“Todos os fracassos do movimento operário, sem excepção, resultam… de ele ter repetidamente permitido que as burocracias geradas no seu interior se convertessem numa verdadeira classe exploradora”. João Bernardo.
O Brasil e seu povo vivem hoje o maior ataque do neoliberalismo predador e ultraconservador de toda a sua existência como nação e as consequências deste estado de coisas se refletem na quase total perda de autonomia política, econômica e tecnológica, que transformaram nosso país em um simples satélite dos países desenvolvidos e, até de alguns em desenvolvimento, como é o caso de México, Índia, Taiwan, África do Sul, entra outros.
Contrastando com esta realidade, presencia-se, concomitantemente, um outro fenômeno. Em sua ingênua, porém maldosa tentativa de modernizar nossa economia e tirar o país da lista dos subdesenvolvidos, dando-lhe assim o status de nação moderna e adiantada, nossas elites, com seus prepostos governantes e vassalos, todos sempre tão subservientes às vontades e determinações das nações centrais, literalmente caíram no “canto da sereia”, mas o fizeram com plena sensação de júbilo.
No apagar das luzes do século passado, precisamente na década de 80, a pretexto de reduzir a crise econômica e a miséria no mundo, o grande capital internacional enfiou, “goela abaixo”, dos países subdesenvolvidos, mormente os da América Latina e África, a decisão, por sinal unilateral, elaborada pelo economista norte-americano John Williamson, que ficou conhecida mais tarde como “Consenso de Washington”. A medida foi encomendada a ele por organismos internacionais como Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), instituições que sabidamente existem para defender, e o fazem com toda competência, os interesses dos donos do grande capital internacional. Como é de costume, para suavizar o sentido impositivo e autoritário da medida, os senhores da economia internacional apresentaram-na eufemisticamente como uma recomendação. À época, os economistas defensores do neoliberalismo, buscando engalanar o “embrulho”, amarram-no com reluzentes fitas multicoloridas de ajuda econômico-financeira aos países pobres, apoio ao desenvolvimento tecnológico dos países atrasados e emergentes e, sobretudo, ajuda humanitária para combater a miséria.
Por questão de justiça devo dizer que à primeira hora, o Brasil e o Peru apresentaram resistência à medida, mas ao final, nosso governo capitulou-se diante dos banqueiros e dos países centrais, os quais contaram com a prestimosa ajuda dos Estados Unidos, o principal interessado nos resultados que viriam depois. Nesse processo, as agências citadas, sob a liderança do FMI, exerceram enormes pressões, utilizando ameaças várias de suspenção de investimentos, empréstimos e outras retaliações, numa clara e “desavergonhada” chantagem. Desta forma, ancorados em uma das características essências do capitalismo imperialista e predador, o poder de coação política e econômica, os “pais” da ideia implantaram-na e, em pouco tempo, subjugaram quase todas as nações subdesenvolvidas latino-americanas, africanas e muitas orientais ao receituário do modelo político e econômico neoliberal, favorecedor dos banqueiros e investidores especulativos.
Este fato, por si só, é mais um dos marcos da história das ingerências externas, sobretudo dos e Estados Unidos, na vida política econômica e cultural de nosso país, já que é possível afirmar, com toda segurança, que a história do Brasil se caracteriza muito mais pela intromissão, na maioria das vezes exercida pura e simplesmente pela coerção e muito menos pela visão romântica, diria eu, até soberba, que se expressa no verso (...) “Gigante pela própria natureza” (...), cantada e decantada no Hino Nacional. A realidade é bem outra. A “essência” de nossas elites civil, governante e burocrata sempre se definiu pelo espírito “entreguista”, pela idolatria ao adventício e pela grande aquiescência à dominação imperialista. Assim, podemos afirmar que esta tragédia persegue a nação desde a sua franzina independência, resistindo ao advento da república outorgada, sendo extremante agravada pelo golpe militar de 64 e persistindo até os nossos dias com fôlego cada vez mais vigoroso.
Nesta Via Crúcis, merecem grande destaque “os feitos heroicos” de alguns presidentes, cujo trabalho contribuiu decisivamente para a consumação do processo de – entrega da nação – iniciado pela ditadura militar de 64. Restabelecido o regime democrático, foi eleito o Senhor Fernando Collor de Mello, que com a promessa de modernização do país promoveu uma – abertura ampla, geral e irresponsável – de nossa já debilitada economia ao mundo inteiro. Tal atitude rendeu efusivo reconhecimento e desmedida gratidão das grandes potências econômicas e tecnológicas mundiais. A ele sucedeu um outro Fernando, o Henrique Cardoso, “o príncipe dos sociólogos”, que entregou de vez o patrimônio da nação à voraz concupiscência do grande capital e suas corporações. Por seu brilhante desempenho no processo de “liquidação” de empresas, sistemas e patrimônio do povo brasileiro, feito numa “ensandecida" corrida na busca de vender; vender não, desfazer da nação, Cardoso foi, em diversas ocasiões, laureado com medalhas e diplomas concedidos por governos, corporações econômico-financeiras e academias nacionais e internacionais, em reconhecimento de seu brilhante desempenho na tarefa de “estafeta” da entrega das riquezas nacionais. Que me perdoem os carteiros.
Não cabe dúvida alguma de que foi esse “senhor” quem iniciou o desmonte do nosso parque industrial e tecnológico, da legislação trabalhista e das organizações dos trabalhadores, sendo ele, o professor Cardoso, quem rapinou o nosso orgulho de ser brasileiro e a nossa dignidade de nação.
Com a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder, os governos de Lula e Dilma colocaram um freio nesse processo de liquidação do país a “preços de banana”, conseguindo até reabilitar várias instituições e recuperar algumas empresas estratégicas para o desenvolvimento e a segurança do Brasil e de seu povo.
Eis que os neoliberais retornam ao poder, e dessa vez, voltam com redobrado apetite pelo entreguismo. Palavras do próprio ministro da economia do governo atual, senhor Paulo Roberto Nunes Guedes: “é para vender tudo”. E assim, nossos dois últimos presidentes retomaram o processo de entrega da nação, de desnacionalização da economia e de aprofundamento da dependência tecnológica e financeira. A ordem agora não se limita à entrega do que restou do parque industrial e das empresas públicas estratégicas, mas, mais do que nunca a voracidade avança em nossas riquezas naturais e em áreas estratégicas como educação, tecnologia e infraestrutura, chegando até a área da segurança nacional. Esta é a grande e única obra dos governos do corrupto senhor Miguel Michel Elias Temer Lulia e do fascista senhor Jair Messias Bolsonaro.
Nestes dois governos, o desmonte do Estado é absolutamente escabroso e ilimitado. Grandes empresas estatais estratégicas para a nossa economia e a segurança nacional são “rifadas” por verdadeiras pechinchas. Assim, eles promovem de forma intencional, o desmonte quase que total da estrutura do serviço público e do setor de serviços básicos vitais para o povo brasileiro. A organização das relações trabalhistas foi liquidada com a reforma da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), diga-se de passagem, que isto equivale à revogação da Lei Áurea. A política equivocada de investimentos que privilegia o capital especulativo, somada à falta de credibilidade dos dois mandatários, os reduziu drasticamente tanto no plano interno como no externo no setor produtivo. Em consequência deste crime, os brasileiros assistimos uma colossal estagnação da economia e à brutal destruição do mercado de trabalho. Assim, o povo experimenta hoje o insuportável amargor dos resultados deste estado de coisas, convivendo com os mais altos índices de desemprego, o descontrole da inflação e das contas públicas, mas, sobretudo, enfrentado a fome que atormenta cerca de 50% da população.
O que justifica este resumo, admito um pouco longo, do cenário nacional caótico e assombroso é a intenção de estimular o respeitável leitor a refletir sobre a questão de fundo de que tratarei neste artigo: a importância do sindicalismo laboral brasileiro e a profundidade da crise que hoje ele atravessa. É bom que se diga que minha abordagem ao tema considera natural a dualidade que sempre caracterizou nosso sindicalismo trabalhista, que assim se resume: Se de um lado são inegáveis a importância e os benefícios dessa instituição para a luta dos trabalhadores, por outro, não se pode desconsiderar as muitas mazelas que a acometem e comprometem seu desempenho, posto ser ela uma atividade humana.
Isto posto, é imprescindível e justo que se considere que sindicato, por ser uma organização social de pessoas, está sujeito às limitações inerentes ao ser humano, o que o torna susceptível às suas mazelas, contudo, deve-se anotar que nem por isto ele, o sindicato, perde alguma importância e legitimidade como instrumento de enfrentamento à opressão exercida pelo capital contra os trabalhadores, ao próprio mercado de trabalho e à própria sociedade.
Neste contexto, o artigo buscará estabelecer relações de causa e efeito entre os ataques hoje impostos pelas radicais transformações que a política neoliberal, o desenvolvimento tecnológico e a ganância do capitalismo selvagem impingem a todas as economias subdesenvolvidas ou em desenvolvimento do mundo, notadamente as ocidentais, e suas consequências para devastação da atividade sindical e o tormento da vida dos trabalhadores.
Ombreio na fileira dos que acreditam que o sindicato laboral, apesar de suas dificuldades, limitações e deslizes, ainda é o mais importante instrumento de luta de que os trabalhadores do mundo inteiro dispõem. Esta minha convicção se sustenta na verdade de que desde o seu nascimento, o sindicalismo trabalhista tem demonstrado que entre todas as alternativas de lutas para a superação da opressão do capitalismo ao trabalhador, esta arma tem se mostrado a mais eficiente, eficaz e democrática. A história das relações trabalhistas do mundo mostra que somente a organização dos trabalhadores em sindicatos democráticos e eficientes é capaz de unificar, mobilizar e potencializar a força de cada trabalhador, de cada categoria e, por conseguinte, de toda a classe trabalhista para atingir a envergadura e o vigor necessários para enfrentar e superar o agigantado e injusto desequilíbrio de poder que existe entre a mão-de-obra, o capital, o governo e o mercado exploradores. É obvio que existem outras importantes alternativas, mas em minha opinião, elas são coadjuvantes.
Certamente o possível leitor deste artigo haverá de perguntar: O que o sindicato pode fazer pelo trabalhador numa situação de tantas e enormes adversidades enfrentadas por ele hoje? O que se pode esperar de um sindicato no atual quadro de crise e debilidade política vividos pela maioria das instituições de defesa dos trabalhadores do país? Penso que estas e outras questões certamente povoam a mente do sábio leitor. Ainda mais. É muito possível que ele se pergunte: Se o sindicato tem tanta importância e poder, como explicar o desinteresse dos trabalhadores pela instituição? O sindicalismo não vive “um quase fracasso” não só no Brasil, mas no mundo inteiro? Concordo inteiramente que a indagação faz todo o sentido, mas entendo também que existem explicações para o quadro. Elas carecem de reflexões honestas e bem fundamentadas plenamente possíveis e é disto que o artigo se ocupará agora.
Vejamos então as grandes questões que, a meu “juízo”, devem ser identificadas, enfrentadas e superadas pelo movimento sindical dos trabalhadores e por suas lideranças.
Hoje, o sindicalismo brasileiro enfrenta a maior crise de “identidade” de sua existência. Parece até que suas lideranças incorporaram a tragédia do “José” de Carlos Drummond.
O primeiro problema a ser enfrentado pelos sindicalistas, posto que em minha opinião sua superação é de decisiva importância para a recuperação do movimento, refere-se à nítida “crise de identidade” vivida pelos corpos diretivos sindicais. Os resultados desfavoráveis da ação sindical, a postura política equivocada adotada pelas direções nas últimas décadas, ao lado da descrença e do descrédito dos trabalhadores em suas entidades demonstram que essas se perderam na caminhada e que se desconectaram da realidade concreta. Elas, as lideranças e direções, por falta de competência intelectual e política, e mais notadamente pela falta de sensibilidade, carecem de preparo e capacidade para mobilizar o respeito de seus liderados na busca do estabelecimento de novas, originais e efetivas formas de lutas.
O que chamamos de civilização é o resultado das transformações das formas de pensar, agir e viver dos homens e das sociedades. Essas transformações, por serem da essência dos dois, homem e sociedade, são inevitáveis e produzem avanços e retrocessos, relativizados pelo tempo e o espaço. A não consideração deste fenômeno sócio-histórico na praxe implica, necessariamente, na perda da conexão com o mundo real e com as aspirações do grupo social a que se pertence. Talvez seja essa a maior dificuldade vivida hoje pelas lideranças sindicais.
Nesta perspectiva, cabe a indagação: Como é que o sindicalismo trabalhista brasileiro vem lidando com as inimagináveis e colossais mudanças trazidas pelo terceiro milênio? Mudanças estas que, de uma ou outra forma, afetam todas as áreas da atividade humana, mas, em especial, a vida dos trabalhadores.
Como assinalei, ao longo de sua história, o modelo sindical brasileiro foi se transformando, e isto é natural e legítimo, vital até. Nesta caminhada, ele foi incorporando valores e experiências positivas colhidas nas lutas dos trabalhadores. Contudo, como efeito colateral, o movimento também foi incorporando ideias e práticas pouco recomendáveis a um instrumento de luta da classe trabalhadora contra a exploração da mão-de-obra e a opressão capitalista.
Dessa forma, o nosso sindicalismo foi, de maneira gradual, absorvendo princípios e valores éticos e morais característicos das burocracias do Estado, do establishment político e das corporações capitalistas, até assentir com a ideia de que o “consenso” e a “cooptação” são estratégias naturais e válidas na luta dos trabalhadores contra as injustiças impostas a eles. Assim, chegamos aqui com uma estrutura sindical (sindicatos, federações e confederações) absolutamente deformada em relação aos mais legítimos e essenciais princípios, valores e objetivos do movimento. A mim não paira dúvida alguma de que o sindicalismo trabalhista brasileiro perdeu sua identidade.
Por outro lado, temos que considerar que à medida em que o poder econômico vai alojando seus agentes nas estruturas do Estado e consolidando seu projeto ultraconservador de recrudescimento de seu avanço contra os direitos trabalhistas e sociais dos trabalhadores, chegando hoje à quase extinção do movimento sindical, desvaecem a vontade de lutar e a eficiência das armas de enfrentamento para privilegiar um tipo de negociação bem à moda do ideário neoliberal e socialdemocrata. Hoje, concretamente, os sindicatos laborais são pouco mais que agências de “assistência social”, que buscam suprir as responsabilidades de um Estado negligente, governado por “cambalacheiros”, para dizer o mínimo, cumprindo esse papel de forma precária. Por absoluto oportunismo, nossas lideranças sindicais, aproveitando o discurso de modernização liberal, cuidam de reduzir a ação sindical às “pautas” que propõem mais convênios comerciais, mais “parcerias” com governantes e patrões, mais sindicato on-line, mais distanciamento entre as bases e as direções, mais propaganda midiática etc., na mais acabada demonstração de pusilanimidade e incompetência.
A verdade insofismável é que nossas lideranças e dirigentes sindicais se perderam na caminhada e têm hoje enormes dificuldades para compreender quais são as funções essenciais da instituição. A maioria delas, vive um verdadeiro dilema: se de um lado sabe muito bem que as antigas e carcomidas estratégias, sustentadas num ativismo estéril e em repisadas práticas já conhecidas e superadas pelo opressor não têm nenhuma serventia, por outro, e esse é o grande problema, elas, lideranças e dirigentes, não têm qualquer alternativa realmente revolucionária capaz de reverter o estado de decadência do movimento e que possa entusiasmar o trabalhador para a acreditar e abraçar a luta contra o capitalismo opressivo e extorsionário.
Mesmo que se considere que um sindicato de trabalhadores, seja de qualquer categoria profissional, possa ter variadas funções na sociedade, isso não o exime, segundo meu entendimento, das responsabilidades pela tutela e defesa de quatro funções essenciais. Inicialmente, parece-me correto e justo afirmar que o papel e as funções de um sindicato de trabalhador devem ser definidos por seus associados mantenedores e que suas determinações devem ser mediadas pela legislação peculiar à atividade da categoria e pala legislação trabalhista.
Assim, acho correto que um determinado sindicato estabeleça em seu ideário, funções de cunho assistencialista, sociocultural etc. Contudo, tais funções devem ser entendidas como suplementares, pois sua maior energia, falo aqui estribado no conceito de sindicato que seja primeiro e acima de tudo a expressão de sua base social, para ser depois a expressão de seus dirigentes, tem que ser despendida para a consecução das quatro nobres funções, que para mim, justificam os sacrifícios e atendem as expectativas dos associados para a manutenção dele. Essas devem ser resguardas a qualquer custo, sob pena de a instituição desviar totalmente de sua função social.
Olhemos rapidamente estas funções e como os sindicatos as têm desempenhado.
A mais legítima e justificada função de um sindicato laboral é a de defender, de forma prioritária e com absoluta intransigência, os direitos e interesses de seus associados e, subsidiariamente, da classe profissional que representa e de todos os trabalhadores. Estabeleço tal status para essa função porque, ao decidir pela filiação a um sindicato, a expectativa da grande maioria dos associados é a de ter uma instituição que o defenda contra os ataques da classe empregadora e do Estado.
Infelizmente temos que afirmar que os desempenho das instituições sindicais, nos três níveis organizacionais, e o de suas respectivas direções têm acumulado fracassos das mais diversas ordens. A situação aflitiva vivida por nós e a concretude de um horizonte escuro e sem perspectiva para os trabalhadores, contrastam-se com o comodismo, o desmazelo e a negligência que de algum tempo definem a postura dos responsáveis pela organização da luta.
Temas vitais para o fortalecimento da atuação sindical como o acompanhamento das atividades legislativas, administrativas e orçamentais do Estado; ações educativas para o desenvolvimento e a formação política do trabalhador; criação de condições objetivas para inserir o sindicato na comunidade e estabelecer alianças e parcerias com a sociedade civil; elaboração e implementação de planejamento estratégico para modernizar a atividade sindical e transformá-la em um bem de interesse comunitário como são as entidades religiosas, socio-esportivas, culturais etc. são assuntos que nossos dirigentes demonstram um atemorizador e angustiante alheamento.
É urgente que não só os dirigentes, mas também as lideranças, as bases e os trabalhadores brasileiros em geral despertam para a necessidade de reestabelecer os princípios, as funções e os grandes objetivos do movimento sindical brasileiro, recolocando-o assim no caminho certo.
Outra função essencial do sindicato é a de representar os associados nas questões administrativas, socioeconômicas e judiciais tanto nas de domínio do Estado quanto nas que se referem a outros domínios da vida trabalhista. Esta função avulta-se de importância nas questões referentes à legislação trabalhista e às políticas de planejamentos e orçamentárias. As organizações superiores da estrutura juntamente com as direções sindicais têm a obrigação irrevogável de intervir no debate e nas tomadas de decisões das autoridades políticas, administrativas e burocráticas, para defender propostas que salvaguardem os interesses e os direitos do trabalhador ou para combater aquelas que venham prejudicar a vida dos trabalhadores. Infelizmente, o que se constata nas últimas décadas é a mais absoluta acomodação e passividade da enorme maioria dos dirigentes sindicalistas aos contínuos ataques que o Estado e o poder econômico vêm desfechando contra os direitos trabalhistas.
Quase tão importante quanto as funções anteriores, é o papel do sindicato no trabalho de proporcionar formação política a seus associados e aos trabalhadores em geral.
Não pode haver sucesso na luta, se quem está à sua frente não conhece as armas que tem e menos conhece as de seu antagonista.
Segundo os grandes mestres Paulo Freire e Demerval Saviani, o sindicato é, entre outras, uma agência privilegiada de formação do homem. Sendo ele o responsável primeiro pela formação da cultura política do trabalhador. Nesse aspecto, o movimento sindical, óbvio que as exceções existem, adota uma estratégia absolutamente equivocada. Boa parte dos sindicatos brasileiros não faz nenhum esforço para isto, antes eles adotam posturas que facilitam a tarefa de “deformação” que o Estado e a grande mídia têm todo o interesse em realizar. Neste sentido, apenas algumas poucas corporações sindicais se contentam em realizar, de forma esporádica, ações de formação, mesmo assim meramente burocráticas em sua maioria, muito mais para justificar o orçamento.
Por consequência da desvalorização do estudo e conhecimento sociopolítico demonstrado pelos dirigentes, as estratégias usadas por eles para conseguir um mínimo de adesão às atividades é a de privilegiar a participação de aposentados em cursos que muito pouco tem a ver com formação política necessária. Mas a realidade é que a maioria prefere não fazer nada. Simples assim.
Para elucidar mais ainda a importância de tal formação, vejamos o que nos ensina o Professor Helder Molina:
“Um dos objetivos principais da formação sindical é construir novas lideranças e renovar a militância para dar consistência e continuidade à organização e à luta dos trabalhadores em defesa de seus direitos e interesses”.
E mais, continua o Professor:
“(...) para mim, o papel da formação é dar conhecimento político, argumento e conteúdo para compreender o mundo, a realidade social, a luta de classes e a busca de uma sociedade democrática e justa”.
Não querendo ser apocalíptico ou determinista, mas temo que a persistir a atual situação, onde nossas direções e lideranças beiram à indigência teórica, os trabalhadores terão dificuldades quase que intransponíveis para reabilitarem suas instituições representativas.
Por último, a quarta função relevante do sindicato é a defesa da democracia e do Estado de Direito. Como sabemos, ao longo de sua formação como nação, o povo brasileiro vem experimentado regimes absolutistas e autoritários. Primeiro sofreu, por dois longos séculos com o colonialismo espoliador e escravagista, perpetrado pelos invasores das Terras Pindorama em um crime que a história oficial descaradamente chama pelo eufemismo “descobrimento”. Depois, quando a nação chegou a uma “independência meia-boca” e concedida, viveríamos ainda outros cinquenta e sete anos de autoritarismo até chegarmos à frustração do sonho da república. Para não nos alongarmos mais, basta dizer que nesses cento e trinta e três anos de vida republicana, tivemos muito mais tempo de governos autoritários e ilegítimos, implantados por sucessivos golpes cívicos-militares, do que governos de regime democrático.
Nessas condições, pode-se dizer que as instituições da sociedade civil brasileiras, no sentido gramsciano do termo, têm papel decisivo na construção e na preservação da democracia do Brasil. Segundo o filósofo italiano, é fundamental a intervenção das instituições dessa sociedade nas lutas em defesa do Estado de Direito e da normalidade democrática. Assim sendo, o sindicato como uma instituição da sociedade civil, certamente uma das mais importantes, tem entre suas funções a defesa do regime republicano.
Diante dessas responsabilidades é oportuno relembrarmos a sabedoria do ensinamento de Rui Barbosa:
“Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado”.
É necessário que os que acalentam o sonho, por sinal legítimo a qualquer trabalhador por sinal, de ser liderança sindical reflita muito sobre a grandeza e sua importância para a vida de seus liderados.
A respeito da faculdade dos homens para julgar e avaliar o Mestre Luiz Antônio Cunha, diz:
“A consciência ingênua se pressupõe dominadora, a consciência crítica se pressupõe dominada.”
Começo a reflexão sobre a segunda mais importante questão sobre o tema, as dificuldades de “autocrítica” que acometem as lideranças e os dirigentes sindicais brasileiros, com a citação de Cunha para ilustrar a importância desta categoria para o debate e para mostrar a enorme assimetria que há entre ela, a importância, e as enormes dificuldades que ambos, lideranças e dirigentes, têm para avaliar e rever suas posturas, suas capacidades e seus fracassos. Não se pode negar que esse fenômeno chega hoje a níveis absolutamente alarmantes e desastrosos. É sempre justo que se abstenha de generalizações, pois essas são muitíssimas perigosas e em nada ajudam na correção dos rumos. Contudo, em um momento tão difícil da vida do trabalhador brasileiro e da luta sindical trabalhista como o que atravessamos, a adoção de uma postura mais crítica e mais judiciosa dessas direções e lideranças na busca de identificar, admitir e, sobretudo, corrigir seus equívocos, desvios de conduta e suas limitações morais e intelectuais certamente contribuiriam decisivamente para o soerguimento e redirecionamento do movimento. O momento exige delas mudanças radicais de sua conduta irresponsável ao se eximirem dos fracassos, da incompetência administrativa e política, das tentativas de mitigar a gravidade que passam as instituições representativas e por proclamarem conquistas insignificantes como feitos heroicos, as quais nem sempre são deles.
Neste ponto, não se pode deixar de alertar que a “autocrítica”, esse valor intransigível e indispensável para o embate político e ideológico e para qualquer atividade humana, sustenta-se, necessariamente, em dois valores: capacidade teórica e consciência política.
Nestes tempos tão assombrosos para a vida do trabalhador, tempos em que assistimos o sindicalismo laboral caminhar sem rumo e sem objetivos estratégicos claros e articulados a seu papel sociopolítico, os trabalhadores brasileiros, todos eles, têm legítimas e justificadíssimas razões para demonstrarem o “estado de indiferença, apatia e descrença” em relação às suas instituições de representação e defesa. Para os que tentam negar estas evidências com o velho e superado argumento de que “o sindicato somos nós”, lembramos que as instituições são “entes absolutamente abstratos”, que de per si não têm a capacidade de agir. Elas acertam e erram pela ação dos homens que agem em seu nome e com seu poder. Em sua dimensão institucional, o sindicato é ideal e improlífero, sendo os homens com seus processos e sua energia que lhes dão vida, sentido e concretude.
A mim me parece que não é pedir muito àqueles que usando sua liderança para ascender aos trabalhadores, propondo liderar e conduzir suas lutas, que assumam com um mínimo de dignidade e humildade os erros, as limitações e dificuldades evidenciadas em seu trabalho e busquem sua superação. E mais, que apeiem de sua contumaz arrogância e se dediquem com mais determinação e disciplina e, porque não dizer, com mais paixão, ao trabalho que prometeram realizar.
Se esses que hoje estão à frente das instituições dos trabalhadores, e não me refiro somente aos sindicatos, mas igualmente às centrais e confederações sindicais e a outras agências de representação congêneres, não se dispuserem a fazer uma profunda e honesta avaliação de sua conduta moral, competência administrativa e postura política; se essas lideranças não abdicarem da arrogância e negligência que têm vincado seu trabalho; se nossas direções não estiverem dispostas a avaliar com a profundidade necessária as causas do completo fracasso de sua governança das instituições, que são dos trabalhadores e de mais ninguém, temo que não haverá futuro para nossas lutas e que muito mais breve do que se imagina, o Estado e os ultraliberais donos do capital conseguirão o que vêm buscando nas últimas décadas, a revogação da Lei Áurea.
Nesta perspectiva, é indispensável que essa gente relembre, antes que a situação se torne irreversível, que o sindicalismo laboral nasceu da necessidade de combater a opressão e a exploração ao trabalhador, cresceu no enfrentamento, sempre em situação díspar e injusta em relação ao poder do Estado e do capital, conquistando, mesmo assim, espaço político e capacidade de luta que o tornaram respeitado e indispensável à dignidade dos trabalhadores e ao desenvolvimento de sua autonomia.
Para qualquer pessoa que se proponha a ser líder é preciso estar apto ao desempenho de tal tarefa e isto só se faz com lealdade, preparo técnico e político e, o mais importante, muita vontade e capacidade de avaliar e mudar condutas.
Na sociedade de hoje, não sobrou lugar para os ingênuos, os negligentes e nem para os nécios. O que conta é a competência para conduzir e a vontade de fazer.
Neste ponto do texto, convido o leitor a refletir sobre outra questão relativa ao despreparo da enorme maioria de nossos dirigentes sindicais, que a meu julgamento tem importância determinante para se entender o quadro de dificuldades que emoldura a prática sindical trabalhista brasileira. Dificuldades que se referem às deficiências, quase que generalizadas, da formação intelectual, teórica e sociopolítica dos líderes e dirigentes sindicais. Isto para não falar da agudeza da fraqueza moral e da adoção de princípios éticos não condizentes com as boas práticas sindicais. De quem pretende influenciar, liderar e dirigir as lutas e a formação do espírito de classe dos trabalhadores, exige-se nada menos do que probidade, competência e um tanto de argúcia.
Como tratei no cenário introdutório do texto, a atual conjuntura do país, caracterizada pelo mais brutal ataque aos direitos dos trabalhadores “bancado” pelos donos do capital, que usam o Estado da forma mais impudica e deletéria possível, está a exigir imediata e radical mudança de paradigmas da prática sindical e a adoção de outra postura política, ética e moral de todos os que se propõem a ser lume para os trabalhadores nesses tempos de “borrasca”. Uma mudança com esta radicalidade, com toda a certeza, cobrará das lideranças muita competência e determinação para que a classe possa descobrir e trilhar novos caminhos, que permitam o estabelecimento de outras relações de poder entre o sindicato e a sociedade e outros compromissos dos representantes com seus representados. Há que se inventar novas estratégias de lutas e de mobilização que sejam capazes de tirar nossas instituições de representação trabalhistas do verdadeiro isolamento social e político em que se encontram.
A questão obstante é que mudaram o mundo, a vida, o mercado de trabalho e as relações trabalhistas, mas parece que as lideranças e direções sindicais nada perceberam, e se perceberam, continuam fazendo questão de não enxergar a gravidade que tais mudanças trouxeram para a vida do trabalhador. Nesse quadro, uma comparação é pertinente, e antecipo aqui minhas desculpas pelo trocadilho quase infame, mas para mim, a figura abaixo pode resumir a atual situação. Para os nossos líderes e dirigentes, “tudo está como dantes no quartel de Abrantes”. Como sabemos não está.
Assim, elas, e aqui, por via de consequência, mais uma vez incluo as centrais e confederações sindicais, continuam, apesar da enormidade dos desafios, adotando iniciativas e estratégias de lutas estéreis e bolorentas. Teimosia que faz com que o movimento sindical laboral esteja completamente infrutífero. A canhestra visão política, a formação teórica acanhada e o atraso intelectual de seus líderes e dirigentes, aliadas a seu despreparo para lidar com a nova ordem socioeconômica e política mundiais impostas pelo capital ao mundo do trabalho, devastaram a valia do sindicato, transformando-o mais em “um peso morto” às costas dos trabalhadores do que uma instituição capaz de os representar e defendê-los em momentos difíceis como o que agora vivemos.
Diante disto, e por isto, assistimos hoje a uma realidade que se caracteriza pela falta de competência política e técnica de nossas lideranças sindicais para avaliar as atuais transformações, condição indispensável para a criação e a implementação de alternativas originais e eficientes, capazes de permitir a “virada do jogo” e a mitigação das dolorosas derrotas sofridas por nós trabalhadores, mormente nos últimos sete anos.
Penso não haver dúvida alguma por parte do leitor de que para o enfrentamento da atual situação com reais chances de vitória, o trabalhador, mais do que em qualquer outro tempo, necessita de um sindicato capaz de promover ações vanguardistas; originais e eficazes na condução da luta de seus representados. Mas é aí que mora o problema. Sindicato é um conceito abstrato, gosto de dizer que um ente abstrato não comete acertos e nem erros, posto que qualquer ação feita em seu nome, apenas chancela as decisões, as escolhas e as ações dos homens, mesmo se reconhecermos que as atitudes e posições políticas dos dirigentes sindicais, em tese, só são legitimadas pela chancela da instituição. Esta condicionante nos remete a outra face da questão. Para que o trabalhador possa pensar no sucesso de suas lutas, eles precisam, necessariamente, de uma representação robusta e comprometida com eles, condição que exige lideranças a altura do desafio. Necessita de dirigentes comprometidos com a inalienável responsabilidade de estabelecer um norte para a luta; dirigentes cônscios de sua obrigação moral de cumprir os compromissos estabelecidos com a categoria que representa; dirigentes dotados de sabedoria para apontar o caminho seguro e as estratégias mais eficientes para a batalha. São essas as condições que os legitimam como depositários fiéis da confiança de seus liderados.
Contudo, para desempenhar essa magnifica, mas vital tarefa, tais dirigentes precisam saber o que é um sindicato e qual é seu papel na sociedade. Precisam saber aonde se quer chegar e, sobretudo, precisam saber como caminhar. Usando o conceito de intelectual orgânico de Gramsci, é vital para a luta sindical que eles, os líderes e os dirigentes, se entendam como tal, para isso, eles terão que ascenderem a outros níveis de capacidade intelectual e política. A luta dos trabalhadores não pode, de forma alguma, olvidar que os intelectuais do opressor sabem muito bem o que podem aqueles que se guiam pela via do “senso comum”.
Num quadro em que as correlações de forças apresentam tamanha desproporcionalidade em “desfavor” dos trabalhadores, a grande maioria deles é levada a acreditar que não há saída possível, fator que potencializa mais ainda as já monstruosas dificuldades para a sua mobilização.
Saídas existem e são variadas. O que falta é atitude e comprometimento de todos os que postulam e exercem o poder sindical. Todos sabemos muito bem e nossas lideranças sabem ainda mais, que as antigas e carcomidas estratégias, sustentadas no ativismo estéril e nas repisadas práticas já mencionadas, são velhas conhecidas do opressor, portanto sem nenhuma serventia para nossa luta. Neste sentido, afirmo com absoluta convicção: ou essas lideranças se movem para além do verdadeiro estado de indolência e de quase indigência teórica em que se acomodaram ou a história, esta corregedora implacável dos costumes, lhes justiçará.
Os trabalhadores querem um sindicato que lute por sua dignidade e arrenegam o que se acomoda na aceitação de políticas e ações compensatória.
A quarta questão, também do tema, de grande importância, se refere ao brutal reducionismo imposto às mais legítimas e consentâneas funções dos sindicatos laborais, visto que eles têm sua razão de existir para o cumprimento do papel socioeconômico e político que se sintetiza na busca da melhoria e da valorização do trabalhador. Para tal fim, seus dirigentes são, obrigatoriamente, responsáveis primeiros por esta função. Por conseguinte, é inerente a qualquer ocupante de cargo da hierarquia sindical a responsabilidade de sempre buscar nada menos que a excelência no trato dos aspectos político, econômico e socioeducativo referentes a tudo que diz respeito à gradativa e perene melhoria das condições de vida do trabalhador e de sua família e da valoração do trabalho profissional dos seus filiados.
Diante da importância e grandeza de tal responsabilidade, é deveras bastante preocupante que o sindicalismo trabalhista brasileiro chegue ao início da terceira década deste milênio, tempo em que os trabalhadores deveríamos estar reificando nossas utopias, com trincheiras e estratagemas absolutamente amarrotadas. Sabemos muito bem que os movimentos sindicais do mundo inteiro sofreram e sofrem grandes transformações, isto é normal e esperado, diria eu, muito salutar, posto que por ser um fenômeno sociopolítico e cultural, eles, os sindicatos, estão sujeitos a influências do Estado e da sociedade, sobretudo do mercado de trabalho e até de sua própria razão de ser, as relações entre empregado/empregador. Contudo, é preciso afirmar que tais mudanças só são salutares para sindicatos e trabalhadores quando não trazem nenhum tipo de “peia” às suas lutas e a seus avanços.
Como assinalei acima, infelizmente se deu com o nosso sindicalismo justamente o contrário do desejável e aceitável. As transformações que ele tem sofrido, mormente nas duas últimas décadas, representam um enorme atraso no avanço e na consolidação do movimento. As influências da burocracia do Estado e das classes patronal e política só serviram para desmantelar a estrutura organizacional e exaurir a crescente cultura de participação sindical do trabalhador brasileiro. E isto não se deu por “obra do Espírito Santo”, mas foi, e continua sendo, uma trama muito bem urdida das elites econômicas nacionais e internacionais, conjuradas com a elite política deste país.
Contudo, é necessário que se olhe, e o faça com olhos bem críticos, a outra face da medalha, pois, do outro lado do balcão, encontramos, poderíamos dizer, uma outra elite, a elite sindical burocrática e conservadora. Tenho opinião firmada de que essa elite, – poucas vezes por inocência e despreparo, mas na maioria delas, por deliberada iniquidade e elevada cupidez, – optou, e de muito bom grado, pelos caminhos largos e sombreados que conheceu em sua demorada convivência com o opressor, aprendendo e introjetando doutrinas e práticas aprendidas ao longo dos muitos anos de convivência.
Como consequência natural desse fenômeno sociopolítico e cultural, os trabalhadores brasileiros, na quase totalidade, sofrem agora seus desastrosos efeitos. E mesmo no cenário caótico e catastrófico a que o Estado e o capital colocaram os trabalhadores e o povo, essas elites sindicais seguem adotando práticas políticas que resultam, de um lado, na destruição das lideranças legítimas e do outro, na criação das condições objetivas para seu continuísmo e sua perpetuação no poder.
Essas elites continuam por assim dizer, entretidas com suas funções burocráticas e fazendo todo o esforço para construírem “o sindicalismo do futuro”, o sindicato virtual e cartulário, numa atitude que coloca sindicato e dirigentes absolutamente “apartados” da vida concreta em que vivem seus liderados e mantenedores da instituição, olvidando completamente as funções básicas que são, por direito, de sua responsabilidade.
Os que conhecem a história de nosso sindicalismo me darão razão, pois ela mostra que o maior ponto de tensão nas relações entre um Estado ultraconservador como o Brasil, um patronato espoliador como é o nosso e o trabalhador explorado sempre foi a definição do papel político e socioeconômico das instituições sindicais laborais.
Iniciei minha militância sindical em plena ditadura militar de 64. À época, participei da construção do sindicato dos professores do Distrito Federal (Sinpro/DF), que até então era uma associação de professores. Foram tempos difíceis e alguns se machucaram na luta. Naquele momento, os trabalhadores tínhamos a ideia clara de que a ditadura militar, mais do que estimular, favorecia enormemente a criação de associações puramente assistencialistas e, preferencialmente, “politicamente neutras”, para que os trabalhadores não criassem sindicatos. Dependendo do grau de politização da categoria profissional e da afeição das lideranças da associação pelo regime, ela, a categoria, recebia todo o apoio econômico e político para realizar sua empresada. Situação oposta era o processo de criação de um sindicato. Nesse, havia um ritual quase que incumprível, eivado de formalidades burocráticas e restrições absurdas, que muitas vezes serviam somente como justificativa para que as autoridades negassem a concessão do pedido de legalização, a tal carta sindical. Não raro, os líderes da iniciativa eram formalmente qualificados como subversivos pela segurança pública, chegando a sofrerem coações pelo simples desejo de fundar um sindicato para sua categoria profissional.
Hoje, quando se analisa as principais preocupações dos dirigentes sindicais, seja de qualquer dos três níveis organizacionais do movimento, se percebe a absoluta discrepância entre as verdadeiras funções de um sindicato e os interesses e prioridades estabelecidas por esses.
Nestes tempos, o que presenciamos é a mais clara evidência de que nossos líderes parecem não ter entendido ainda, em que pese a clareza da situação, que a realidade do mercado de trabalho já sofreu, e ainda sofrerá, radicais transformações, as quais, por consequência natural, provocaram e continuarão provocando mudanças também radicais no mundo do trabalho e na vida dos trabalhadores.
Para além das mencionadas mudanças nas relações trabalhistas, onde se destacam a precarização do arcabouço jurídico de preservação dos direitos e garantias dos trabalhadores, a estagnação econômica mundial e o crescimento exponencial do desemprego temos que considerar também outros fatores tão, ou mais relevantes que estes, como são os efeitos dos avanços tecnológicos que engendram a automação dos modos de produção, o crescimento do processo de legalização e naturalização do trabalho informal, o crescimento descontrolado do processo de transformação do trabalhador em vendedor individual de mão-de-obra para facilitar a sua exploração pelo poder financeiro e o aumento da concorrência de mão-de-obra num mercado de trabalho cada vez mais minguado seletivo e excludente.
É neste cenário que se agigantam a inércia e a transigência das lideranças e direções sindicais que querem, melhor dizendo, precisam acreditar que liderar e administrar um sindicato é coisa igual ou parecida com a administração de qualquer empresa do mercado. Esses dirigentes que optam sempre pelos velhos e desacreditados rituais burocráticos, esses que nos apontam caminhos que a própria experiência da luta trabalhista já demonstrou não levarem a nada. Não sendo assim, como se pode explicar, ou justificar a falta de sensibilidade e de solidariedade, a passividade e o comodismo deles com a afligente situação em que estão postos os trabalhadores da nação?
Em resumo, acredito que as lideranças e os dirigentes não estão preparados para entender com a profundidade necessária toda a complexidade destes novos tempos e do mundo econômico, político e trabalhista atual. Acredito mesmo que lhes falta formação e coragem adequada à tarefa que se propõem realizar. Por essa razão, reduzem as funções e o papel do sindicato a meras ações de assistencialismo, que são de responsabilidade do Estado ou do empregador, acomodando-se no papel de executor de funções privativas de partidos e associações assistenciais compensatórias.
O sindicalismo nasceu no chão da fábrica e no eito da lavoura; ganhou ruas e praças, agora estão levando-o para os gabinetes refrigerados.
Neste tópico tratarei da questão do distanciamento que há entre o sindicato e suas bases. Na verdade, discutirei a cultura de afastamento tão própria dos burocratas, que foi, de forma gradativa, sendo absorvida pelas lideranças e direções sindicalistas em sua convivência com os poderes oficial e econômico. Fenômeno que gerou a grande inorganicidade e o alheamento das instituições representativas perante seus sindicalizados e trabalhadores de forma geral. Vale dizer que essa situação tem sido absolutamente crucial tanto para os destinos do sindicalismo quanto para o fracasso das lutas trabalhistas.
Começo a reflexão citando uma fala do ensaísta e militante político de esquerda português, João Bernardo Maia Viegas Soares, mas que assina suas obras com o prenome, João Bernardo:
“Os dirigentes sindicais podem manter os trabalhadores regularmente informados de uma boa parte das decisões tomadas nas reuniões de direção e podem não levar no bolso o dinheiro da tesouraria, mas não é por isso que se altera a estrutura burocrática dos sindicatos e que o seu funcionamento deixa de ser autoritário e centralizado.”
Vale aqui também lembrarmos o pensamento de Antônio Gramsci a respeito do conceito de liderança no movimento social. O pensador italiano conceitua dois tipos de intelectuais, o convencional, ou burguês, como queiram, e o orgânico. Os conceitos guardam enormes diferenças entre si. Para o professor italiano, a grande diferença conceitual entre as duas ideias se justifica pela natureza e pelo papel que um intelectual exerce na sociedade. Gramsci entende que o intelectual burguês exerce uma liderança que visa conseguir, através da persuasão, a adesão acrítica do grupo social em que atua às ideias e projetos da classe hegemônica que ele, o intelectual, representa. Nesta condição, a formação e a consequente aceitação desse tipo de liderança se dá, pode-se dizer, de cima para baixo e de fora para dentro. São lideranças legitimadas nas esferas do poder exterior ao grupo de liderados para defender interesses, que, na maioria das vezes, são contrários e conflitivos com os desse grupo.
Para Gramsci, outra coisa diferente é o intelectual orgânico. Entende ele que esse tipo de liderança só pode ser forjado na história e nas têmperas da luta de classe. Sua formação e consequente aceitação são alicerçadas na natureza qualitativa de sua ação e em sua capacidade de conduzir o grupo que lidera com sabedoria, solidariedade e fidelidade aos princípios coletivos. A natureza do intelectual orgânico é concreta em oposição à do intelectual burguês que nasce e permanece nos limites e se justifica nos interesses do poder político e econômico. O orgânico nasce e existe nas relações indispensáveis que existem entre a luta de classe e seus companheiros de jornadas. O burguês se justifica no desempenho da defesa das ideias hegemônicas de seus criadores.
Faço esta reflexão porque sempre acreditei que líderes e dirigentes sindicais, de qualquer uma das instâncias do movimento, têm que se sentirem e se entenderem um intelectual orgânico. Fora disto, sua liderança e ação são absolutamente inúteis e plenamente dispensáveis. Mais que isto. Como diz Gramsci, não há uma terceira opção para liderança. Ou se adota a postura de intelectual orgânico ou se enquadra, mesmo que inconscientemente, no papel de “pensador” do refinamento das estratégias burocráticas e opressoras da classe dominante.
Por mais doloroso que pareça, temos que admitir que as lideranças e as direções de nosso movimento sindical, e aqui, mais uma vez, faço justiça às poucas, mas muito valorosas exceções, foram todas cooptadas pela força do poder hegemônico, estando elas, perfeitamente integradas, diria mais, estão absolutamente acomodadas e harmonizadas nesse seu novo status quo.
Neste ponto cito novamente João Bernardo:
“Todos os fracassos do movimento operário, sem excepção, resultam… de ele ter repetidamente permitido que as burocracias geradas no seu interior se convertessem numa verdadeira classe exploradora”. Porque “a dialética social do capitalismo consiste na possibilidade de reforçar os mecanismos da exploração com elementos gerados no interior do próprio processo de luta contra a exploração.”
Pode-se questionar a dureza desta fala. Pode-se acusar o autor de tentar avilanar os dirigentes e as lideranças sindicais brasileiras. Pode-se enfim, negar qualquer verdade na mesma. Só não se pode adotar as tradicionais posturas – de fazer de conta – que o autor é inimigo político e simpatizante da direita como algumas vozes já o fizeram. Do meu ponto de vista, vejo absoluta coerência nestas ideias, mais ainda, as entendo como uma das mais importantes e salutares contribuições para a salvação de um sindicalismo moribundo com está o nosso.
Nossas lideranças e dirigentes têm que lembrar que a luta dos trabalhadores sempre foi feita nas ruas e nas praças, no chão-de-fábrica, na igreja, na reunião social e até na casa do inimigo. Esta luta só pode seguir e frutificar se dividirmos os risos e as lágrimas, se cada companheiro se molhar com o suor do outro, se todos se fundirem em um só corpo em defesa de uma ideia. Mas nada disso é possível sem que existam “lideranças” que gozem do respeito, da confiança e da admiração de seus “liderados”. E isto os trabalhadores hoje não têm.
É notório que a atuação dos sindicatos laborais está longe, muito longe da máxima do Hino Nacional. Muito pelo contrário, – nossas lideranças e direções fogem à luta e se abrigam sempre nos acordos tramados nas “coxias” e nas salas refrigeradas, bem à distância das bases. Quanto às sindicais: Bem, as únicas “serventias” de seus membros é a de ser um mero votante e o pagador da conta. Não pode haver nenhuma dúvida que a carga deletéria dessas transformações coloca em risco não só a singularidade do sindicalismo trabalhista, mas também sua própria existência.
Vivemos um sindicalismo absolutamente ausente da vida dos trabalhadores. Não tenho nenhum medo de afirmar que a grande maioria de seus dirigentes se quer conhecem o ambiente de trabalho dos sindicalizados. Que além de algumas situações de notória injustiça cometidas contra um ou outro, as lideranças sabem muito pouco sobre as condições socioeconômicas concretas em que vivem seus liderados.
Hoje, a enorme maioria dos trabalhadores avalia que o sindicato não serve para nada. O entendimento e os critérios utilizados por eles para julgar seus dirigentes confundem-se, “demais”, com os pesos e as medidas com que julgam os políticos, ou seja, não passam de boas-vidas e oportunistas políticos pouco afeitos ao trabalho. O que explica esse tipo de opinião é o fato de que ninguém pode valorizar e gostar do que desconhece. De uma prática sindical desagregadora e indolente não se pode exigir outra avaliação que não essa.
O sindicato só tem sentido se quem o dirige tiver plena consciência de que sua existência, a do sindicato, não é nada mais e nada menos do que a luta na busca da melhoria da vida dos trabalhadores. Condição que exige uma atuação radicalmente integrada ao cotidiano de suas bases de seus dirigentes. Não sendo assim, não faz nenhum sentido a utilização de palavras de ordem tão apreciadas pelas cúpulas sindicais como por exemplo “o sindicato somos nós”, “o povo unido jamais será vencido etc. quando na prática, seus “comandantes”, e aqui uso o termo no stricto sensu, se portam como portam os governantes e seus burocratas, agindo como se o trabalhador fosse apenas um número estatístico que pode ser administrado e controlado à “distância” como massa de manobra.
Houve um tempo em que a coisa mais natural era a presença do sindicato nas empresas e repartições em que estavam os trabalhadores. Inclusive, seus dirigentes ou representantes privilegiavam o uso da “tática do corpo a corpo” para divulgar as ações e encaminhamentos do sindicato, para conscientizar os trabalhadores da importância da união da classe, para filiar novos trabalhadores etc. Hoje, em que pese a grande melhoria da infraestrutura dos sindicatos e das condições de trabalho das direções e dos empregados, parece que os diretores têm outras preocupações muito mais importantes e urgentes do que cuidar de seus liderados.
Penso que os dirigentes sindicais atuais, apesar de estarem sempre citando o verso de Milton Nascimento, “o artista tem que estar onde o povo está”, não acreditam na sabedoria do poeta. Na verdade, raramente eles estão onde o trabalhador está. A não ser para pedir votos em época de eleições, aliás outra prática aprendida com os políticos brasileiros da pior qualidade.
Para fechar esta questão, afirmo que as exigências dos dirigentes sindicais de hoje para exercerem suas funções chegam ao absurdo. As velhas e boas práticas alicerçadas em princípios ideológicos são coisas anacrônicas e obsoletas. Sem um carro, um celular, um bom salário e outras vantagens não há como defender a causa trabalhista. Como diz Adoniram Barbosa, “É o pogresso, é o pogresso”.
Não há nenhuma dúvida que essa chamada “nova e moderna cultura sindical”, sustentada no monetarismo e no carreirismo, contaminou e persuadiu nossas lideranças a aderirem à lógica capitalista, colocando em risco desesperador um movimento, que curiosamente nasceu justamente para combater a ordem estabelecida.
Como aludi acima, os trabalhadores querem e precisam dramaticamente de instituições que sejam capazes de mobilizar e organizar a imensa força que eles representam. Esta é uma verdade que não só nós, os trabalhadores, mas também os “patrões”, seus intelectuais e os burocratas do Estado sabem. Por isto, ao fim do artigo, reafirmo a urgente e crucial necessidade de as lideranças e os dirigentes do movimento sindical laboral serem submetidos a um processo de aperfeiçoamento intelectual, político e administrativo, que lhes permita superar o despreparo para o exercício de suas atividades. Lembro ainda a decisiva importância da superação do amadorismo que de a muito caracteriza as lutas políticas travadas no interior do movimento, onde o destaque é o oportunismo e o carreirismo, muitas vezes salpicados de ardileza.
Tomo aqui por empréstimo os versos do grande Geraldo Vandré:
“Para não dizer que não falei de flores”, confesso, como deixei transparecer ao longo do discurso, minha crença de que é plenamente possível refazer o caminho. Reafirmo toda a minha a convicção que os trabalhadores brasileiros querem e podem tomar suas instituições representativas nas mãos e formatá-las às suas utopias e a seus interesses. O impossível nada mais é do que a façanha que alguém ainda não conseguiu realizar.
Omar dos Santos é professor aposentado no Distrito Federal.
Taguatinga, DF, 27 de março de 2022
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