segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Geni não quer deitar com o comandante! E agora?, por Jorge Alexandre Neves

No lugar do antipetismo, o que emergiu com força foi um anti-institucionalismo virulento e autoritário.

           Por Jorge Alexandre Neves
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Geni não quer deitar com o comandante! E agora?

por Jorge Alexandre Neves

Já faz bastante tempo que venho prevendo (1) que a perseguição insana e ilegal ao ex-presidente Lula estava empurrando o Brasil para uma situação sem volta (pelo menos no curto ou médio prazos). Assim como a Argentina, há seis décadas, o Brasil caminha para uma fratura política de longo prazo, que impossibilitará a formação de novas concertações sociopolíticas enquanto durar.

Por outro lado, confesso que tenho achado até divertido o desespero do chamado “centro democrático” (aí incluídos a centro-direita e a centro-esquerda) com o que tem sido classificado como “radicalização” de Lula, após sair da prisão. Uma enorme quantidade de atores políticos tem demonstrado desconforto e o desejo de que Lula mude sua posição atual. Esses atores vão do ex-governador da Paraíba, Ricardo Coutinho (2), ao ex-presidente FHC (3). Na imprensa liberal, a revolta é grande. Vou resumi-la a partir de uma mensagem do Twitter de Gilberto Dimenstein:

“Lula ajudaria mais o Brasil, o PT e a si próprio se empunhasse um discurso de busca de alianças para quebrar a polarização. Seria o melhor ataque a Bolsonaro. O problema é que quem nasceu para Lula nunca chega a Nelson Mandela”.

É curioso que, mesmo ao buscar a adesão de Lula à luta pela defesa do que sobrou da nossa democracia, jornalistas liberais – como Dimenstein – terminem por ceder ao seu mais puro extinto natural e partam para a ofensa ao ex-presidente, ao final de sua mensagem. É como a fábula do sapo e do escorpião. A natureza elitista de liberais como Dimenstein sempre levará à ferroada, no final. 

Boa parte desses liberais (sejam intelectuais, jornalistas ou políticos profissionais) aderiu ao golpe estamental liderado por Sérgio Moro. Ficaram felizes com a deposição fraudulenta de Dilma e com a prisão ilegal de Lula. Imaginaram que destruiriam Lula e o PT, mas o golpe fracassou (4). Em 2016, se deixaram confundir por um fenômeno conjuntural e se deliciaram com a perspectiva da emersão de um antipetismo estrutural. Acreditaram que 2018 estaria no papo!

Mas a realidade não lhes foi generosa. No lugar do antipetismo, o que emergiu com força foi um anti-institucionalismo virulento e autoritário (5). O golpe de 2016 abriu uma caixa de Pandora que está destruindo, pouco a pouco, o Estado Democrático de Direito, no Brasil.

Agora, o “centro democrático”, ao ver no que deu o golpe ao qual aderiu (com algumas exceções), entrou em desespero, e quer que Geni, à qual se dedicou a atacar e querer destruída, venha a seu socorro neste momento de desespero. Geni, contudo, parece ter decidido não deitar com o comandante. Tudo indica que ela está pensando o seguinte: quem pariu Mateus que o balance; quem abriu a caixa de Pandora que cuide de fechá-la. Maldita Geni!

Como os dois grandes partidos do “centro democrático” foram quase destruídos em 2018, muitos dos seus membros – sejam políticos profissionais ou não – só conseguem vislumbrar um movimento forte o suficiente para preservar as instituições atuais do sistema político brasileiro se Lula e o PT aderirem a um amplo pacto. Bendita Geni!

Ocorre que, do ponto de vista de Lula e do PT, há alguns fortes senões nessa estratégia. Afinal, como eu chamei a atenção antes (6) “loucura é esperar resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual”. Tanto Lula quanto outros membros do PT devem estar se perguntando: Que democracia é esta que devemos nos esforçar para salvar? A mesma que aceita tranquilamente que o comandante do exército ameace o órgão máximo do poder judiciário? A mesma que coloca na prisão um ex-presidente sem culpa provada? A mesma que, a partir de um ato ilegal (7), promove a deposição de uma presidenta da República? Maldita Geni!

Sem fazer qualquer juízo de valor, acho que estamos indo pelo caminho que eu já havia previsto. Claramente, o ex-presidente Lula saiu da prisão com a disposição absoluta de fortalecer o PT, o partido que irá defender seu legado e seu nome pelas décadas que virão. Ele escolheu um caminho que, sem dúvida, é bem mais sectário do que o que aquele que costumava percorrer antes de ser ilegalmente perseguido. As elites brasileiras – em particular o estamento burocrático e profissional, mas também a plutocracia – mostraram que pactos socialdemocratas não são de seu gosto. Cansaram da brincadeira e chutaram o pau da barraca. Isso nos trouxe para onde estamos. Portanto, não me venham, agora, querer culpar Geni por não aceitar deitar com o comandante. Infelizmente, porém, parece que estamos mesmo condenados a ser a Argentina do século XXI. O subdesenvolvimento nos pertence!

Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997. Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.





Que muitos continuam a confundir – de forma consciente ou não – com antipetismo. Que antipetismo? Afinal, acabo de ouvir de um cientista político em um debate na TV fechada, que, ao passo que o PSDB e o MDB perderam 10 milhões de votos nas eleições proporcionais de 2018, o PT perdeu apenas 3 milhões. Assim, o PT conseguiu ter a maior bancada partidária na Câmara dos Deputados (a casa do povo), bem como colocou seu candidato no segundo turno das eleições (mesmo com todas as perseguições ilegais feitas ao seu candidato preferencial). O PT tem sofrido por ser, também, um partido do sistema político atual. Todavia, por ser muito mais forte e organizado do que os demais partidos, tem sofrido menos com o anti-institucionalismo que emergiu com o golpe estamental.


A gravação e divulgação ilegais de conversa da presidenta Dilma com o ex-presidente Lula, no dia 16 de março de 2016.

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