quarta-feira, 1 de abril de 2020

Os pobres da Granja do Torto, por Andre Motta Araujo

Residência Oficial da Granja do Torto – Wikipédia, a enciclopédia ...

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Os pobres da Granja do Torto

por Andre Motta Araujo

Em plena mega crise econômica do Coronavírus, o Ministro da Economia vai usar a icônica Residência Presidencial da Granja do Torto como sua morada em Brasília.

Guedes pediu a residência ao Presidente Bolsonaro, que a cedeu, poderia ter sugerido ao Ministro algum das centenas de apartamentos vazios que a União tem em Brasília ao invés de ceder uma residência presidencial, onde já moraram João Goulart e o General João Baptista Figueiredo. É uma residência de presidentes, não poderia, ou deveria, ser emprestada a não presidentes, não é propriedade particular, é do Estado para uso como moradia ou fim de semana de Presidentes da República.

Moradias desse tipo não são apenas prédios, são símbolos de Estado, tem uma aura de História, fazem parte do patrimônio imaterial da Nação, acho que seria difícil imaginar que um Presidente dos EUA emprestasse a casa de fim de semana presidencial de Camp David para moradia de um auxiliar de sua administração, aquilo é um bem público com destinação especifica.

Tudo isso tem como narrativa o propósito de mostrar a frivolidade com que está sendo tratada a maior crise social e econômica das últimas décadas no Brasil, com gente que pouco ou nada se preocupa com os reais problemas do País, dois dos quais são o APOIO A 100 MILHÕES DE BRASILEIROS POBRES e o APOIO A EMPRESAS QUE GERAM EMPREGOS E QUE PODEM QUEBRAR.

Os dois programas exigem MEGA EQUIPES em capacidade de operacionalizar esses mecanismos que somam UM TRILHÃO E DUZENTOS MILHÕES DE REAIS NO PAPEL, resta ver o que vai chegar na rua, na PONTA DA REALIDADE e não apenas no Diário Oficial.

É uma imensa tarefa, para gigantes da administração, que não se vê nessa equipezinha do Leblon, que não tem o DNA do social e da política pública, não tem a capacidade de gestão, não tem o senso de urgência, não tem empatia e sensibilidade.

Se tivessem todas essas qualificações além das planilhas ainda assim seria uma tarefa de imensa complexidade por causa do fator urgência, mas tudo indica que a especialidade da turma seria CRIAR TRAVAS PARA EVITAR FRAUDES, sem medir tempos e riscos. Como na guerra certos desafios passam por cima de cuidados normais ou não se faz.

OS PROGRAMAS DE RENDA PARA A ECONOMIA INFORMAL

Fazer chegar os 600 Reais na mão dos que estão no limite ou já passando fome depende de CADASTROS, parte já existe pelo Bolsa Família, pelo INSS, pelo SUS, parte precisa ser construído usando o CAGED, censo do IBGE. Nos cadastros JÁ EXISTENTES, a liberação do dinheiro já deveria ter começado, mesmo aceitando a possibilidade de erros. Se for errar, errar a favor e não contra o pobre. Para cadastros novos instalar FORÇAS TAREFAS para trabalhar em turnos, 24 horas, para montar esses cadastros, como esforço de guerra, na guerra não há horário de expediente, não há noite e dia, não há domingo e feriado, a guerra é 24 horas do dia, cada minuto conta, é outro tipo de trabalho.

Se não houver senso de urgência o dinheiro NÃO CHEGA NA PONTA nem em Dezembro, já depois da catástrofe social de famílias sem renda alguma para sobreviver.

No Brasil há economistas e administradores especializados em programas de renda. Não consta que alguns deles estejam no comando ou assessorando o grupo neoliberal de Chicago na implantação a jato desses novos programas. Entregar a execução para fiscalistas que adoram criar travas para dificultar a aplicação de recursos é o que parece que vai acontecer. É uma questão de cultura econômica no seu sentido amplo, de percepção e sensibilidade, algo que não existe em burocratas neoliberais toscos.

OS PROGRAMAS PARA APOIO AO EMPREGO E AS EMPRESAS

É um outro grupo de programas visando a manutenção dos empregos formais e da viabilidade das empresas na travessia do período da crise sanitária. Aparentemente seriam programas de mais fácil execução porque os dados estão prontos, não precisam ser levantados. Mas aí, mais uma vez, se esbarra na ideologia dos neoliberais. Tudo vai passar pelo pedágio dos bancos, os bancos é que vão administrar os repasses. No caso da prorrogação de dívidas no BNDES das PME, o dinheiro é público, mas o critério de renegociação é dos bancos, que podem ou não aprovar o uso do dinheiro público.

Com esse poder conferido aos bancos eles vão fazer o obvio. Vão usar essa espada para extrair vantagens para seus negócios, como sempre fizeram com repasses de créditos públicos. No caso da prorrogação do pagamento de dívidas com o BNDES, vão exigir para aprovar, porque é deles o poder de aprovar, vão exigir o pré-pagamento de outros créditos com o banco ou vão vender seguros do grupo, vão RENTABILIZAR o poder de aprovação da prorrogação do crédito, que é recurso público e não privado.

Toda a estrutura desses programas de apoio as pequenas e médias empresas tem esse viés, são os bancos quem decidem embora o dinheiro seja público, é parte da ideologia de “mercado” da equipe econômica, não era para esperar outra coisa.

O certo era o BNDES operar DIRETAMENTE essas prorrogações, não é algo tão difícil, empresas não são pessoas, são milhares e não milhões ou ainda poderiam fazer a operação pela CAIXA ECONÔMICA e pelo BANCO DO BRASIL, que tem grande capilaridade no território nacional, seria mais rápido, mais eficiente e protegeria as empresas do arbítrio negocial dos bancos privados.

ROOSEVELT E A EQUIPE DO NEW DEAL

Quando o Presidente Franklin Roosevelt assumiu a Casa Branca, em 4 de março de 1933, os EUA estavam em profunda depressão, a maior do século até então. Para combatê-la, Roosevelt seguiu a receita do economista inglês John Maynard Keynes, de vasta expansão monetária e uma grande POLÍTICA PÚBLICA de recuperação da economia.

Para implantar esse programa, o NEW DEAL, era fundamental a cooperação do banco central americano, esse mesmo que os neoliberais brasileiros chamam de “independente”, portanto fora do alcance do Governo. O Chairman do FED era então o banqueiro multimilionário Eugene Meyer, cuja saída Roosevelt solicitou e foi atendido. Acaba aí a famosa “independência” do banco central modelo do mundo porque é da logica elementar da grande política que nenhum banco central pode operar CONTRA um Presidente eleito.

Roosevelt só poderia implantar um vasto programa anti-depressão com grande emissão de moeda. O conservador Eugene Meyer, pai da célebre diretora do jornal The Washington Post Katherine Graham e avô de minha amiga Lally Weymouth, hoje editora do mesmo jornal, que era então da família, Meyer, jamais comandaria essa expansão da moeda essencial para operar o New Deal, por isso teve que ser trocado. Dei esse exemplo para mostrar que um CONSERVADOR da estirpe de um Meyer não serve para programas de recuperação da economia que exigem POLÍTICAS PÚBLICAS expansionistas, é o que ocorre hoje com a equipe neoliberal de Chicago sob o comando de Guedes.

Os programas de RENDA e de SALVAMENTO DE EMPREGO E DE EMPRESAS só vão funcionar sem travas, e fazer travas é a especialidade de uma equipe fiscalista neoliberal.

Para manejar o NEW DEAL Roosevelt criou a RECONSTRUCTION FINANCE CORPORATION, uma espécie de BNDES, que salvou 8.000 bancos e milhares de empresas, criando outras, entre as quais a RUBBER DEVELOPMENT COMPANY, que se instalou em Manaus com grandes entrepostos para compra de borracha, meu pai foi um dos primeiros gerentes da empresa. A Rubber nasceu depois o Banco de Crédito da Borracha S.A., hoje BANCO DA AMAZONIA S.A.

Numa outra fase da vida Eugene Meyer foi o primeiro Presidente do BANCO MUNDIAL, já na Presidência de Harry Truman, que demitiu outro Chairman do FED no meio do mandato, Thomas McCabe, por discordar de sua política monetária. Essas quebras de independência jamais são citadas pelos neoliberais brasileiros.

HOMENS INTELIGENTES SÃO MENTALMENTE ECLÉTICOS, MEDÍOCRES NÃO

A maior característica do homem inteligente é a eterna dúvida que leva à contínua busca de caminhos novos. O homem inteligente não se fixa a uma ideologia ou trilho mental, ele se reinventa a cada ciclo da vida, MAS o medíocre se cristaliza em uma única fase da vida e desse caminho não sai mesmo quando finge que mudou.

Na economia isso é um clássico, é raro o neoliberal que tem dúvidas sobre a eternidade da economia de mercado, já o eclético usa a economia de mercado de acordo com o momento social e político. Roosevelt era um aristocrata que nasceu na riqueza, nunca precisou ganhar a vida e era, na visão de hoje, um homem de esquerda, sua prima e esposa Eleanor, mais rica ainda, era tida como “comunista”. Keynes era um conservador alto funcionário do Tesouro da Índia, daquele topo da alta sociedade britânica que é a síntese da cultura, do bom gosto e das boas maneiras, mas tinha a capacidade de enxergar o mundo a cada ciclo. É célebre sua resposta a Lady Astor, deputada ao Parlamento Inglês, “O senhor é muito volúvel, muda de ideia a toda hora”, ao que Keynes respondeu “Eu não mudo, o que mudam são as circunstâncias”. Para a ultra direita de hoje, Keynes é tratado como “comunista”, logo ele que além de um esteta refinadíssimo era também um rico especulador de bolsa, mas tinha aguda visão social, um “vermelho”.

As atuais circunstâncias levam a economia brasileira a um clímax infinitamente mais profundo na recessão do que conheceu em 2019, que já foi um ano difícil, sem crescimento e com alto desemprego e deterioração social. Como essa equipe que foi incapaz de enfrentar desafios muito menores vai resolver o carregamento da crise anterior não resolvida com a nova crise do Coronavírus e seu desdobramento econômico-social?

Minha visão é de que não vai resolver porque lhes faltam os instrumentos mentais e políticos, internos e externos, faltam a flexibilidade, a experiência, a audácia e, mais do que tudo, a empatia com o povão que já estava fora do radar de um projeto que pretendia resolver todos os problemas econômicos com reformas, privatizações e concessões. E agora, com o vírus como tempero, prometendo multiplicar por dez os problemas e o tamanho das tarefas de recuperação da economia e da inclusão e proteção social dos mais frágeis que são a maioria, as tarefas serão monumentais na crise e no pós-crise, cujo rescaldo será tão complicado como foi a própria crise, tarefa de grandes estadistas.

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