Por Luis Nassif
https://jornalggn.com.br/Por Rodrigo Mesquita
Hoje, como o Tow Center da Columbia University demonstrou no Guide to Advertising Technology (https://www.cjr.org/tow_center_reports/the-guide-to-advertising-technology.php), publicado em dezembro de 2018, quem domina, quem manda na internet, são as tecnologias publicitárias. Por isso, o debate cívico em todos os ambientes das plataformas sociais e nas redes socais que nelas se formam é regido também pela lógica das vendas, que privilegia a emoção em vez da razão criando vieses artificiais e tendenciosos de trânsito das informações.
Essa não é a única explicação para o processo contínuo de desinformação (mis-, dis- e mal-information) que vivemos, muito bem descrito no documento INFORMATION DISORDER: Toward an interdisciplinary framework for research and policy making (https://rm.coe.int/information-disorder-toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c) da Comissão Europeia, que está servindo de base para o início da regulamentação da ação dos gigantes da tecnologia. Mas é a principal.
Tecnologia publicitária é descrito no documento do Tow Center como o sistema de softwares, servidores de dados, agências de marketing e mercados de dados que facilitam a venda de informações sobre os usuários e a exibição (display) de mensagens publicitárias para o público da internet, incluindo sites de buscas, redes sociais e aplicativos. A grande maioria dos sites e das plataformas sociais são sustentados por “ad tech”.
Das fontes aos filtro de leitura, à reverberação e o resultado: novas narrativas com novos sentidos
Misinformation ocorre quando informações falsas são compartilhadas, mas não há intenção de causar danos; disinformation, quando informações falsas são deliberadamente compartilhadas para causar danos; e malinformation é quando informações genuínas são compartilhadas para causar danos, geralmente movendo informações destinadas a permanecer privadas, segundo o documento da Comissão Europeia e que no nosso dia a dia acabou tudo sendo genericamente classificado como fake news.
Redes sociais são processos de conversação na rede, não ferramentas/plataformas sociais
Os fluxos de informações digitais das redes sociais, que rodam sobre aplicações na infraestrutura da internet, são formados pelo público que dedica mais tempo e atenção a estes processos informativos do que a fontes qualificadas. A infraestrutura da internet é neutra, mas as aplicações que se constroem sobre ela não. Estes fluxos carregam narrativas – processos de elos e conversações temáticas da opinião pública – muitas vezes estimuladas por campanhas armadas para semear desconfiança, confusão e com isso estimular divisões socioculturais existentes se valendo de tensões políticas, nacionalistas, étnicas, raciais e religiosas.
Nesse contexto é preciso ter claro que as Big Tech – os maiores responsáveis por esta situação – estão se transformando em “utilitários para a democracia”. Essas empresas não levam isso em consideração e muito menos têm sistemas de governança adequados para esta responsabilidade. Elas controlam a infraestrutura social que usamos para comunicação e organização, expressão política e tomada de decisões coletivas. Seu controle sobre essa infraestrutura concentra o poder econômico, o poder social e o poder político.
E a imprensa? A imprensa parece estar mais empenhada em montar modelos de negócios baseados em assinaturas do que se valendo da tecnologia disponível para montar sistemas que permitam acompanhar e cobrir jornalisticamente a conversação do público nas redes sociais. Investe mais em processos de distribuição de notícias e mensuração de leitura em “sites murados” do que em sistemas de monitoramento das redes sociais que sejam termômetros dos fluxos de conversação do público. Não com o objetivo de modelar o que se passa, mas sim mostrar o que se passa.
Numa sociedade complexa e fragmentada, o jornalismo depende de centrais de monitoramento
Nenhuma empresa do setor jornalístico se dispôs a refletir um minuto sobre a possibilidade de provocar, fomentar e mediar processos de formação de redes sociais em torno das questões básicas da sociedade: educação, saúde, infraestrutura, segurança, saneamento, ciência e tecnologia, com suas subdivisões, interações e articulações com os problemas sociais, políticos e econômicos que nos afligem. Apresentando essa cobertura jornalística para o público em páginas temáticas tecnologicamente dinâmicas, editadas (especificadas) e analisadas por jornalistas, preparadas para estabelecer uma nova relação interativa com o público e gerar produtos de informação, buscar patrocínio e outras formas de remuneração em vez de disputar cliques por cada mil acessos com os impérios tecnológicos.
Processando as informações de centrais de monitoramento integradas às redações
O mundo mudou. Na Idade Média quem dominava a informação era Igreja e o poder temporal. Com a Renascença e o conjunto de inovações que a impulsionaram, entre elas a criação da prensa por Gutenberg, a Igreja e seus aliados perderam este monopólio. A burguesia ascendente teve acesso ao conhecimento e à possibilidade de publicar e vender suas ideias e valores.
Em meados do século 19, o jornalismo começou a virar negócio. As publicações deixaram de ser panfletos de vida efêmera para se tornarem perenes e gerarem uma plataforma de negócios. O apogeu disso ocorreu entre as duas grandes guerras. Hoje, numa sociedade muito mais complexa e fragmentada, este modelo que nasceu interativo e com o tempo se desconectou do público morreu. O desafio é abrir-se ao público, ouvindo-o antes de formular mensagens, que devem sempre estar abertas ao retorno, ao diálogo. A notícia – uma fonte de modelos compartilhados a respeito do mundo – é e sempre foi um convite para a participação. Ela é um meio e não o fim.
Em 1930, São Paulo tinha 800 mil habitantes e o principal jornal da cidade circulava com cerca de 80 mil exemplares. Seus classificados eram a principal rede de vendas da cidade. Não existiam cadeias de lojas ou de supermercados. Os jornais aqui e em cidades semelhantes eram os principais canais de vendas de uma enorme gama de produtos e serviços – uma plataforma de relacionamento ajustada e adequada como nenhuma outra até aquela época. Isso permitiu que os jornais desenvolvessem em todo mundo um jornalismo caro e sofisticado.
Curador, articulador, observador e editor das redes sociais, o novo papel dos jornais
A segmentação da informação, que é possível hoje graças ao poder de distribuição cada vez mais barata e rápida, leva naturalmente à formação das comunidades, e de comunidades dentro de comunidades, e a atenção compartilhada dá um centro de gravidade a elas. A interatividade que a rede traz leva às tecnologias de colaboração, de compartilhamento e de geração de novos espaços de conexão humanos, e cria todo um novo modelo de produção de conteúdo e de riqueza. É esta a mudança mais profunda e radical e, neste contexto, as empresas de informação deixaram de ser o centro.
O futuro da mídia está nas mãos do público. As tradicionais empresas jornalísticas, os políticos, o governo e o marketing das corporações distanciaram-se da sua dimensão humana ao se colocarem em pedestais frente ao público. Não admitem erro. Por isso, resistem em entrar em processos de conversação e têm enorme dificuldade para perceberem que a notícia não acaba quando é impressa e difundida. Não percebem que o verdadeiro ciclo da história começa aí, quando o público levanta questões, acrescenta fatos e corrige erros, levando a uma nova perspectiva mais próxima da verdade.
No Brasil, o introdutor do jornalismo moderno, o jornalismo desvinculado de partidos políticos e das elites, foi o jornalista e empresário Júlio Mesquita. Quando ele morreu em 1927, o jornal O Estado de S. Paulo era considerado uma instituição da cidade. No final da vida, ele cunhou esta frase: “Jamais ousei imaginar que tinha o direito ou o dever de formar a opinião pública do meu Estado. Tudo que fiz na minha vida foi procurar sondar a opinião pública e me deixar levar tranquilo e sossegado pelas correntes que me pareciam mais acertadas”.
Júlio Mesquita transformou O Estado de S. Paulo num grande negócio porque tinha consciência de que jornal era do público e é um conceito, o ponto de encontro, a Ágora da pólis, a cidade-Estado na Grécia da Antiguidade clássica. Esta missão está viva na rede. A demanda de serviços e produtos de informação para a articulação e organização da sociedade é enorme. Os processos informativos das mídias sociais são um novo componente, mas ainda não conformaram o ponto de encontro, a praça para a reflexão sobre onde estamos e para onde vamos.
O modelo do jornalista Júlio Mesquita transposto para o tempo das redes
Rede social é a base das suas relações, seja você um indivíduo, uma entidade, uma empresa, um setor da economia, um partido político, uma igreja, o que for. Fornecer a arquitetura e estruturar estes processos na rede e suas ferramentas/plataformas é a extensão natural do papel histórico dos jornais, das tradicionais empresas de informação, do mundo analógico para a sua extensão digital. Da informação segmentada para setores da sociedade para a organização de suas comunidades de interesse por meio de monitoramento, curadoria, agregação e articulação da informação do público, o que significa também geração de informação. O conteúdo ganha novos significados, num novo contexto, mas com a mesma perspectiva.
Não existem dois mundos. Um analógico, outro digital. O rejuvenescimento e revigoramento da economia analógica depende da evolução da economia digital, que é consequência da evolução da economia da era industrial e do gênio humano. Uma das principais áreas de cobertura jornalística hoje é a própria internet, na medida em que as fontes primárias estão presentes na rede e que o público, a cidadania, está lá num processo de conversação sem fim debatendo seus problemas, ansiedades, sonhos e perspectivas. Falta disposição aos jornais para voltarem a ser parceiros do público.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12