sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Segundas partes… podem ser perigosas


por Jorge Gómez Barata [*]
https://www.resistir.info/

Contra todos os prognósticos, contra as expectativas de Obama, de Havana e do próprio Joe Biden, a sua vitória eleitoral ao invés de contribuir para a distensão no conflito bilateral com Cuba intensificou-o com uma escalada que supera o horizonte de Donald Trump.

Por se tratar de factos com impactos no interior de Cuba e por implicar a soberania nacional, a intenção de impor à ilha um serviço de INTERNET auspiciado e financiado pelo governo dos Estados Unidos é de alta periculosidade, implica tensões imediatas e extremas, sem excluir componentes militares. Trata-se de uma progressão que pode levar ao ciber-espaço a persistente agressão radiofónica iniciada em 1985 com a Rádio Martí.

A desmesura do projecto recorda os dias em que, perante a iminência da vitória eleitoral de Ronald Reagan, o "Grupo de Santa Fé" e a Heritage Foundation elaboraram o Documento de Santa Fé I, uma espécie de Bíblia conservadora que foi aplicada ao pé da letra.

Em relação a Cuba aquele programa não podia ser mais agressivo: "Os Estados Unidos... não podem aceitar o status de Cuba... O preço que Havana deve pagar não deve ser baixo... Entre outras medidas estará o estabelecimento da Radio Cuba Libre sob o patrocínio do governo dos Estados Unidos... Se fracassar a propaganda, há que lançar uma guerra de libertação nacional contra Castro" (sic).

Com Reagan na Casa Branca, Havana assumiu com urgência o anúncio da agressão radiofónica que podia incluir componentes militares e começou-se a trabalhar em três direcções: (1) A denúncia. (2) A criação de capacidades técnicas para interferir nas transmissões. (3) A negociação para evitar a confrontação. Altos cargos do Partido, do governo, das forças armadas e peritos em todas as esferas envolvidas, fiscalizados pessoalmente por Fidel e Raúl Castro, consagraram-se à busca de opções de resposta.

Em Setembro de 1981 o presidente Reagan emitiu a Ordem Executiva 12323, pela qual instalou a "Comissão Presidencial para a Radiodifusão em direcção a Cuba". Paralelamente o Congresso aprovou a lei H. R 5 427 que autorizou a criação de uma estação de ondas médias, com um orçamento inicial de 7,5 milhões de dólares.

Em 1984 nomearam-se os directores da estação, designação que coube a importantes chefes contra-revolucionários e ratificou-se Jorge Mas Canosa, então influente líder anti-castrista, como presidente da Junta Assessora para as Transmissões a Cuba. Em 20 de Maio de 1985 a estação foi ao ar e também se fizeram as interferências de Cuba, que as bloquearam. Em 1990 a agressão radiofónica ampliou-se à televisão com idêntico resultado. Felizmente, em ambos os casos, a eficiência tecnológica arquivou outras medidas.

A questão do momento é se Biden, aproveitando o desenvolvimento das tecnologias para comunicações de serviço público e a eficiência alcançada, está determinado a impor à ilha um serviço de INTERNET pirata que obviamente será ilegal, e se assumirá a responsabilidade histórica de estender a agressão radiofónica e televisiva também ao ciberespaço, pondo à prova Cuba que, em matéria de soberania, carece de uma segunda face.

Nos 35 anos decorridos desde 1985, quando começaram as emissões de rádio americanas para Cuba, às quais se juntou a televisão em 1990, ambas com fracos resultados políticos, com fundos federais, ou seja, com dinheiro dos contribuintes americanos, foram consumidos cerca de mil milhões de dólares.

Desde então, não consigo lembrar de nenhum momento mais perigoso do que o actual. Tranquiliza-me saber que o momento mais negro antecede a aurora. Encontramo-nos lá.

02/08/2021

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[*] Economista, cubano.

O original encontra-se em

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