(Foto: Reprodução/Twitter CUT-DF)
"Deixando o fígado de lado, a cassação de Bolsonaro, neste momento, é o lance que as elites, os liberais e a terceira via melhor poderiam pensar", diz Horta
Fernando Horta
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Pela primeira vez desde a famigerada entrevista de final de eleição, dada por Rosa Weber e Carmem Lúcia, na condição de presidente e vice do TSE, fala-se abertamente em cassação da chapa de Bolsonaro. Em Brasília, diz-se que mais do que as pesquisas que constantemente reafirmam a possibilidade real da vitória em primeiro turno de Lula, a questão da cassação é o que tem feito a histeria do fascista. Ontem, numa autêntica manobra diversionista, o STF declarou que era “as pesquisas” que estavam provocando os faniquitos de Jair. Ocorre que é real a possibilidade da cassação da chapa daquele que está em segundo nas pesquisas.
Como interpretar essa possibilidade? Seria boa ou ruim para o campo da esquerda? E para a democracia? E para o país?
Claro que sempre se pode falar do local do militante e do torcedor. Aquele que tem responsabilidade apenas com seus sonhos e seus desejos. É muito normal, na situação atual, querer o pior para um genocida incompetente que levou o país à fome novamente. Mas a diferença entre análise, palpite e desejo é a forma como se seleciona os dados, as variáveis e o que se faz com ela. Meu desejo como brasileiro é que Jair Bolsonaro tenha um “revertério barriguístico” e passe os próximos 3 meses no banheiro, com dores de barriga e diarréia intermitente. Como historiador e analista, entretanto, eu preciso sinalizar o perigo do movimento de cassação da chapa Bolsonaro para as eleições 2022.
Em primeiro lugar, me parece muito possível ser esse o golpe dos liberais. Sem qualquer possibilidade de vitória ou mesmo importância nas eleições, as elites brasileiras e os liberais estão “fazendo hora extra” nessas eleições. Cumprindo tabela, no jargão futebolístico. Na atual situação, nem Tebet, nem Ciro têm qualquer possibilidade nestas eleições, e esta é posição incômoda. Neste cenário, o sonho dos liberais e das elites seria uma eleição sem Lula e sem Bolsonaro. O custo de uma manobra destas, contudo, seria imenso. Além disso, não haveria legitimidade alguma numa eleição em que os DOIS principais candidatos teriam sido retirados no “tapetão”.
Se não se pode tirar os dois, me parece claro que o segundo melhor cenário para os liberais seria tirar um deles. Cenário que era o vigente até o STF devolver os direitos políticos a Lula. Lula que era o candidato preferencial a ser “retirado” há dois anos. Ocorre que através de manobras estratégicas o presidente Lula tem constantemente aumento seu capital político. Seja pela sua “tour” na Europa, com a visibilidade de estadista, ou seja pelas aproximações com Alckmin e a “frente ampla”, a verdade é que Lula têm se blindado, aumento o custo de uma ação político-eleitoral contra si.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro derrete diariamente. Não que este cenário não esteja acontecendo desde 2018 (e teria acontecido na eleição não fosse a famigerada facada), mas nos últimos anos, Bolsonaro não dispõe mais da boa vontade das elites e da mídia. O colchão de proteção que o fascista gozou entre 2018 e 2020 se desfez, e Bolsonaro paga os custos por cada idiotia, cada violência e toda incompetência de sua gestão. As últimas pesquisas sinalizam isso com o fascista sendo associado com “corrupção” e “preguiça” e ficando restrito aos seus apoiadores mais radicais e alguns saudosistas da ditadura.
Na impossibilidade de se retirar Lula do pleito, os liberais se organizam para retirar Bolsonaro. Este movimento tem duas premissas verdadeiras: por um lado, a continuar a situação estável que temos (de Lula ganhando capital político e Bolsonaro derretendo) a eleição tende a ser resolvida no primeiro turno em favor do petista, para o “bem de todos e felicidade geral da nação”. Por outro lado, um segundo turno com Lula e alguém com MENOS rejeição que ele reavivaria o antipetismo esquizofrênico, e poderia catalisar um arco de oposição a Lula que pode ser tão ou mais amplo do que a “frente ampla” de apoio ao petista. Ambas as premissas parecem verdadeiras, e a cassação de Bolsonaro seria a melhor chance de uma “terceira via” passar para um segundo turno.
Do ponto de vista legalista, Bolsonaro não deveria sequer ter sido diplomado presidente. Depois, ele deve ter uns trezentos motivos para o impeachment e um movimento contra Bolsonaro neste momento indica muito mais um casuísmo do que a aplicação da lei. Afinal, ele já foi corresponsável pelas 667 mil mortes por covid e por metade da população brasileira estar em estado de insegurança alimentar. A esta altura do campeonato, aventar uma punição por uma possível utilização (agora?) ilegal de fakenews é a clara demonstração da utilização dos rigores da lei para objetivos políticos da elite.
Por outro lado, do ponto de vista da legitimidade da eleição, a cassação de Bolsonaro é terrível. Ela contamina não apenas o pleito de 2022, como também o de 2026. Seria a terceira eleição seguida com “fatos externos” à urna definindo os caminhos da eleição. A colocação na ilegalidade do candidato com quase 30% das intenções de voto serviria, neste momento, apenas para fazer a felicidade dos que atacam a legitimidade da eleição. Se Bolsonaro não for vencido nas urnas, de forma acachapante, o mito fascista fará seu trabalho até 2026, e um representante do clã Bolsonaro certamente se apresentará como cavaleiro vingador a lutar por “justiça” daqui a quatro anos.
Por último, o movimento da cassação da chapa Bolsonaro movimentaria completamente o tabuleiro eleitoral que hoje é desfavorável às elites. Seria a possibilidade de um “fato novo” cujas conclusão são difíceis de serem previstas. Do ponto de vista estratégico, entretanto, para as elites e para os liberais é melhor uma possibilidade de mudança do que mudança alguma no cenário atual. A verdade é que, por mais paradoxal que seja, a cassação de Bolsonaro hoje somente atende aos interesses das elites. Não há nenhuma chance que esta cassação da chapa mude a política do governo Bolsonaro (cassação não é impeachment) e, portanto, não arrefeceria a violência social e o empobrecimento do povo. Não evitaria que Bolsonaro continuasse a vender patrimônio público (e talvez até o fizesse se jogar nesse objetivo com mais força) e tampouco faria com que Bolsonaro, de repente, passasse a ser civilizado e cordato.
Deixando o fígado e o coração de lado, a cassação da chapa Bolsonaro, neste momento, é o lance que as elites, os liberais e a terceira via melhor poderiam pensar para a tentativa de voltar a ter algum protagonismo no pleito de 2022. Serve apenas a eles. Para Bolsonaro é importante cada segundo entre o hoje e a eleição e para a esquerda lulista o melhor seria dormir hoje e acordar amanhã no dia 02 de outubro. A esperança não paciência quando está com fome, mas se a aposta é na democracia e nas instituições, Bolsonaro precisa ser vencido nas urnas, processado e preso pelos crimes que cometeu.
Nem o revertério barriguístico e a caganeira nos ajuda, hoje, na luta contra o movimento fascista, embora eu adoraria ver isto acontecer.
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