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Por Jornal GGN
Militares na Política: Erro 403[1]
por Mauricio B. de Sá
“É impossível para um homem aprender o que acha que já sabe”
Epicteto.
Nicolau Maquiavel (1469-1527) é considerado o fundador da ciência política moderna e uma de suas inúmeras contribuições para o pensamento político foi o olhar para a História, a fim de encontrar nas experiências passadas formas de lidar com as situações presentes e vindouras. Tal proposta está claramente exposta em uma passagem de sua obra Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio:
Quem estudar a história contemporânea e da antiguidade verá que os mesmos desejos e as mesmas paixões reinaram e reinam ainda em todos os governos, em todos os povos. Por isto é fácil, para quem estuda com profundidade os acontecimentos pretéritos, prever o que o futuro reserva a cada Estado, propondo os remédios já utilizados pelos antigos ou, caso isto não seja possível, imaginando novos remédios, baseados na semelhança dos acontecimentos. Porém, como estas observações são negligenciadas (ou aqueles que estudam não sabem manifestá-las), disto resulta que as mesmas desordens se renovam em todas as épocas (MACHIAVELLI, 1994, p.129).
Seguindo a orientação de Maquiavel, consideramos relevante nos voltarmos para duas ocasiões pretéritas, onde os militares brasileiros assumiram o protagonismo na atividade política aberta. O emprego da expressão “política aberta” busca diferenciar a atividade política inerente a integrantes de uma instituição de Estado no exercício de suas atribuições, do sentido específico de disputa de poder, de disputa pelo poder do Estado. Entendemos que não há como dissociar os militares da vida política brasileira, mas, ao mesmo tempo, esta participação pode e deve variar em grau de profundidade, em espaço de atuação e em propósito.
O primeiro momento onde os militares assumiram uma posição privilegiada no campo político do país foi na derrubada do Imperador D. Pedro II, com a subsequente proclamação da República. Os primeiros anos da República foram marcados pelos governos de dois militares: Marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891) e Marechal Floriano Peixoto (1891-1894). Era a primeira vez que os militares alçavam aos altos cargos governamentais. Embora diversos militares tivessem desempenhado importantes atividades durante o Segundo Império, esta era a primeira vez que os rumos do Estado brasileiro seriam definidos por militares; e este segmento tinha demandas específicas, que haviam sido construídas desde o fim da Guerra do Paraguai – momento em que o Exército se reconhece como entidade nacional e corporação:
Durante quatro décadas, um grupo de oficiais idealistas e instruídos lutou para europeizar a sociedade e o exército brasileiros. Esses oficiais desejavam a abolição, a imigração, a industrialização, a construção de ferrovias, um governo honesto e um grande exército formado através da conscrição, além de salários mais altos, promoções mais rápidas e mais justas e melhores condições de vida para os membros das forças armadas (SCHULZ, 1994, p. 141).
Passados quase um ano da proclamação da República, ocorreu o rompimento entre Deodoro e Benjamin Constant – os dois nomes mais importantes do Exército no processo que culminou na República. Entendemos que este acontecimento merece destaque, pois evidencia bem, nos seus detalhes pitorescos, os problemas com que os militares se depararam quando passaram a atuar na política aberta.
As eleições para a Assembleia Constituinte realizaram-se em 15 de setembro e sua primeira reunião foi marcada para 15 de novembro. Pouco tempo depois das eleições, ocorreu um incidente sério no “seio do governo provisório”. O principal interesse da maioria dos políticos era o de achar empregos para os amigos, mas as nomeações provocaram constantes desentendimentos entre o generalíssimo [Deodoro[2]] e seus ministros. Em setembro, o ministro da instrução pública, correios e telégrafos nomeou um conhecido para o cargo de funcionário dos correios no Rio Grande do Norte. Mas o governador daquele estado tinha seu próprio nome e pediu a Deodoro que o seu protegido fosse nomeado para o referido cargo. Quando o generalíssimo pediu a Benjamin que desse preferência ao protegido do governador, Benjamin respondeu que o cargo de escriturário postal não era uma posição política e que ele renunciaria caso o funcionário fosse afastado. Palavras ásperas foram trocadas entre os dois e Deodoro, colocando a mão sobre a espada, exclamou: “Somos ambos soldados; puxe sua espada e eu puxarei a minha”. O poder destruíra a unidade da classe militar (SCHULZ, 1994, p. 153-154).
No dia 15 de novembro de 1890, o Congresso Constituinte se reuniu, encerrando o primeiro ano da República. A corrupção continuava exatamente como durante o Império; a violência e a repressão policial se agravaram; e a inflação começou a atormentar as classes urbanas (SCHULZ, 1994, p. 155).
Esta seria apenas a primeira das rupturas no interior do campo militar. A possibilidade de um golpe caso Deodoro não saísse vitorioso nas eleições de fevereiro de 1891 acirrou a divisão da oficialidade entre “deodoristas” e “não-deodoristas”, com direito a ameaças e distúrbios. No dia 3 de novembro de 1891 Deodoro dissolveu o Congresso e decretou uma ditadura. A Marinha insurgiu-se sob o comando dos almirantes Custódio de Melo e Wandenkolk, ameaçando bombardear a capital (1ª Revolta da Armada). No dia 23 de novembro, Deodoro cedeu e renunciou; o vice-presidente Marechal Floriano Peixoto assumiu a presidência.
Floriano intensificou a participação militar no governo. “Em todos os estados, com exceção de São Paulo e Minas os militares atuaram como governadores provisórios ou como membros de juntas provisórias” (SCHULZ, 1994, p. 172); uma forma de tentar restabelecer a ordem, em face da instabilidade política gerada pela sucessão de governo. Em julho de 1893, oficiais da Marinha envolveram-se numa conspiração contra o governo, mas foram debelados rapidamente – um dos presos nesse levante foi o almirante Wandelkolk, que havia tomado um navio no litoral do Rio Grande, esperando, em vão, que os inimigos de Floriano aderissem. Em 6 de setembro de 1893 o almirante Custódio de Melo inicia a 2ª Revolta da Armada contra Floriano, alegando buscar “trazer a paz ao Rio Grande[3] e eliminar o militarismo”. Custódio, que já sabia da indicação de Prudente de Moraes como candidato do partido da situação – o que frustrou sua intenção de ser indicado como o sucessor de Floriano – contava com expressivo número de oficiais da Marinha e Floriano com ampla maioria do Exército. Floriano saiu vitorioso do embate e terminou seu governo em 1894, mas sem condições de emplacar um sucessor e dependente do Partido Republicano Paulista (PRP). Prudente de Moraes, o primeiro presidente civil da República, assume em 1894 com uma classe política decidida a não ter os militares de volta ao poder e com os militares enfraquecidos e divididos internamente. Segundo Schulz:
[…] o Marechal Deodoro governou sob o pior escândalo financeiro e a mais séria desordem monetária de sua geração. […] Ainda mais, Floriano prendeu adversários sem processo judicial e mandou fuzilar seus inimigos capturados, inclusive civis. Gradualmente a elite civil compreendeu que um governo militar era indesejável, tanto por razões políticas quanto econômicas (SCHULZ, 1994, p. 204).
Também na literatura podemos encontrar referências a este período da participação militar na política. Em 1911, Lima Barreto publicou nos folhetins do Jornal do Comércio, em três partes, o romance Triste Fim de Policarpo Quaresma. A obra está ambientada no fim do século XIX e engloba o período do governo Floriano Peixoto. Nela, de forma muito arguta, o autor capta como o militar era percebido na época. No trecho reproduzido abaixo, o major Quaresma atende ao chamado do Coronel diretor do Arsenal, em face de um ofício encaminhado ao Ministro da Guerra, que, por descuido de Quaresma, foi encaminhado na língua Tupi:
– Então o senhor leva a divertir-se comigo, não é?
– Como? fez Quaresma espantado.
– Quem escreveu isso?
O major nem quis examinar o papel. Viu a letra, lembrou-se da distração e confessou com firmeza:
– Fui eu.
– Então confessa?
– Pois não. Mas Vossa Excelência não sabe…
– Não sabe! que diz?
O diretor levantou-se da cadeira, com os lábios brancos e a mão levantada à altura da cabeça. Tinha sido ofendido três vezes: na sua honra individual, na honra de sua casta e na do estabelecimento de ensino que freqüentara (sic), a escola da Praia Vermelha, o primeiro estabelecimento científico do mundo. Além disso escrevera no Pritaneu, a revista da escola, um conto – “A Saudade” – produção muito elogiada pelos colegas. Dessa forma, tendo em todos os exames plenamente e distinção, uma dupla coroa de sábio e artista cingia-lhe a fronte. Tantos títulos valiosos e raros de se encontrarem reunidos, mesmo em Descartes ou Shakespeare, transformavam aquele – não sabe – de um amanuense em ofensa profunda, em injúria.
– Não sabe! Como é que o senhor ousa dizer-me isto! Tem o senhor porventura o curso de Benjamim Constant? Sabe o senhor Matemática, Astronomia, Física, Química, Sociologia e Moral? Como ousa então? Pois o senhor pensa que por ter lido uns romances e saber um francesinho aí, pode ombrear-se com quem tirou grau 9 em Cálculo, 10 em Mecânica, 8 em Astronomia, 10 em Hidráulica, 9 em Descritiva? Então?!
E o homem sacudia furiosamente a mão e olhava ferozmente para Quaresma que já se julgava fuzilado.
– Mas, senhor coronel…
– Não tem mas, não tem nada! Considere-se suspenso, até segunda ordem. (BARRETO, 1915, p.105-107).
Outro período paradigmático em que podemos encontrar a atuação direta dos militares na política aberta foi durante a Ditadura Militar (1964-1985). Também neste período podemos identificar os efeitos que a política aberta exerceu sobre o segmento militar. Especificamente, o gradual desgaste de sua imagem perante a população em geral e o meio político, bem como, uma marcante divisão interna, que vai se agravando conforme a permanência no poder alonga-se no tempo. Como destacou Walder de Góes, o fim do Regime Militar decorreu do elevado custo percebido pelos próprios militares: “[…] o refluxo reflete meramente um diferencial de custos, isto é, os custos da intervenção ostensiva se tornaram conjunturalmente mais altos para os militares do que os custos da isenção relativa” (GÓES, 1988, p. 234).
Nesse sentido, as eleições de 1974 foram um marco importante, pois indicaram que o governo militar estava com tal desgaste, que poderia perder dentro das regras de seu próprio jogo:
Com as eleições realizadas com relativa liberdade de debate, o resultado foi alentador para a oposição. Ela obteve 50% dos votos para o Senado (contra 37% da ARENA) e 37% para a Câmara (contra 40% da ARENA). Mais do que isso, saiu vitoriosa nas grandes cidades e nos estados mais desenvolvidos. Conseguiu a maioria das assembleias legislativas de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Acre e Amazonas. Fez 16 dos 22 senadores eleitos, e 165 dos 364 deputados federais (na legislatura anterior, tinha apenas 87). Com mais de um terço do Congresso, o MDB poderia bloquear emendas constitucionais, complicando o projeto de “institucionalizar o regime”, atrapalhando, assim, o projeto de distensão (NAPOLITANO, 2016, p. 246).
As cisões internas no segmento militar também aumentaram e em diversos momentos a disputa transbordou os limites internos do governo militar. Assim foi com os atentados de extrema direita contra a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 1976 e a tentativa de golpe do general Silvio Frota em 1977. Segundo Napolitano:
[…] as Forças Armadas davam sinais de divisão crescente no segundo semestre de 1976, entre aqueles que queriam recrudescer o autoritarismo policialesco (“duros”) e aqueles queriam a volta aos quartéis e o aprofundamento das medidas democratizantes (NAPOLITANO, 2016, p. 252).
De 1978 a 1981 houve uma série de atentados realizados pela extrema direita, numa tentativa de refrear o processo de distensão: “Entre abril e outubro de 1978, 26 atentados; entre julho de 1979 e abril de 1980, 25 atentados, conforme o jornal Em Tempo” (NAPOLITANO, 2016, p. 294). No governo Figueiredo (1979-1985), último da Ditadura Militar, a situação só se agravava – a inflação de 1980 chegou aos 110%. Para José Paulo Netto, foi um verdadeiro “desastre econômico-social”:
Entre 1979 e 1984, a renda per capta reduziu-se em 25%; entre junho de 1982 e abril de 1985, os salários reais caíram 20%; entre 1981 e 1983, com o setor industrial experimentando uma retração de 52% […]; em 1981, 30,3% da população economicamente ativa do país estava desempregada ou subempregada […]; em 1985, 35% de todas as famílias e 41% de todos os indivíduos (cerca de 54 milhões de brasileiros) viviam em condições de pobreza […] (NETTO, 2014, p. 214).
Em 1981, ocorreu aquele que ficou conhecido como atentado do Riocentro, quando uma bomba explodiu dentro do próprio carro em que era preparada por dois agentes do DOI-CODI[4] do Rio de Janeiro (um sargento e um capitão). Os desdobramentos desse caso criaram uma crise interna ao governo, pois podiam atingir diretamente o Exército; e acabou levando ao pedido de renúncia do ministro chefe da Casa Civil, general Golbery do Couto e Silva.
Considerações Finais
Em dois momentos, um no séc. XIX e outro no séc. XX, os militares brasileiros decidiram atuar na política aberta e os resultados finais desse protagonismo mostraram-se semelhantes: fracasso na condução econômica nacional, divisão interna das Forças – com o grave comprometimento da hierarquia e disciplina –, desgaste da imagem das Forças perante a população e descrédito frente às forças políticas nacionais. Em ambos os casos, ao final, os próprios militares viram-se obrigados a reconhecer a necessidade do abandono da política aberta, em prol da manutenção de sua coesão interna e preservação de sua imagem como corporação militar, retornando às suas atribuições institucionais.
Como diz uma famosa música de 1969, interpretada por Elvis Presley[5]: Well the world turns; e eis que chegamos ao séc. XXI. Façam suas apostas.
Mauricio B. de Sá – Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense – UFF.
Referências
BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. 1915. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/policarpoE.pdf>. Acesso em: 28 out. 2020.
GÓES, Walder de. Militares e Política, uma estratégia para a democracia. In: REIS, Fábio Wanderley; O’DONNELL, Guillermo (Org.). A Democracia no Brasil: dilemas e perspectivas. São Paulo: Vértice, 1988.
MACHIAVELLI, Niccolò. Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994. 3. ed. 440 p.
NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2016.
NETTO, José Paulo. Pequena História da Ditadura Brasileira (1964-1985). São Paulo: Cortez Editora, 2014.
SCHULZ, John. Exército na Política: Origens da intervenção militar 1850-1894. São Paulo: EDUSP, 1994.
[1] Erro 403: Erro 403 Proibido é um código de status HTTP. Quando você encontra essa mensagem de erro, basicamente você está tentando alcançar um endereço ou um site ao qual está proibido de acessar. Disponível em: <https://www.hostinger.com.br/tutoriais/o-que-significa-erro-403>. Acesso em: 28 out. 2020.
[2] Proclamada a República, Deodoro foi aclamado como generalíssimo, Wandenkolk como vice-almirante e Benjamim Constant general de brigada.
[3] Referindo-se à Revolução Federalista, iniciada em fevereiro de 1893 no Rio Grande do Sul.
[4] DOI-CODI: Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna.
[5] In the Ghetto, escrita por Mac Davis, gravada em 1969 no American Studio em Memphis.
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