Ex-presidente Lula (Foto: Stuckert)
Aldo Fornazieri
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Além de ser o maior líder do Brasil, Lula é também o político mais astuto. É um grande líder porque é um grande astuto. Agrega à astúcia, a inteligência e a capacidade de percepção da realidade política. Provavelmente, Lula havia se tornado invencível eleitoralmente. Por isso, foi golpeado para que seu caminho fosse bloqueado. O resultado desse golpe todos sabem: a tragédia do governo Bolsonaro. Foi vencido politicamente pela força e pela fraude.
Na entrevista que Lula concedeu a Kennedy Alencar, da UOL, indicou caminhos, traçou uma estratégia. Certa ou não, arriscada ou não, é uma estratégia. Ao anuncia-la, Lula decidiu correr o risco. Certamente, é melhor ter um caminho do que não ter caminho nenhum, como vinha sendo a situação do PT. Lula parece seguir aquele dito de Boccaccio que afirma que “é melhor fazer e se arrepender do que não fazer e se arrepender”. Se a estratégia se confirmar como acerta, Lula será louvado. Se errar, será criticado.
O que se pode fazer, agora, é discuti-la. O primeiro ponto discutível consiste em analisar se foi correto Lula revelar toda estratégia. Júlio César não faria isso. Talvez Lula agregasse mais se revelasse apenas parte da estratégia e não sua totalidade. O ponto principal é que em 2022 não haverá frente de esquerda ou frente popular. Ou melhor: só haverá se os outros partidos aceitarem o candidato do PT. Lula afirmou que os partidos de esquerda devem ter seus candidatos e que a frente ocorrerá no segundo turno. Talvez tivesse sido melhor definir internamente que o PT terá candidato e anunciar publicamente que o partido lutaria para a construção de uma frente de esquerda.
Ao anunciar que o PT terá candidato e ponto, Lula criou uma saia justa no PCdoB, no PSOL, na Rede e no PSB. Deixe-se de fora o PDT. Ou esses partidos, agora, buscam outra alternativa de frente ou constroem um caminho próprio. Se aceitarem a decisão consumada do PT a aceitarão na condição de caudatários.
O segundo ponto da estratégia consiste em que Lula já definiu quem será o candidato do PT: Fernando Haddad. Dada a definição do primeiro ponto da estratégia – a de que o PT terá candidato independentemente da frente – então a definição antecipada de que Haddad será candidato está correta. Supera a indecisão e a indefinição e o candidato se põe a campo para reforçar sua liderança.
O terceiro ponto, subsidiário ao segundo, consiste em que Lula, praticamente, descartou sua candidatura. Mesmo que juridicamente o caminho da candidatura fique desobstruído, dificilmente Lula aceitará ser candidato. Só será se a situação política for marcada por uma excepcionalidade extraordinária.
A estratégia de Lula tem um pressuposto fundamental: As eleições de 2022 se definirão com um segundo turno entre Bolsonaro e o candidato do PT. O PT estará no segundo turno. Em que pese o desastre do governo, Bolsonaro deverá estar no segundo turno porque tem a máquina na mão. Como Bolsonaro tem rejeição de 70%, Haddad será eleito presidente, segundo a estratégia.
Se alguém desses dois polos for deslocado, será Bolsonaro e não o candidato do PT. Com os 47 milhões de voto de 2018, Haddad estará lá. Lula descarta um segundo turno entre o candidato do PT e outro candidato de centro-esquerda – Ciro por exemplo. Descarta também um segundo turno entre Bolsonaro e um candidato de centro-direita. Toda estratégia e todo risco que Lula assume ao expô-la por completo se assenta nesse pressuposto.
O pressuposto é lógico. Ele faz todo sentido político. Mas, em política, muitas vezes a lógica falha. A atividade política está muito sujeita à intervenção do imprevisto, do contingente, do acaso. A Deusa Fortuna costuma mudar os ventos da sorte e pregar peças monumentais até mesmo aos grandes líderes. O próprio Lula foi tolhido pelos tempos revoltos e tormentosos da mudança brusca dos ventos.
Todo grande líder combina ousadia com prudência. Nesta estratégia, Lula foi só ousadia. E se o pressuposto falhar? Convém lembrar que Haddad teve pouco mais de 31 milhões de votos no primeiro turno. Foi boa votação. Mas voto não é ativo estocável. Eles dependem das injunções e das interações que ocorrem nas conjunturas. Dependem dos acasos e dos imprevistos. Dependem das virtudes e das astúcias dos candidatos e dos partidos.
Imagine-se um quadro de candidaturas no campo da esquerda e centro-esquerda com Haddad, Ciro, Boulos e Dino. Haddad teria os 29% de votos? Boulos agregou mais liderança do que tinha em 2018. Dino pode surpreender? Como virá Ciro? Para complicar: imagine-se um candidato competitivo na centro-direita que terá que fazer um discurso mais crítico da direita e mais social. Ele deslocaria Bolsonaro ou competiria com Haddad? Talvez tivesse sido melhor ter aberto uma pequena fresta para a prudência.
Cabe mencionar ainda dois outros pontos da entrevista do Lula. Primeiro: ele descartou o impeachment de Bolsonaro. Alegou falta de tempo. Parece que o problema não é a falta de tempo, mas a falta de força e de capacidade das esquerdas e das oposições em geral de mobilizar o povo e criar um ambiente favorável ao impeachment na opinião pública.
Segundo: Lula, acertadamente, sequer mencionou a possibilidade de golpe militar, como setores de esquerda, analistas de esquerda, dirigentes e deputados do PT vêm falando. O equívoco desses setores é de tamanha ordem que viram no vídeo tresloucado do deputado Daniel Silveira uma articulação de Bolsonaro na escalada golpista. Ora, se existe a iminência de um golpe, os dirigentes, deputados e analistas que afirmam tal tese precisam anunciar qual estratégia eles propõem para barrá-lo e qual a estratégia dos partidos e dos movimentos sociais para contê-lo. Caso contrário, acontecerá o que aconteceu em 1964, quando se dizia que existia uma estratégia dos movimentos sociais e sindicais e até uma estratégia militar para dar sustentação a Jango e, na realidade, não existia nada.
O mesmo ocorreu com o impeachment da Dilma. O então presidente da CUT chegou a anunciar que os sindicalistas defenderiam a Dilma e a democracia nas trincheiras. No fatídico 17 de abril as pessoas saíram do Vale do Anhangabaú caladas e cabisbaixas. É preciso ser consequente com aquilo que se fala. Se há a eminência de um golpe, ou há preparação para a resistência, ou se é pusilânime. Se não há evidência de golpe, não se pode enganar a militância e a opinião pública. Uma coisa é denunciar as políticas autoritárias e retrógradas de Bolsonaro e combate-las.
A militância, a opinião pública, precisam ser orientadas com análises corretas e com diretrizes corretas e eficientes de ação política. O fato de existirem grupelhos golpistas, militares da reserva saudosistas da ditadura e o próprio presidente com vontade ditatorial, não significa que haverá golpe. Essa gente precisa ser denunciada, combatida e punida.
Mas os parlamentares e partidos precisam ter senso de prioridade e de responsabilidade, pois são mantidos pelo dinheiro do povo. A prioridade é, 1) vacina para todos; 2) prorrogação do auxílio emergencial; 3) proteção do emprego e da renda; 4) Fora Bolsonaro. Além disso, é preciso mobilizar e organizar o povo para resistir aos retrocessos e criar uma conjuntura favorável para 2022.
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