Depois da Venezuela, agora é no Paraguai e na Argentina. Há risco de efeitos negativos por aqui
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No fim do ano, haverá eleição presidencial na Bolívia e o término de um dos contratos de venda de gás do país ao Brasil. Será que o governo Jair Bolsonaro vai interferir na eleição para impedir outra vitória do socialista Evo Morales, no poder desde 2006? E que usará mão pesada na busca de um novo contrato de gás, sem o qual residências e empresas brasileiras podem ficar na mão?
Ideológica, a política externa de Bolsonaro tem causado de instabilidade interna na vizinhança, e isso gera risco de consequências no Brasil. A renegociação de um acordo com o Paraguai sobre a energia de Itaipu e o resultado das primárias da campanha presidencial na Argentina são os exemplos mais recentes, a se somar ao caso mais antigo da Venezuela.
Em Itaipu, o Brasil impôs condições duras ao Paraguai. Quando o acordo veio a público dois meses depois, no fim de julho, houve pedido de impeachment do presidente Mario Abdo Benítez, chamado de entreguista. Uma CPI foi instalada. Estima-se por lá uma perda de 200 milhões de dólares (800 milhões de reais). Para salvar o colega direitista, Bolsonaro topou refazer o acordo.
“Ser explorado pelo Brasil une a esquerda e a direita paraguaias”, diz um diplomata brasileiro que trabalhou na embaixada em Assunção. Segundo ele, os paraguaios vêem o Brasil como imperialista e guardam grande ressentimento pela Guerra do Paraguai (1864-1870).
O Brasil ajudou arrasar o vizinho e sua população masculina, em uma aliança com Argentina e Uruguai. E orgulha-se disso. O Dia do Soldado é na data de nascimento (25 de agosto) do chefe das tropas brasileiras na guerra, o marechal Duque de Caxias. Para patrono da Marinha, o escolhido foi quem comandou as forças navais na decisiva batalha do Riachuelo, o almirante Tamandaré.
Em 2009, Brasil e Paraguai renegociaram parte do acordo de Itaipu, com condições mais favoráveis para o lado de lá. O então presidente Lula achava a desproporção entre os dois países tamanha, que precisava ser maleável. O Paraguai possui 7 milhões de habitantes (são 200 milhões aqui), um PIB per capita de 30% do nosso (dado de 2016 do FMI) e está na posição 110 do IDH (somos o 78).
O Paraguai desvirtuou o entendimento de 2009, e o governo Bolsonaro pesou a mão ao buscar fechar a brecha para isso. O vizinho depende do dinheiro que recebe pela venda ao Brasil de energia não usada de Itaipu mas, e se resolvesse retaliar? A segunda maior hidrelétrica do planeta é fundamental para o abastecimento brasileiro.
Na Argentina, a ação explícita de Bolsonaro a favor da reeleição de Mauricio Macri provavelmente teve o efeito contrário e contribuiu para a derrota do direitista nas primárias de 11 de agosto. O resultado de 47% a 32% para Alberto Fernández daria à oposição uma vitória no primeiro turno na disputa de 20 de outubro. Lá, leva de cara quem tenha mais de 45%.
Diante da crise econômica causada por seu neoliberalismo, Macri topou aproximar-se de Bolsonaro. Esteve com ele em Brasília em janeiro e recebeu a retribuição em Buenos Aires em junho. Quando foi ao vizinho, o brasileiro disse: “A gente pede a Deus que ilumine os eleitores, agora em outubro, para que façam a opção pela razão, não pela emoção ou por aquilo que nós chamamos, no Brasil, o populismo”.
“A Argentina jamais elegeria alguém que idolatra um torturador”, afirma um diplomata brasileiro convencido de que Bolsonaro atrapalhou Macri, uma avaliação existente também entre argentinos.
Bolsonaro não para de elogiar a ditadura militar brasileira (1964-1985) e de saudar como herói o torturador símbolo daquele período, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, falecido em 2015. A Argentina teve seu regime militar também antes do atual ciclo democrático, mas mais assassina (8,5 mil mortos, quase vinte vezes mais do que os 434 daqui) e mais curta (1976-1983).
Embora tenha chegado ao poder 20 anos após o fim da ditadura, foi Nestor Kirchner, o falecido marido da candidata a vice de Alberto Fernández, Cristina Kirchner, quem enterrou de vez a memória do regime. No governo de 2003 a 2006, ele comandou em 2004 uma cerimônia no Colégio Militar de retirada da parede do quadro do primeiro ditador, o general Jorge Videla, condenado à prisão perpétua em 2010 e morto em 2013.
Em um evento no mesmo Colégio Militar em maio de 2006, fez um discurso famoso perante as tropas. “Que lhes fique claro: como presidente da nação argentina, não tenho medo. Não lhes tenho medo”.
MACRI (FOTO: AFP)
O desejo de impedir a volta do kirchnerismo ao poder, agora na canoa de Alberto Fernández, foi uma das razões a levar o Brasil a esforçar-se por um acordo comercial Mercosul-União Europeia, apesar de Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, não darem bola para o bloco sul-americano.
A conexão eleitoral do acordo foi mencionada pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, a autoridades italianas em uma viagem a Roma. Um relato a esse respeito foi feito, diz um diplomata, em um telegrama enviado ao Itamaraty pela embaixada brasileira na Itália. “O acordo precisa sair para ajudar a reeleição do Macri”, teria dito Araújo.
Com pontes queimadas com o favorito a assumir o poder na Argentina, Bolsonaro põe em risco interesses brasileiros. Terra de 43 milhões de habitantes, um PIB per capita parecido do Brasil e um IDH melhor (47a posição), a Argentina é um dos principais destinos de nossas exportações. “Com Bolsonaro não tenho problema em ter problemas”, disse o centrista Alberto Fernández.
Com o esquerdista Nicolás Maduro, da Venezuela, Bolsonaro tem tido problemas desde a posse. Em fevereiro, o Brasil participou de uma ajuda humanitária planejada pelos EUA para depor o chavista. Em abril, seu filho Eduardo escreveu a militares venezuelanos a pregar golpe. Ao se empenhar pela queda de Maduro, Bolsonaro incendeia o vizinho de 30 milhões de habitantes. Pior para o Brasil.
Em março, a Venezuela parou de fornecer energia a Roraima, retaliação contra a participação do Brasil no golpe da ajuda humanitária. Sem essa energia, Roraima recorre a usinas movidas a óleo diesel, mais caras e poluidoras. O senador por Roraima Telmário Mota, do Pros, esteve com Maduro em 17 de abril e cinco dias foi à tribuna falar do tamanho do prejuízo.
“Com a energia vindo da Venezuela, a gente gasta 264 milhões de reais em um ano. Com as termoelétricas, nós gastamos 1,3 bilhão de reais, 1,1 bilhão a mais. Dinheiro que faz falta na saúde, na educação, nas estradas, na energia, na geração de renda e emprego”, disse.
O preço da política externa ideológica de Bolsonaro não é pequeno.
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