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O esquema de reprodução de Marx pode ser encontrado no Capital, Volume Two, Part 3, chapters 18 to 21 . O que é este esquema de reprodução? É, como apresenta Marx, acerca do "processo de circulação (o qual na sua totalidade é uma forma do processo de reprodução) ... do capital social agregado". Por outras palavras, como o capital (dinheiro e mercadorias) circula ao nível macro de uma economia, a fim de reproduzir-se de modo que um novo período de produção e acumulação de capital possa recomeçar.
Marx mostra este processo de circulação e reprodução dividindo o capital social agregado em dois departamentos: um que reprodução bens de capital ou meios de produção e outro que reproduz bens de consumo ou meios de consumo. Poderia aqui haver mais departamentos, mas a divisão de Marx não é arbitrária porque ele quer mostrar a natureza de classe da acumulação e reprodução capitalista: com um departamento que produz meios de produção do capital e outro que produz os bens de consumo necessários ao trabalho. Este último pode ser dividido mais uma vez em departamento de "bens de luxo" para o consumo próprio dos capitalista, mas este sub-departamento não é analiticamente essencial no esquema de reprodução de Marx (ao contrário das visões de muitos neo-ricardianos e alguns marxistas).
O que pretende Marx mostrar com o esquema de reprodução? Ele quer mostrar: primeiro, como o capital reproduz-se a si próprio nestes dois departamento; e, segundo, ele quer comparar a reprodução do capital sem qualquer acumulação extra (chamada de reprodução simples) e a reprodução do capital quando ele se acumula (cresce), à qual ele chamou reprodução expandida ou ampliada.
Os esquema assumem que não há progresso tecnológico, de modo que o crescimento (reprodução expandida) pode ocorrer só se um maior montante de meios de produção for obtido. Os esquemas de Marx também assumem uma economia fechada. Assim, meios de produção não podem ser obtidos a partir de quaisquer reservas mantidas em armazéns, etc.
Na reprodução simples, o Departamento I (meios de produção) e o Departamento II (meios de consumo) crescem à mesma taxa (zero). Abaixo está uma tabela tomada do excelente estudo sobre o esquema feito por Andrew Kliman , inspirado no trabalho de Dunayevskaya.
Deptº | c | v | s | W |
I | 250 | 100 | 150 | 500 |
II | 250 | 100 | 150 | 500 |
Total | 500 | 200 | 300 | 1 000 |
Neste exemplo de reprodução simples, ambos os departamentos são da mesma dimensão. Mas onde o Departamento II (bens de consumo) obtém os seus meios de produção a fim de produzir bens de consumo equivalentes a 500 em valor? Os capitalistas dos bens de consumo no Departamento II precisam 250c em valor de meios produção. A resposta é que os capitalistas dos bens de consumo comprar seus 250c meio de produção aos capitalistas dos bens de capital no Departamento I. E isto é possível porque é o montante do novo valor produzido pelos capitalistas dos bens de capital no Departamento I (v100+s150). Portanto temos a fórmula para a reprodução simples: c2 = v1+s1. Isto mostra como o capital circula entre os dois departamento numa economia em crescimento zero.
Mas e quanto a uma economia em crescimento, a que Marx chamou reprodução ampliada ou expandida? O crescimento numa economia fechada só é possível se valor extra for acrescentado ao investimento em meios de produção. De modo que o Departamento I deve ser maior. Isto pode acontecer se alguma parte dos meios de produção recém produzidos que o Departamento II teria obtido for ao invés desviada para o Departamento I. Isto dá ao Departamento I os meios de produção adicionais que ele precisa.
No exemplo de Kliman, o Departamento I obtém um 50c extra em meios de produção e o investimento do Departamento II em meios de produção é reduzido naquele montante. Em consequência, dados os mesmos rácios para c/v e s/v, a produção no Departamento I ascende para 600 e no Departamento II cai para 400. Ver o ano 2 abaixo.
Deptº | c | v | s | W |
I | 300 | 120 | 180 | 600 |
II | 200 | 80 | 120 | 400 |
Total | 500 | 200 | 300 | 1 000 |
Deptº | c | v | s | W |
I | 360 | 144 | 216 | 720 |
II | 240 | 96 | 144 | 480 |
Total | 600 | 240 | 360 | 1 200 |
No ano 3 a seguir, os 600 em meios de produção produzidos previamente são distribuídos com o mesmo rácio entre os Departamentos I e II, como no ano 2. Agora ambos os departamento têm mais investido em meios de produção e assim ambos podem crescer (no tal dos 1000 em valor no ano 2 para 1200 no ano 3).
A transição da reprodução simples para a ampliada exige crescimento equilibrado. O Departamento I deve crescer em relação ao Departamento II. Isto não significa que o sector de bens de consumo deva declinar em termos absolutas, excepto talvez quando "começando do nada" com crescimento zero. Posteriormente, o Departamento II pode crescer. Na verdade, os dois departamentos poderiam então crescer à mesma taxa, tal como o fazem nos próprios exemplos de Marx da reprodução ampliada. Mas o desequilíbrio relativo persistirá. O Departamento II permanecerá relativamente maior do que o Departamento II sob a reprodução ampliada do que sob a reprodução simples. Portanto o esquema de Marx mostra que os departamentos nunca está em "equilíbrio" se pretendermos que ambos são da mesma dimensão e devem crescer juntos ao mesmo ritmo.
Marx não desenvolveu o esquema de reprodução para mostrar que o capitalismo possa acumular harmoniosamente ou em equilíbrio. Esta ideia foi a visão adoptada por marxistas posteriores a Marx, tais como Bauer e Kautsky, os quais tomaras os esquema de reprodução para mostrar que a acumulação sem perturbações poderia ter lugar sob o capitalismo e que as crises poderiam ser evitadas. Hilferding concluiu que as crises eram devidas a desproporcionalidades entre os Departamento 1 e 2 mas que estas poderiam ser evitadas através do planeamento: "na produção capitalista tanto a reprodução numa escala simples ou ampliada pode prosseguir sem perturbação só se estas proporções forem mantidas". Então o capitalismo poderia crescer sem crises.
Rosa Luxemburgo também entendeu mal o esquema de Marx mas a partir da visão oposta. Ela pensava que o desequilíbrio entre a dimensão do Departamento I e o Departamento II ao longo do tempo era a causa das crises porque o consumo seria insuficiente para realizar toda a produção de bens de capital. Ela pensava que havia um desequilíbrio crónico de investimento em relação a consumo que Marx não reconheceu e que isto era o fundamento para crises.
Mas o esquema de reprodução de Marx não foi concebido para mostrar que o capital pode ou acumular-se harmoniosamente ou, alternativamente, gerar crises crónicas de sub-consumo. Sim, o capital não se acumula de um modo harmonioso. Como diz Marx, "procura e oferta nunca coincidem ou se assim acontecer, só por acaso e portanto não pode ser levado em conta ou para propósito científico, deveria ser considerado como não tendo acontecido". Isto significa que há "muitas possibilidades de crises, uma vez que um equilíbrio é em si mesmo um acidente devido à natureza espontânea desta produção". Mas se a oferta cresce mais depressa no Departamento I do que no Departamento II, isso não implica uma escassez crónica, secular, na procura efectiva como pensava Luxemburgo. A procura de investimento pode crescer mais rápido do que a procura de consumo sem crises.
A reprodução simples de Marx exige um "equilíbrio" (uma igualdade) entre o novo valor gerado no Departamento I (vI + sI) e a procura do Departamento II por capital constante (c2). Mas a reprodução ampliada exige que o novo valor gerado no Departamento I exceda a procura do Departamento II por capital constante. Como colocou Lenine: "Marx demonstrou claramente nos seus esquemas, a produção de meios de produção pode e deve superar a produção de artigos de consumo". Ao contrário da conclusão de Luxemburgo de crises a decorrerem do desequilíbrio, Marx adoptou a visão oposta de que o desequilíbrio era necessário para o crescimento, do contrário, "não haveria de todo produção capitalista se tivesse de desenvolver simultaneamente e igualmente em todas as esferas".
Na verdade, uma economia capitalista em expansão com um Departamento I maior do que o Departamento II exprime a lei geral da acumulação capitalista, nomeadamente uma ascensão mais rápida do capital constante em relação ao capital variável, ou uma elevação da composição orgânica do capital. "Acumulai, acumulai! Instam Moisés e os profetas! ... Acumulação por amor à acumulação, produção por amor à produção: esta era a fórmula com que a economia clássica exprimia a missão histórica da burguesia no período da sua dominação. Assim, a economia capitalista torna-se cada vez mais um sistema de produção por amor à produção". Como disse Marx: "Nunca se poderá, portanto, representar a produção capitalista como algo que ela não é, nomeadamente como produção tendo como seu objectivo imediato o consumo de bens ou a produção de meios de gozo, para os capitalistas. Isto seria ignorar o carácter específico da produção capitalista".
Realmente, a própria Luxemburgo via a relação entre o desequilíbrio no esquema de reprodução e a elevação da composição orgânica do capital e, portanto, a lei da lucratividade de Marx: "O crescimento mais rápido do Departamento I em relação ao Departamento II é indiscutível ... Isto também o fundamento da lei fundamental de Marx de que a taxa de lucro tende a cair". Exactamente. Mas ela deixou de reconhecer que isto significava que a causa das crises repousa na lucratividade do capital, não no desequilíbrio entre os departamentos de reprodução do capital. O esquema de reprodução abstracto da causa das crises enquanto tal, a qual, na teoria de Marx, encontra-se nos factores que conduzem à queda da lucratividade, nomeadamente as mudanças tecnológicas de poupança de mão-de-obra e os concomitantes aumentos na produtividade.
Na verdade, quando se pensa nisso, o esquema de reprodução mostra a própria natureza do crescimento económico, nomeadamente, utilizar mais do valor produzido no período anterior para investir em meios de produção extra e em trabalho para aumentar o valor total no novo período. Esta é a lógica do esquema e, empiricamente, é a realidade. Kliman proporciona evidência de que nos EUA, a procura para investimento era 72 vezes tão grande quanto em 1933, ao passo que o PIB era apenas 18 vezes maior e a procura de consumo pessoal era apenas 15 vezes maior (ver gráfico abaixo).

Na verdade, como diz Kliman, os esquemas de reprodução proporcionam um modelo para o chamado processo de "arranque" ("take-off") na industrialização tal como verificado no princípio do século XIX na Grã-Bretanha, no fim do século XIX no Japão e no princípio do século XX na Rússia. Em cada caso o resultado imediato é que os benefícios do aumento da produção não vão principalmente para as classes que consumiriam, isto é, camponeses ou assalariados, mas ao invés para os lucros dos capitalistas (Grã-Bretanha) ou para um excedente do Estado (União Soviética), onde as receitas são utilizadas para nova formação de capital. Assim, o esquema de reprodução pode ser aplicado ao entendimento do processo de crescimento tanto nas economias capitalistas como nas planificadas ("acumulação primitiva socialista").
Seria de esperar que uma economia em crescimento rápido tivesse crescimento mais rápido no investimento do que no consumo. Mas isto não significa que o consumo não ascenda também. Ao contrário, como o investimento proporciona mais valor, o consumo também se pode expandir mais rapidamente do que em economias com baixo investimento e crescimento do PIB. Um bom exemplo disto é o "arranque" da China. A China tem tido um rácio investimento/PIB muito alto (gráfico abaixo).

Os economistas convencionais, especialmente os keynesianos, consideram que isto é má notícia para o consumo dos trabalhadores e precisa ser revertido. Eles baseiam o seu raciocínio no supostamente baixo consumo pessoal da China em relação ao PIB, comparado com economias capitalistas avançadas. Mas isso não é verdade.
Se retirarmos a despesa privada em saúde do rácio de consumo dos EUA em relação ao PIB (ver gráfico abaixo) e, por outro lado, adicionarmos várias despesas de consumo social (saúde, educação, transportes, etc) ao rácio de consumo pessoal da China, a suposta diferença em relação aos EUA e outros países do G7 é consideravelmente reduzida.

Além disso, ao contrário do argumento keynesiano, o crescimento do consumo pessoal na China tem sido mais rápido do que em qualquer economia capitalista avançada nos últimos dez anos. Por que? Porque o crescimento do investimento e do PIB tem sido muito mais rápido.

O enorme "desequilíbrio" de investimento em bens de capital em comparação com o consumo na China pode ter restringido o crescimento salarial, mas não em comparação com países que não tem investido e crescido tão rapidamente. Na década de 2010, o crescimento salarial na China ascendeu 73%, a comparar com o de 43% na Índia, o de 11% nos EUA e o de apenas 3% no Reino Unido.

Na verdade, mesmo modelos de crescimento convencionais (mainstream) chegam à mesma conclusão do esquema de reprodução de Marx. No modelo de crescimento Harrod-Domar em estilo keynesiano , o pleno emprego e o máximo de crescimento potencial exigem que o investimento em cada período seja maior do que as poupanças no ano anterior. Domar comenta que o modelo mostra "que não é suficiente, em termos keynesianos, que as poupanças de ontem sejam investidas hoje, ou ... que o investimento compense a poupança. O investimento de hoje deve sempre exceder as poupança de ontem".
O modelo de crescimento keynesiano fala da "função poupanças"; para Marx, poupanças são lucros porque os trabalhadores não poupam, de modo que há um aspecto de classe no seu modelo de reprodução. Para Marx, a taxa de crescimento da economia depende da proporção do valor excedente que é acumulada e não gasto no consumo dos capitalistas; da taxa de exploração do trabalho produtor de valor excedente e da composição orgânica do capital, estabelecendo o investimento relativo dos lucros em tecnologia ou trabalho. O modelo keynesiano Harrod-Domar é semelhante. Aqui a taxa de crescimento depende da "propensão marginal para poupar" (em termos marxistas, o montante de lucros reinvestidos) e da produtividade desse investimento (em termos marxistas, a taxa de lucro). Mais importante, em ambos os modelos, é a poupança (lucros) do período anterior que estabelece o nível de investimento no período seguinte.
Mas há uma diferença importante entre o modelo de crescimento e o de Marx. Em ambos os modelos, para haver crescimento, o investimento deve exceder o consumo; mas para Marx, sob o capitalismo, que o crescimento do investimento depende da lucratividade, ao passo que numa economia pós-capitalista o investimento depende de decisões de planeamento estatal. Keynes não faz tal distinção e portanto ignora a causa real das crises no capitalismo.
[*] Economista. Este texto constitui uma breve apresentação que fiz num grupo de discussão da juventude do Partido Comunista da Índia (M) acerca do esquema de reprodução de Marx.
O original encontra-se em thenextrecession.wordpress.com/2021/07/06/marxs-reproduction-schema/ . Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .
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