Nota técnica do Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde defende urgência na determinação, pelo poder público, de uma fila única de leitos de internação
(Foto: Agência Brasil)
Da Rede Brasil Atual - m meio ao avanço do coronavírus no Brasil, com aumento no número de casos de infecção e de mortes, o que demanda número maior de leitos os sistemas de saúde público e privado continuam desarticulados. Já são 9.056 registros confirmados da doença e 359 mortos, segundo último balanço do Ministério da Saúde Assim com continua desigual a relação exigência/atendimento entre hospitais privados e públicos.
Em fevereiro, o Brasil tinha 2,01 leitos por 1.000 habitantes, taxa menor do que a de países como Itália (3,18), Espanha (2,97) e Inglaterra (2,81). Essa taxa varia muito entre regiões e unidades da federação (1,6 no Amapá a 2,6 no Rio Grande do Sul).
E as medidas que acompanharam a decretação do estado de calamidade pública pelo governo federal em 20 de março subestimaram a insuficiência. E não reconheceram a desigualdade da oferta e uso de recursos assistenciais no sistema de saúde – situação que dificulta respostas à altura da crise.
Oferta segmentada
O alerta é dos professores Mário Scheffer e Ligia Bahia. Scheffer coordena o Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde do Departamento de Medicina Preventiva Faculdade de Medicina da USP. E Ligia, o Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento na Saúde, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Nesta semana, eles divulgaram a nota técnica “As Empresas de Planos de Saúde no Contexto da Pandemia do Coronavírus: entre a Omissão e o Oportunismo“. Os especialistas chamam atenção para o fato de que apenas parte da capacidade instalada hospitalar está disponível para o atendimento universal. E que 31% dos leitos são destinados ao atendimento de clientes de planos de saúde e particulares.
A segmentação da oferta de leitos é peculiar porque, na rede SUS, 21,5% dos leitos são de natureza privada e 64% são filantrópicos. Ou seja, um mesmo hospital pode, no Brasil, vincular-se simultaneamente ao SUS e aos planos privados.
A fragmentação da oferta de leitos de acordo com oportunidades de captação de recursos, públicos ou privados, é responsável por disparidades regionais. E também por concentração de recursos assistenciais no setor privado da saúde. Em 2018 foram realizadas 171,6 internações para cada 1.000 clientes de planos de saúde e 73 para cada 1.000 pacientes assistidos pelo SUS.
“Além das estratégias de prevenção populacional, de afastamento social, de proteção específica aos profissionais de saúde, e de retaguarda de serviços de saúde adaptados à nova realidade, a mitigação da pandemia exige a definição clara de papéis e responsabilidades de todos os agentes públicos e privados que compõem o sistema de saúde. Ainda não foi definida qual será, durante a pandemia, a real participação dos planos e seguros de saúde, setor que compreende 47 milhões de brasileiros e que movimentou R$ 213,5 bilhões em 2019”
Demanda vai aumentar
E mais: “Responsável por regulamentar este mercado, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), de maneira pontual e totalmente descoordenada dos esforços do SUS, passou a editar medidas que favorecem operadoras de planos de saúde e outras empresas privadas do setor, que podem afetar diretamente clientes, médicos, profissionais de saúde e prestadores de serviços”.
Como é esperada para as próximas semanas maior demanda por internações e leitos de UTI, Scheffer e Lígia vislumbram um cenário caótico e dramático. Principalmente para assidtência, caso não sejam rompidas barreiras entre os setores público e privado. E caso não sejam aplicados recursos adicionais nem equacionados gargalos da precariedade da qualidade e segurança da assistência e ao acesso aos leitos.
E destacam que não faltam bons exemplos de subordinação do setor privado da saúde às políticas públicas enquanto durar a pandemia do coronavírus. O governo espanhol, por exemplo, estatizou provisória e excepcionalmente todos os hospitais privados. Na Irlanda, hospitais particulares foram abertos para atender o público em geral.
“No Brasil, urge uma regulamentação nacional, com participação de Ministério da Saúde, ANS, secretarias estaduais e municipais de saúde, que determine, em caráter excepcional, uma ‘fila única’ ou ‘estoque único’ de leitos de internação e de UTI, para atendimento de casos graves de coronavírus, independentemente de os pacientes serem usuários da rede pública ou privada.”
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