéritos para produzir efeitos fáceis junto à opinião pública, nem com esta multidão de magistrados e procuradores que, de repente, ocuparam a mídia tradicional e redes sociais para expressar preferências políticas e participar da disputa partidária, assumidamente ou não. A massa tampouco gosta dos juízes do STF que acham que procuradores e juízes de primeira instância não operam em benefício da Justiça ou do Poder Judiciário quando declaram e publicam que a única instituição que efetivamente combate a corrupção no país é a força-tarefa da Lava Jato.
A massa que gosta de prisões e correntes não gosta do STF porque foi convencida de que a suprema corte brasileira não gosta da Lava Jato. Isso porque o STF curte o devido processo legal e acha que é passar dos limites conduzir políticos importante em algemas e sob vara, vistosamente, só para obter depoimentos, ou expedir zilhões de mandados de prisões temporárias e preventivas apenas para fazer um carnaval temporão para o gozo dos foliões da política. A massa acha a Lava Jato o máximo e o STF, o mínimo. E, pelo que vem publicando desde a semana passada, trocaria facilmente a instituição que faz o duplo papel de ser a nossa corte suprema de Justiça e a nossa corte constitucional, por um poder processador e punidor liderado por Dallagnol e companhia. A massa confunde justiça e justiçamento e a Lava Jato, com o auxílio luxuoso do jornalismo, adora alimentar esta confusão.
Nesta quinta (22), foram presos o ex-presidente Temer e o ex-governador e ex-ministro Moreira Franco. Como não foram ainda julgados e condenados, certamente caberá a algum desembargador ou ao STF mandar soltá-los. A guerra da Lava Jato ao STF, ganha, portanto, mais um round. Os foliões digitais que hoje celebram as prisões como se fossem fim de campeonato, serão convertidos, em breve, em matilhas digitais, quando os presos forem soltos para serem julgados em liberdade. Quem os mandar soltar será então considerado vergonha nacional, vagabundo do Judiciário, apoiador da corrupção e culpado de o Brasil ser este país que não vale nada, ou coisas assim, como vimos desde a semana passada. A massa quer circo, areia e sangue, e adorou que o juiz Bretas, sempre atento às paixões populares, tivesse a delicadeza de proporcionar este carnaval fora de época, esta pequena compensação para lavar a alma, depois do 2 a 0 contra a Lava Jato da semana passada. Enfim se restaura a nossa confiança de que os políticos serão todos, se não passados no fio da espada, pelo menos trancafiados sob sete chaves.
Se não fossem, eventualmente, o maldito STF e o abominável Gilmar Mendes, claro.
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