quarta-feira, 29 de setembro de 2021

O elevado lucro dos bancos no Brasil: resiliência nos anos 2015-2020


por Paula Sarno, Norberto Martins, Luiz Macahyba e Dalton Boechat

A combinação depressão e juros baixos implicaria desafios importantes à manutenção da lucratividade dos bancos no Brasil. Porém, uma análise dos dados nos últimos anos demonstra que o setor bancário manteve uma trajetória confortável de sustentação dos seus lucros. Confira no novo artigo do Observatório da Economia Contemporânea

Os bancos brasileiros já passaram por vários testes ao longo da história, demonstrando uma capacidade de adaptação invejável, especialmente quando comparados com as instituições financeiras de economias semelhantes à nossa.

O fim das receitas inflacionárias decorrente do controle da alta inflação que dominava a economia brasileira nos anos 1980 e a entrada dos bancos estrangeiros no país ao longo da década de 1990 foram situações que exigiram uma reinvenção das instituições financeiras nacionais. Houve uma forte reestruturação do setor, mas os bancos brasileiros se mantiveram dominantes e logo recuperaram sua lucratividade.

Mais recentemente, a crise financeira internacional de 2008 representou um abalo de proporções sísmicas, materializado, por exemplo, nos problemas com derivativos de câmbio de grandes empresas e com complexos empréstimos estruturados em cima de derivativos cambiais. O setor se reorganizou, com maior peso de bancos públicos no crédito e a fusão de duas grandes instituições privadas, mas não houve crise sistêmica.

Agora, nos últimos anos, o desafio diz respeito ao cenário macroeconômico brasileiro. Houve uma combinação peculiar de depressão econômica e juros baixos. A partir de 2015, a economia passou por uma recessão e uma pífia recuperação, à qual se somaram os efeitos recessivos da pandemia de covid-19. Por outro lado, a taxa de juros básica da economia apresentou uma trajetória inédita de queda, que perdurou do final de 2016 até o final de 2020. Taxas de juros de um dígito estão longe de ser a regra no Brasil.

Intuitivamente, espera-se que a lucratividade dos bancos prospere em ambientes macroeconômicos onde vigorem elevadas taxas de juros; há mais dificuldades em sustentar resultados expressivos em conjunturas de queda dos juros. Isto porque uma das principais fontes de receitas bancárias são os juros cobrados nos empréstimos e os ganhos de tesouraria, que dependem da remuneração de operações compromissadas e de ativos cuja rentabilidade está, de alguma forma, associada ao comportamento da taxa Selic.

Também não deveria ser promissora para o setor bancário uma conjuntura macroeconômica sem dinamismo, que tende a reduzir a demanda de crédito por parte das empresas e famílias[1], e impacta a própria disposição das instituições financeiras em ofertar crédito, levando a exigências de colaterais mais robustos e uma seleção mais criteriosa de tomadores.

O binômio depressão e juros baixos, então, implicaria desafios importantes à manutenção da lucratividade dos bancos no Brasil. Porém, uma análise dos dados nos últimos anos demonstra que o setor bancário manteve uma trajetória confortável de sustentação dos seus resultados.

Ao comparar o desempenho médio das instituições financeiras privadas com o das empresas privadas não-financeiras (com registro ativo na CVM), observamos que a taxa de lucro média foi mais elevada e mais estável para o primeiro grupo. Além de não ter sofrido o forte impacto da recessão, que reduziu a lucratividade do setor não financeiro de 8,6% em 2014 para -0,9% em 2015, as instituições financeiras privadas apresentaram, entre 2016 e 2020, uma taxa de lucro média de 15,8% em comparação à taxa de 9,4% obtida pelas empresas não financeiras.

Esse resultado nos parece surpreendente e coloca um desafio de outra ordem para aqueles que têm analisado o comportamento do sistema bancário no Brasil. Como explicar a adaptação rápida das instituições bancárias ao cenário macroeconômico adverso a seus lucros? O economista americano Hyman Minsky já havia nos esclarecido que não seria possível entender a atuação dos bancos no mundo real à luz dos modelos mais ortodoxos, onde as instituições são meros intermediários, repassadores dos recursos disponibilizados por seus depositantes. Minsky nos alertou que os bancos administram ativamente seu balanço e fazem, a todo momento, escolhas em relação a como aplicam seus recursos – compromissadas, títulos, empréstimos etc. – e de onde e como captam recursos – via depósitos, títulos bancários etc.

Ao analisar com mais detalhe os dados de balanço dos bancos comerciais e múltiplos brasileiros verificamos que os resultados obtidos foram possíveis em virtude de sua capacidade de controlar seus custos de captação e reorganizar seus portfólios de empréstimos para linhas com maior retorno, especialmente, às destinadas a pessoas físicas.

Em que pese a queda sistemática e significativa dos juros básicos da economia e, por conseguinte, a queda dos juros recebidos pelos bancos decorrente de sua carteira de ativos, as receitas de juros de crédito auferidas pelas instituições bancárias não caíram na velocidade que poderia se esperar. Pelo contrário: em alguns anos apresentaram, inclusive, crescimento real. Isso porque enquanto se verificava uma queda significativa do crédito às empresas, cujo saldo se reduz de 28% do PIB em 2015 para 21% do PIB em 2016, os bancos foram capazes de sustentar o saldo do crédito concedido às famílias, que se tornou predominante desde 2016.

A maior participação do crédito às famílias na composição da carteira permitiu aos bancos usufruírem das elevadas margens de juros oriundas desse segmento, compensando a queda das taxas na totalidade dos empréstimos. Os empréstimos às famílias representaram praticamente 60% do saldo total de crédito, mas responderam por uma contribuição ainda maior, de aproximadamente 80%, na formação da margem líquida de juros de crédito auferida pelos bancos.

Tal fato parece demonstrar também a importância de que entendamos melhor os determinantes do processo de endividamento das famílias no Brasil no período recente. O comportamento das dívidas pessoais demonstrou resiliência mesmo com a fraca atividade econômica que caracterizou os últimos anos, inclusive após o início da pandemia. É preciso compreender quais os novos condicionantes desse processo, que, à primeira vista, parecem ser diferentes dos processos de financiamento ao consumo nos moldes observados no período de crescimento da década de 2000.

Já quanto ao comportamento das despesas com juros, isto é, as taxas de juros pagas no lado das obrigações assumidas pelos bancos, observa-se o que raramente ocorre com as famílias e empresas não financeiras quando tentam gerir seus orçamentos em momentos adversos: os custos de captação caíram mais que proporcionalmente à trajetória de redução das receitas (os juros recebidos). Com efeito, as operações de captação dos bancos se concentram no curto prazo e, em muitos casos, estão atreladas à taxa Selic. Já parte significativa das operações de crédito é prefixada. Portanto, o ritmo de redução dos juros recebidos pelos bancos é mais lento já que depende de que os contratos antigos vençam ou que sejam renegociados pelos devedores. Em síntese, as despesas de juros refletiram de forma mais tempestiva o efeito da queda promovida na taxa básica de juros no período se comparadas aos volumes de juros pagos pelos bancos em suas operações passivas.

A queda sistemática dos custos sob a forma de juros pagos pelos bancos brasileiros de 2016 a 2019 resultou numa margem de juros incrivelmente estável se levarmos em conta as características macroeconômicas observadas. O resultado de intermediação financeira em relação ao PIB manteve-se em torno de 3% de 2015 a 2019 a despeito da queda da taxa Selic.

É certo que a pandemia trouxe alguns novos elementos. O resultado de intermediação caiu em relação ao PIB para 1,4% em 2020, primeiro ano da pandemia, em decorrência da necessidade de elevação das provisões para devedores duvidosos. Porém, no que se refere à oferta de crédito, verificou-se uma expansão tanto para o segmento de empresas, estimulada pelas medidas emergenciais, como para o segmento de pessoas físicas. As receitas de juros oriundas de operações de crédito cresceram em termos reais, enquanto as despesas se reduziram substancialmente devido ao menor nível histórico da taxa Selic (em termos nominais).

Outro elemento importante da taxa de lucro dos bancos diz respeito à evolução das receitas com tarifas e pacotes bancários, associadas a contas correntes, e de serviços prestados, como, por exemplo, a administração de fundos de investimento, colocação de títulos e corretagem. Desde 2014, essas receitas demonstraram um crescimento real quase que contínuo, atingindo em 2020 o dobro do volume verificado em 2014. Elas representavam cerca de 15% das receitas de intermediação em 2014 e passaram a representar 22% em 2020. Foram, assim, uma fonte importante na busca de rentabilidade pelos bancos, ainda que a partir de 2017 as taxas de crescimento dessas receitas tenham sido decrescentes.

Quando comparamos essas receitas com a evolução das despesas administrativas e de pessoal das instituições financeiras, observamos que entre 2014 e 2019 os bancos foram capazes de amplia-las mais que proporcionalmente às despesas, indicando uma melhora da “eficiência operacional”, segundo indicadores consagrados na literatura. Ou seja, aqui também o setor assegura uma dinâmica entre receitas e despesas confortável, implicando uma contribuição positiva ao resultado operacional dos bancos.

Há que se considerar que nos últimos anos têm ocorrido impressionantes mudanças estruturais que afetam diretamente a capacidade de diversificação das receitas com tarifas e serviços. A entrada de fintechs, o lançamento do sistema de pagamentos instantâneo Pix e a regulamentação do open banking concorrem para acirrar a concorrência no setor bancário e reduzir taxas e tarifas. Os efeitos materiais dessas mudanças ainda não são observáveis nos dados analisados, mas poderão ser mais pronunciados num futuro próximo.

À guisa de conclusão, consideramos importante refletir sobre como a lucratividade dos bancos no Brasil se relaciona com as funções que ele desempenha na economia. No passado recente, várias discussões nos remetiam a qual seria a funcionalidade para a economia de um setor que engordava seus ativos e sua rentabilidade com os resultados advindos de sua carteira de títulos públicos. Também estavam na pauta a elevada concentração do setor e a cobrança de altas taxas de juros na ponta, assim como elevadas taxas de serviços e tarifas.

O que a análise desse período mais recente nos traz de novo? A crescente participação do crédito à pessoa física, a participação de instrumentos de curto prazo nas obrigações bancárias e a contribuição importante das receitas de prestação de serviços e tarifas não são elementos exatamente novos. O que nos parece digno de destaque é a capacidade de resposta rápida e significativa a mudanças macroeconômicas dessas firmas, seja pelo lado do ativo, seja pelo lado do passivo.

As condições prevalecentes nos últimos cinco anos, inteiramente distintas de períodos anteriores, e consideradas por muitos potencialmente adversas à atividade bancária, não geraram uma redução das taxas de lucro e dos resultados operacionais. Os bancos foram capazes de recompor, quando necessário, seu nível de margem de juros e suas receitas operacionais. O setor se direcionou fortemente para o crédito às famílias, mais lucrativo, e viabilizou uma estratégia de ajustar muito rapidamente seus custos às suas receitas. Minsky, nos parece, consideraria este um interessante estudo de caso.

Este artigo sintetiza os principais resultado do Texto para Discussão IE/UFRJ nº 029 “Taxa de lucro dos bancos no Brasil: uma análise dos seus componentes e de sua evolução no período 2015-2020”, disponível em: http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.2.15045.78565.


Paula Sarno é doutora em economia pela UFRJ e atua como pesquisadora de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Economia da UFF; Norberto Martins é doutor em economia pela UFRJ e professor do Instituto de Economia da UFRJ; Luiz Macahyba é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento da UFRJ; Dalton Boechat é bacharel em Ciências Econômicas pela UFF e possui MBA em Finanças pela Coppead/UFRJ. Os quatro são pesquisadores do Observatório do Sistema Financeiro da UFRJ.

O  Observatório da Economia Contemporânea tem como foco a discussão da economia nas suas várias dimensões; estrutural e conjuntural, empírica e teórica, internacional e doméstica. Sua ênfase, porém, será na política econômica, com acompanhamento aprofundado da conjuntura internacional e da economia brasileira no governo Bolsonaro. Fazem parte do Observatório, economistas e cientistas sociais, professores e pesquisadores de diversas instituições, listados a seguir: Alex Wilhans, Alexandre Barbosa, André Calixtre, André Biancarelli, Angelo Del Vecchio, Antonio Correa de Lacerda, Bruno De Conti, Carolina Baltar, Claudio Amitrano, Claudio Puty, Clelio Campolina, Clemente Ganz Lúcio, Cristina Penido, Daniela Prates, David Kupfer, Denis Maracci Gimenez, Elias Jabbour, Ernani Torres, Esther Bermeguy, Esther Dweck, Fabio Terra, Fernando Sarti, Giorgio Romano, Guilherme Magacho, Guilherme Mello, Isabela Nogueira de Moraes, Ítalo Pedrosa, João Romero, Jorge Abrahão, José Celso Cardoso, José Dari Krein, Luiz Fernando de Paula, Luiz Gonzaga Belluzzo, Marcelo Manzano, Marcelo Miterhof, Marcos Costa Lima, Marta Castilho, Maryse Farhi, Nelson Barbosa, Paulo Nogueira Batista Jr., Pedro Barros, Ricardo Carneiro, Tânia Bacelar e William Nozaki.

[1] No caso da pandemia, essa questão se torna mais complexa. Por exemplo, empresas de menor porte acabaram se deparando com uma necessidade de caixa substancial para lidar com a queda nos fluxos de entrada de recursos, levando-as a demandar recursos. Ver: http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.2.32215.50080.

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