Paulo Guedes tem privilegiado as relações com o universo do
sistema financeiro para transmitir seus recados de forma mais ampla
Paulo
Kliass
https://www.brasil247.com/
O simbolismo do superministro Paulo Guedes tem sido um elemento importante para assegurar um patamar mínimo de credibilidade para o governo junto ao seleto circuito do alto financismo em nosso País. Ele costuma ser apresentado por seus bajuladores como alguém audacioso, destemido e corajoso. Aquela velha lenga-lenga do “homem que faz”.
Ocorre que a realidade costuma ser um pouco mais complicada
do que as intenções desse pessoal. A aplicação do receituário da cartilha
ultrapassada do aprendiz de neoliberalismo não surtiu os efeitos desejados. O
PIB de 2019 conseguiu ser mais diminuto (1,1%) ainda do que os pibinhos
registrados sob a gestão Temer, quando a economia era comandada pelo também
banqueiro Henrique Meirelles. Assim, o mito da eficiência logo caiu por terra.
Já no quesito audácia e coragem, qualquer tipo de avaliação entra
necessariamente pela seara do subjetivo. O old chicago boy é chegado - isso é
forçoso reconhecer - em uma boa bravata. Fala pelos cotovelos e se acha o ó do
borobodó. Mas ao longo dos últimos meses - e bem antes do início da crise do
covid 19 - ele anda morrendo de medo do contato com a população e com a
imprensa.
Sincericídio de Guedes
Paulo Guedes tem privilegiado as relações com o universo do
sistema financeiro para transmitir seus recados de forma mais ampla. Faz
conversas ao vivo patrocinadas por bancos e demais entidades congêneres, em
ambientes onde pode se sentir mais relaxado e mais à vontade. Por ali nunca
aparecerão perguntas incômodas e muito menos saias justas comprometedoras. O
único problema com que ele se defronta em tais situações é ele mesmo. Mas isso
é inescapável. Por vezes, Guedes se solta por inteiro e revela elementos de seu
pensamento profundo que terminam por se transformar em verdadeiros
sincericídios. O episódio mais recente deu-se em uma conversa privilegiada sob
os auspícios de um dos grandes bancos de nossas terras, o Itaú. Pois foi lá que
ele se saiu com a famosa imagem do Brasil com sua população sendo espoliada
pelas instituições bancárias. Quis a ironia da história que a afirmação fosse
pronunciada por um dos profissionais que mais se beneficiou desse modelo
concentrador do financismo e dirigida àqueles que o convidaram, um dos maiores
bancos privados. Quem assistiu à conversa, registrou a fala:
(...) “Em vez de termos 200 milhões de trouxas sendo
explorados por seis bancos, seis empreiteiras, seis empresas de cabotagem, seis
distribuidoras de combustíveis; em vez de sermos isso, vai ser o contrário.
Teremos centenas, milhares de empresas” (...)
Acredite quem quiser. Impossível imaginar que Paulo Guedes
tenha, subitamente, se convertido em um crítico de algumas das características
mais marcantes do capitalismo contemporâneo. Por um lado, o processo de
dominância da dimensão financeira sobre o conjunto das demais atividades
econômicas. De outro lado, o processo também inexorável e cruel da
concentração, da centralização e da oligopolização dos principais setores da
economia. Aliás, ele só conseguiu construir sua trajetória profissional e
acumular seu patrimônio graças a essas duas características do chamado
“mercado”. Soa mesmo a um deboche esse tipo de declaração do homem forte de
Bolsonaro para a economia.
Os “trouxas” exigem mudanças
A única verdade da fala é a exploração a que vem sendo
submetida, há décadas - diga-se de passagem - a grande maioria da
população brasileira, em seu cotidiano pela ação coordenada e deletéria do
parasitismo financista. Já a qualificação de “trouxas” fica por conta do
conhecido preconceito de classe de nossas elites, que não se sentem assim tão
exploradas por esse sistema bastante perverso. Na verdade, pelo contrário, são
elas maiores beneficiárias do mesmo. E Paulo Guedes nada mais fez do que
verbalizar tal sentimento. Sentiu-se em casa e soltou o verbo, sem nenhuma auto
censura. Os “trouxas” quase não têm mais acesso a cédulas de reais. A grande
maioria das operações do cotidiano são realizadas por meio do “dinheiro de
plástico”, como foram chamados os cartões no momento de seu surgimento como uma
revolução tecnológica pré universalização do mundo digital. Hoje em dia, tudo
se faz por meio de toques e cliques nos celulares. A dependência ao sistema
financeiro é absoluta. É por ali que se recebem os salários e demais
provimentos. É por ali que são realizadas os pagamentos, as compras e demais
formas de consumo. Ora, sob tais condições, o caminho mais relevante para
garantir direitos e evitar abusos é por meio da presença do Estado. Seja na
condição de agente fiscalizador e regulador de tais atividades, seja na
condição de empresas estatais atuando no próprio mercado e impondo outro
patamar de conduta. Mas esse é exatamente o oposto do que pensa Guedes. Ele
quer privatizar Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES e os demais
bancos estatais. Ou seja, pretende transformar a meia dúzia de bancos em um
paraíso completo para o capital privado continuar explorando a grande maioria
de nossa sociedade. Já no quesito fiscalização e regulação, o Banco Central e
demais agências e órgãos de controle do sistema financeiro continuam sob o
comando das raposas. Ao invés de fazerem valer os interesses de todos os que
não participam dos conluios e benesses do financismo, a tecnocracia acaba por
ser capturada para defender os desejos e as vontades daqueles que deveriam ser
o objeto de maior controle e rigor.
Contra a privatização e por mais regulação
A busca de alternativas, a exemplo das cooperativas de
crédito e das empresas de menor porte voltadas para o micro crédito, são
importantes e necessárias. Mas não tenhamos a ilusão de que isso se fará da
noite para o dia e que os grandes conglomerados privados do setor bancário
assistirão a essa perda de poder e de dinheiro de forma passiva. Não existe
solução para democratização do acesso aos serviços financeiros sem uma forte
participação Estado brasileiro em todos os processos a eles relacionados. Isso
significa a necessidade emergente de reforçar de forma ampla a luta contra as
intenções privatizantes do liberaloide que ainda fala em nome de Bolsonaro para
assuntos econômicos. E também significa impedir que seja dada sequência ao
processo de desmonte das instituições e políticas públicas em nosso País. A
crise da covid 19 está deixando cada vez mais claro que nosso problemas não são
de um suposto “excesso de Estado”, tal como propagandeado pelos grandes meios
de comunicação ao longo das últimas décadas. Aos poucos, os “trouxas” estão se
dando conta de que o caminho é exatamente o oposto. Precisamos defender nossas
instituições republicanas e desenvolvimentistas, tal como previstas na Constituição.
Esse é dever de todos nós, para preservarmos as condições de retomar em futuro
próximo as alternativas de desenvolvimento social e econômico com inclusão e
redução das desigualdades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12