Publicado por Diario do Centro do Mundo
POR GUSTAVO ARANDA e VINICIUS SEGALLA
A delegada federal Érika Marena, indicada pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, para chefiar o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), participou de uma ação in loco nos Estados Unidos para prender um cidadão brasileiro por meio de um flagrante forjado, mostram documentos obtidos pelo DCM.
O expediente do flagrante forjado consiste em criar uma situação fantasiosa para induzir um suspeito a tentar cometer um crime, efetuando sua prisão logo em seguida. Permitido nos EUA, esta manobra policial é expressamente proibida pela lei brasileira (leia mais abaixo).
Apesar disso, foi autorizada integralmente por Sergio Moro, que não apenas enviou a delegada Érika Marena ao exterior para auxiliar na operação como também, para viabilizar o plano norte-americano, determinou que fossem criados nomes, números de CPF e uma conta bancária falsa no Brasil, para onde foram destinados depósitos ilegais de R$ 100 mil.
O valor foi sacado, com autorização de Moro, pelo delegado federal Algacir Mikalovski (que hoje em dia é representante sindical dos delgados), que teria a incumbência de entregar o valor às autoridades norte-americanas. Mikalovski é o mesmo delegado que recentemente defendeu Jair Bolsonaro em suas redes sociais e que pediu que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fosse transferido para um presídio militar.
Sergio Moro conduziu a maioria dos passos da operação feita em conjunto com os norte-americanos sem antes consultar o Ministério Público Federal na maioria das diligências efetuadas. O órgão é, por lei, quem deve fiscalizar e trabalhar em conjunto com a autoridade policial em ações deste tipo. Apesar disso, o procurador federal que respondia pelo caso em nome do MPF não fez qualquer reclamação.
Seu nome: Deltan Dallagnol.
Assim, se constata que figuras que vieram a ocupar postos chaves na Operação Lava Jato já atuavam conjuntamente e em parceria com autoridades norte-americanas desde, pelo menos, sete anos antes da criação da força-tarefa do MPF-PR.
Essas informações, parte delas trazidas à luz em reportagem dos Jornalistas Livres de junho de 2017, constam nos autos do processo nº. 2007.70.00.011914-0, que correu sob a fiscalização do Tribunal Regional Federal da 4ª Região até 2008, quando a competência da investigação foi transferida para a PF, o MPF e a Justiça no Rio de Janeiro.
Na realidade, ali deveriam ter começado, já que nunca houve nenhum suspeito residente no Paraná envolvido no caso. Até hoje, permanece um mistério o motivo que levou as autoridades dos Estados Unidos a buscar na vara de Sergio Moro a autorização que queriam.
Em 2011, o caso inteiro foi arquivado no Brasil, visto que instâncias superiores da Justiça brasileira não encontraram motivos para que a operação tivesse se dado por meio da Polícia Federal no Paraná, além de ter apontado uma série de irregularidades durante a condução da investigação policial.
Quando Moro autorizou o flagrante forjado do qual Érika Marena tomou parte, alegou que a investigação serviria para desbaratar uma organização criminosa de lavagem de capitais que atuava por meio de empresas e operadores brasileiros. Com as irregularidades identificadas no processo, tudo foi arquivado e ninguém foi preso no Brasil.
A ação integrada com os EUA, em solo brasileiro, sob a lei americana
A ação ocorreu em 2007. No dia 14 de março daquele ano, autoridades do DHS (Department of Homeland Security) procuraram a Polícia Federal no Paraná (sem nenhuma indicação do motivo que levou à escolha específica desta superintendência estadual), na pessoa do delegado Algacir Mikalovski, solicitando ajuda para prender um cidadão brasileiro suspeito de evasão de divisas nos EUA.
Ao receber o pedido, o delegado federal foi direto a Sergio Moro, que autorizou o envio de dados sigilosos do suspeito brasileiros à autoridades policiais norte-americanas que o investigavam por remessa ilegal de dinheiro ao Brasil, e estavam preparando um flagrante.
Delegado da PF vai direto a Sérgio Moro, sem passar perlo MPF, pedir para o juiz solicitar à Receita Federal a emissão de um CPF para ajudar autoridades norte-americanas a prender um brasileiro
Sem informar autoridades do governo federal brasileiro, o juiz paranaense foi, na sequência, atendendo a todos os pedidos estrangeiros, determinando ainda que fossem criados no Brasil um CPF e uma conta bancária falsa para uso da polícia dos Estados Unidos.
O Ministério Público Federal só tomou ciência do caso mais de dois meses após o juiz ter deferido integralmente as solicitações da polícia norte-americana. O próprio juiz Moro admite que deixou de informar o MPF no tempo devido. Quando o fez, registrou que entregou os documentos diretamente ao procurador federal “DD”, querendo dizer Deltan Dallagnol.
O plano norte-americano era o seguinte: eles suspeitavam que um cidadão brasileiro residente nos EUA estava realizando remessas ilegais de dinheiro para o Brasil. Pelas investigações conduzidas naquele país, o suspeito oferecia seus serviços de remessa ilegal de divisas utilizando uma rede de empresas laranjas para por fim depositar o dinheiro a ser evadido na conta determinada pelo cliente do crime.
Assim, visando forjar um flagrante e prender o suspeito, os norte-americanos montaram um plano:
Um agente infiltrado entraria em contato com o suspeito dizendo querer transferir um valor correspondente a R$ 100 mil para o Brasil. O dinheiro seria fornecido pelo DHS.
A Justiça brasileira providenciaria um CPF, um cartão de banco e uma conta bancária falsos ao agente norte-americano. Eles seriam fornecidos ao suspeito, para que este realizasse a remessa ilegal e fosse preso.
Um delegado federal de Curitiba iria até o banco, sacaria o dinheiro e devolveria às autoridades norte-americanas.
Sem consultar o Ministério Público ou qualquer autoridade brasileira, Moro atendeu a todos os pedidos dos norte-americanos. Enviou, ainda, a delegada Érika Marena para participar das diligências nos Estados Unidos. Enquanto esteve lá, ela prestou contas diretamente ao juiz Sérgio Moro sobre o andamento das operações, como se vê no exemplo abaixo, em correspondência diretamente enviada ao magistrado, e constante no processo ao qual o DCM teve acesso.
“Senhor Juiz,
Serve o presente para encaminhar o relatório COMPLETO dos últimos três períodos dos monitoramentos levados a cabo, incluindo o resumo das conversas em inglês numa tradução livre feita pela signatária (delegada da PF do Brasil).”
“A signatária foi informada pelo Agente Especial do DHS/ICE/Atlanta que a operação para a prisão do alvo XXXXX ocorrerá no próximo dia XXXX, incluindo busca e bloqueio de contas. Já há autorização para o compartilhamento dos dados com esse Juízo”.
“A signatária esteve na cidade de Atlanta-Geórgia no mês de agosto, por convite do governo americano, e acompanhou várias diligências relacionadas a tal operação conjunta com o DHS/SAC/Atlanta.”
A ação que Moro permitiu é prevista pela legislação norte-americana, trata-se da figura do agente provocador: o policial que instiga um suspeito a cometer um delito, a fim de elucidar ilícitos maiores praticados por quadrilhas ou bandos criminosos.
No caso em questão, o agente norte-americano, munido de uma conta falsa no Brasil, induziu o investigado nos EUA a cometer uma operação de câmbio irregular (envio de remessa de divisas ao Brasil sem pagamento dos devidos tributos).
Ocorre, porém, que o Direito Brasileiro não permite que um agente do Estado promova a prática de um crime, mesmo que seja para elucidar outros maiores. O máximo que prevê a legislação brasileira é a chamada “Ação controlada”, quando se permite que o agente policial acompanhe a ação criminosa sem tentar detê-la, a fim de obter provas irrefutáveis do delito.
Não tem nada a ver com o que foi feito. Sobre isso, a Súmula 145 do STF é taxativa sobre o assunto:
“Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.”
Ou seja, quando aquele que tenta praticar um delito não tem a chance de se locupletar por seus atos, caindo apenas em uma armadilha da polícia, o crime não se consuma.
É o que explica o advogado criminalista André Lozano Andrade, coordenador do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais): o agente infiltrado não deve ser um agente provocador do crime, ou seja, não pode incentivar outros a cometer crimes.
“Ao procurar uma pessoa para fazer o ingresso de dinheiro de forma irregular no Brasil, o agente está provocando um crime. É muito parecido com o que ocorre com o flagrante preparado (expressamente ilegal), em que agentes estatais preparam uma cena para induzir uma pessoa a cometer um crime e, assim, prendê-la. Quando isso é revelado, as provas obtidas nesse tipo de ação são anuladas, e o suspeito é solto”, expõe Lozano.
Se a lei brasileira não prevê, Moro usa a dos Estados Unidos
Ciente de que não havia como justificar pela lei brasileira os atos que perpetrava a Polícia Federal sob sua anuência, o então juiz Sérgio Moro fez uso da jurisprudência norte-americana para sustentar sua decisão:
A manobra de Moro serviu para que ele mesmo aprovasse as ações da PF brasileira nos EUA, mas não para que o processo prosperasse até o final. A prática de sistematicamente conduzir a investigação alijando o titular da ação penal (O MPF) do processo, não passou despercebida pela Defesa de um dos acusados no processo, que fez constar nos autos, chamando a procuradoria no Paraná de “marido traído”:
Chama a atenção nos autos que o advogado em questão, já em 2007, antes que sequer se aventasse a hipótese de criação da Operação Lava Jato, já identificava os métodos pouco ortodoxos de trabalho em conjunto e pouco atento às leis que praticavam Sérgio Moro e Deltan Dallagnol. O advogado, por fim, afirma o que muitos depois dele vieram a afirmar ao longo dos anos seguintes: que Sérgio Moro agia não como um juiz de Direito, mas como um “homologador automático de toda a qualquer pretensão do MPF ou da Polícia”.
Assim, pelo menos toda esta operação conduzida por Moro e sua equipe, terminou arquivada, porque ilegal. Se o mesmo vai ocorrer com a Lava Jato, só o tempo dirá.
Por ora, o que se sabe é que o agora Ministro da Justiça Sérgio Moro acaba de autorizar nova ida de Érika Marena aos Estados Unidos, para “visitas institucionais em Washington e em Nova York”. Pelo jeito, as ações do grupo paranaense com seus colegas norte-americanos estão longe de acabar.
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O DCM entrou em contato por telefone com o Ministério da Justiça para que Sérgio Moro pudesse comentar o assunto abordado nesta reportagem.
A assessoria do órgão solicitou que as perguntas fossem enviadas por email, o que foi feito no mesmo dia, com os questionamentos abaixo:
Em relação ao processo nº. 2007.70.00.011914-0:
– Qual a sustentação legal para a solicitação do juiz Sérgio Moro para que a Receita Federal criasse CPF e identidade falsa para um agente policial dos Estados Unidos abrir uma conta bancária no Brasil em nome de pessoa física inexistente?
– Por que o juiz Moro atendeu ao pleito citado acima, originário da Polícia Federal, sem submetê-lo, primeiramente, à apreciação do Ministério Público Federal, conforme determina o ordenamento em vigor no país?
– Por que o juiz Moro não levou ao conhecimento do Ministério da Justiça os procedimentos que autorizou, conforme também prevê a legislação vigente?
– Por que a escolha da delegada Érika Marena para o Coaf? Por que a indicação de uma policial para um órgão de natureza burocrática? Por que a transferência do Coaf para o Ministério da Justiça, quando sempre esteve subordinado a pasta que cuida da fazenda?
Até a publicação desta reportagem, não houve qualquer resposta.
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