quinta-feira, 3 de março de 2022

Entrevista com Lula, ex-presidente do Brasil - "O Brasil está sendo destruído"

Fontes: La Jornada (México) [Imagem: Lula foi recebido pelo secretário de Relações Internacionais do México, Marcelo Ebrard, em sua chegada ao país, onde se reunirá com Andrés Manuel López Obrador (AMLO). Créditos: Secretaria de Relações Internacionais do México]


Luiz Inácio Lula da Silva, mais conhecido simplesmente como Lula, deixou a presidência brasileira no final de 2010, com 87% de aprovação. Naquela época, a grande mídia de seu país enchia suas primeiras páginas com manchetes como “Lula vai deixar a presidência. Mas a presidência sairá dele?

Também naqueles dias, Gilberto Carvalho, seu assessor-chefe e depois coordenador do gabinete de Dilma Rousseff, assegurou que a candidata de Lula faria um bom trabalho, embora também tenha traçado um cenário improvável: "Se Deus quiser, teremos um grande governo e ela ser reeleito. Mas se não, temos um curinga. Digo à oposição 'calma, não fique muito agitado, temos bateria pesada, temos Pelé no banco de reservas'”.

Não aconteceu nos termos propostos por Carvalho (Rousseff foi destituída por meio de uma manobra golpista), mas aos 76 anos, Lula é a estrela na bancada dos suplentes, para enfrentar o neofascista Jair Bolsonaro nas eleições de outubro próximo.

Por ocasião de sua visita ao México, Lula respondeu a um questionário de La Jornada, no qual aborda a situação de seu país, a região latino-americana e sua relação com o México.

Após esta viagem, na qual se reunirá com o presidente Andrés Manuel López Obrador e outros atores políticos, Lula retornará ao seu país para tomar a decisão final sobre sua sexta candidatura à presidência do Brasil (as pesquisas lhe dão ampla vantagem sobre Bolsonaro , que se colocou como vencedor em qualquer um dos cenários possíveis da segunda rodada).

Emir Olivares e Arturo Cano.- O que está acontecendo agora em seu país?

Lula da Silva.- O Brasil está sendo destruído. As pessoas estão empobrecidas... Temos 116 milhões de pessoas vivendo em insegurança alimentar, o Brasil voltou ao mapa da fome. Temos um governo que não governa de verdade, que foca na mentira e não respeita absolutamente nada. Não respeita indígenas, negros, mulheres... e trata governadores e prefeitos como inimigos. Esse governo desastroso, que é resultado direto do sentimento antipolítico de que as elites, com a ajuda dos setores midiáticos, plantadas no Brasil, serão derrotadas este ano nas urnas.

A "antipolítica", continua Lula, foi a resposta das elites que nunca aceitaram governos que atuassem de forma independente e pelos mais pobres. “A ideia de que os filhos dos pobres pudessem ingressar nas universidades, graças a programas de ação afirmativa e apoio financeiro, nunca foi aceita pelas elites.”

Não conseguindo derrotar democraticamente os governos progressistas, as elites criaram "uma espécie de antipolítica" e, com o apoio da grande mídia, promoveram o impeachment de Dilma Rousseff e o processo judicial contra o próprio Lula.

“Qual é o resultado disso? Foi Bolsonaro, que em três anos de governo já teve um impacto tão violento no aumento de mortes que a expectativa de vida dos brasileiros foi reduzida em quatro anos. O Brasil é o segundo país com mais mortes por Covid, há fome e as armas estão espalhadas pela sociedade. Portanto, a rejeição (de Bolsonaro) pelo povo brasileiro é imensa, como mostram todas as pesquisas”.

Emir Olivares e Arturo Cano.- Você já se vê na presidência do Brasil?

Lula da Silva.- Já fui candidato muitas vezes e já fui presidente. Eu nunca me veria como presidente antes das eleições, isso seria um grande erro. Sou um ex-presidente que está avaliando, conversando com muitas pessoas (para decidir) se serei candidato novamente, uma decisão que devo tomar quando voltar do México. Eu tenho uma vantagem e um desafio. Tive muito sucesso como presidente, saí com 87% de aprovação, com o Brasil crescendo 7,5% ao ano e um grande papel no cenário internacional. Tudo isso com democracia, liberdade de imprensa, liberdade de expressão. As pessoas se lembram disso. E meu desafio é voltar, fazer melhor do que já fiz, com toda a experiência e aprendizado que tive ao longo dos anos.

Lula não descarta que as forças conservadoras pretendam impedir sua eventual vitória. “A batalha para restaurar a democracia plena no Brasil será difícil, mas estou otimista. O povo brasileiro já está farto dessa anomalia que vivemos e um democrata será eleito em 2022. O desafio de governar e reconstruir o Brasil é maior do que vencer as eleições.”

Emir Olivares e Arturo Cano.- O que espera de sua visita ao México?

Lula da Silva.- Tenho muitos amigos no México, que vive um momento importante com o governo progressista de Andrés Manuel López Obrador, o popular AMLO. A relação entre Brasil e México é importante por vários motivos, a começar pelo fato de serem os dois maiores países da América Latina.

Lula acrescenta que López Obrador "conseguiu afirmar a autonomia do México sem criar antagonismos, contribuindo para uma relação mais equilibrada em nosso continente, essencial para o desenvolvimento latino-americano".

É preciso, afirma, ir além da troca comercial. “Precisamos trabalhar em um mundo de cooperação, equilíbrio e paz, com instituições internacionais representativas e eficazes. Os problemas ambientais, especialmente o aquecimento global, a pandemia e as desigualdades brutais dentro e entre países, exigem uma profunda reforma da governança global. A América Latina deve estar unida neste esforço por um mundo que quer a paz e não pode mais suportar a guerra”.

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