segunda-feira, 23 de novembro de 2020

BRICS: passado promissor ou futuro otimista?, por Júlia Coury e Rafaela Santos

Uma das principais colocações em relação ao grupo é a sua divergência identitária, cada país tem uma abordagem política e econômica interna, deixando em evidência uma dificuldade em entender a construção e o motivo da união no bloco.

           Por Jornal GGN
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BRICS: passado promissor ou futuro otimista?

por Júlia Coury e Rafaela Santos 

A reunião da cúpula do BRICS na terça feira (17), trouxe muita especulação acerca do bloco internacional, mas ainda pouco se sabe sobre o “status” da organização. O grupo, fenômeno criado pelo Goldman Sachs, no qual Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul eram impulsionados pelo mercado que refletia mudanças profundas na estrutura da economia global, fazia as escolhas de políticas econômicas “certas” e atingia crescimentos econômicos vultuosos. Todavia, com as crises na economia global nos últimos anos, e crescimentos econômicos diminutos de alguns dos membros, a sigla passou a ser questionada pelo nível de importância no debate internacional. Existem dúvidas sobre as convergências e as divergências políticas e econômicas internas, sobre o objetivo de existência, sobre a atuação no sistema internacional e, o pior, sobre sua relevância e permanência perante os outros blocos.

Uma das principais colocações em relação ao grupo é a sua divergência identitária, cada país tem uma abordagem política e econômica interna, deixando em evidência uma dificuldade em entender a construção e o motivo da união no bloco. No Brasil, país que vem enfrentando polarização política e recessão econômica, a eleição do Presidente Jair Bolsonaro, político conservador de extrema direita, marca a nova direção tomada tanto no âmbito doméstico como externo. A sua agenda econômica é pautada pelo liberalismo econômico, com promessas de privatização de empresas estatais, atração de investimentos estrangeiros e fortalecimento do agronegócio. O presidente Bolsonaro é um defensor do bilateralismo, apesar de cobiçar entrar na OCDE, defende um total alinhamento do Brasil aos Estados Unidos e já criticou diversas vezes gestões passadas por priorizarem a agenda Sul-Sul.

Esse novo posicionamento foi recebido com espanto na África do Sul. As declarações do presidente Cyril Ramaphosa ressaltaram que o BRICS é uma família comprometida com o multilateralismo e com o benefício mútuo dos países membros. O presidente africano dirige o país desde 2018 e promete reerguer empresas estatais, buscar investimento externo e “desenvolver” a mineração, uma das principais fontes de renda da África do Sul, a primeira economia do continente africano. Para o país sul-africano, o apoio constante oferecido pelo BRICS às iniciativas empresariais nacionais foram fundamentais para sustentar os pilares de desenvolvimento do país.


O desemprego está em níveis recordes na Índia, o rendimento de agricultores despencou e a produção industrial diminuiu. Além disso, o país lida com retórica nacionalista, polarização religiosa, uma grande quantidade de programas de bem estar social. O Primeiro ministro, Narendra Modi, não poupa esforços para fundir nacionalismo e desenvolvimentismo como políticas do governo.

Para a República Popular da China em 2013, desde que tomou posse como presidente, Xi Jinping realizou reformas para acabar com a corrupção sistêmica e garantir um desenvolvimento mais sustentável da economia chinesa. Os seus mais recentes projetos caracterizam a ascensão da China como potência global, demonstram o caráter mais expansionista de Xi Jinping com relação aos líderes chineses anteriores e posicionam Beijing no centro geoeconômico e político da região. No entanto, iniciativas chinesas podem enfraquecer o dinamismo do BRICS já que o “Belt and Road Initiative” (BRI) é considerado um potencial competidor com o projeto Russo, União Econômica Eurasiática, e diminuem a tradicional influência que a Rússia exerce na Ásia Central. Além disso, a Índia que historicamente possui disputas territoriais com a China, vê a “Maritime Silk Road Initiative (MSRI)”, parte do BRI, como um fortalecimento naval dos chineses no Oceano Índico.

Nesse sentido, a política externa de cada membro pode desafiar a dinâmica e a convergência do bloco. A própria China e Rússia podem ser vistas como revisionistas na arena internacional, cada uma, porém, com objetivos destoantes. O BRICS pode ser visto, na lógica de projeção externa chinesa, como um instrumento de execução do soft-power chinês. O uso dessa ferramenta cultural e econômica visa aumentar a influência política e econômica global chinesa ao exportar sua capacidade doméstica excedente; ao ser uma das principais fontes de Investimentos Externos Diretos (IEDs); ao promover a internacionalização do renminbi; e ao desejar expandir o número de membros com o BRICS Plus . Ao passo que para a Rússia, que tenta restaurar seu status como superpotência, o BRICS pode ser encarado como uma plataforma de discussão de temas relacionados à criação de uma ordem mundial multipolar e uma alternativa às instituições ocidentais.

Os outros membros, Brasil, Índia e África do Sul, entretanto, preocupam-se com os impactos econômicos domésticos originados pelo BRICS. O presidente brasileiro, apesar da retórica de valorização do alinhamento com os EUA em detrimento da China, posiciona-se de modo divergente e pragmático dentro do foro internacional. As perspectivas atuais da abordagem brasileira no BRICS não são pautadas na ideologia de alinhamento Sul-Sul, mas sim nas vantagens econômicas promovidas pelo bloco. Para a Índia, que busca crescimento econômico dirigido pelo investimento em infraestrutura, a dinâmica dos BRICS consiste no aprofundamento da cooperação econômica entre os membros. Assim, possui um forte interesse na manutenção do relacionamento com a China, apesar das disputas fronteiriças históricas. Com relação a África do Sul, a despeito de suas pequenas taxas de crescimento desde que ingressou no bloco, o BRICS é uma forma de atrair investimentos externos e de pressionar por mudanças no sistema global que sejam mais favoráveis ao seu desenvolvimento.

Nesse contexto, é possível perceber as grandes divergências ideológicas, políticas e econômicas entre os países membros. Questiona-se, ainda, a possibilidade de haver futuro relevante para o bloco. Em uma perspectiva de permanência do bloco, a criação do Banco dos BRICS, vista com ceticismo por muitos especialistas, assim como a manutenção dos encontros anuais e a aposta na criação de eventos acadêmicos sobre o tema, são tentativas de forte interação entre os países-membros. Uma outra perspectiva aponta o enfoque nos relacionamentos bilateral intra-BRICS, conforme observado na reunião da cúpula em Brasília no fim de 2019. Assim, não parece fidedigno afirmar uma deteriorização dos laços internos de parceria entre os países do BRICS, mas sim uma transformação do grupo de um agrupamento político para um agrupamento financeiro.

Para vislumbrar um futuro otimista do bloco, será necessário transformar o principal fator de decisão, que antes era o alinhamento Sul-Sul, em atuações pragmáticas, sustentáveis e inovadoras, de modo a focar na criação de maiores oportunidades para o setor de negócios. O bloco carece de iniciativas concretas e relevantes, principalmente, que tragam benefícios diretos as suas populações, assim como promovam maior convergência política entre os membros, visto que os países enfrentam problemas domésticos e possuem planos de expansão na arena internacional divergentes. Portanto, a criação e o fortalecimento de acordos comerciais, internos e em bloco, e a intensificação da cooperação entre outras áreas, como a da saúde, a do meio ambiente e a da tecnologia, podem garantir a força política, econômica e sobrevivência do grupo.

Julia Coury, estudante de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, membro do Elas No Poder, Talento Politize e finalista do programa Talentos do Legislativo 2020.

Rafaela Santos, estudante de Relações Internacionais na Universidade de São Paulo, mentora e professora voluntária de assuntos internacionais no Cursinho popular Lima Barreto – Favela da Vila Prudente.

(Lembrando que as análises e opiniões aqui contidas dizem respeito às autoras e não representam o posicionamento institucional das organizações).

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