Emmanuel Macron, presidente da França, em encontro com Olaf Scholz, chanceler da Alemanha
Envolvido pelos EUA na guerra e incapaz de agir com autonomia, continente enfrenta crise energética, pobreza e inflação. Scholz, Macron e Draghi perderam-se. Crise de liderança abre espaço perigoso para ascensão da ultradireita
Por Maria G. Zornoza, no Público | Tradução: Maurício Ayer
Olaf Scholz afunda nas pesquisas. Emmanuel Macron está enfraquecido após as últimas eleições legislativas. Mario Draghi renunciou. Os escândalos de Boris Johnson o forçaram a recuar. Pedro Sánchez enfrentará eleições no próximo ano. E desde o início de seu mandato, Joe Biden se vê abatido por uma profunda falta de popularidade. O Ocidente enfrenta uma crise de liderança.
Como pano de fundo, a Europa vive um dos seus momentos mais complicados desde o fim da Guerra Fria. Com 8,9%, a Zona do Euro registrou uma taxa de inflação recorde em julho. A crise energética se agrava. Recentemente, a Rússia anunciou o terceiro corte no fornecimento de gás nas últimas semanas, que começará em 31 de agosto. E, nesse cenário, a guerra na Ucrânia completará em breve seus primeiros seis meses, sem nenhum sinal de uma conclusão à vista.
O vácuo de liderança entre os aliados transatlânticos já se fazia sentir às vésperas do início da invasão russa da Ucrânia. Na Alemanha, a saída da histórica chanceler alemã Angela Merkel deu lugar a um opaco Olaf Scholz. Em 24 de fevereiro, Macron estava a dois meses das eleições presidenciais em seu país, que acabou vencendo contra a extrema direita. A OTAN cochilava em busca do sentido da vida. E os Estados Unidos ainda arrastavam a crise de reputação e credibilidade após o desastre no Iraque e a retirada do Afeganistão.
Macron é o presidente ocidental que mais conversou com o inquilino do Kremlin desde o início da disputa. Ele é um dos poucos que mantêm a linha telefônica aberta. Ambos apoiaram recentemente a necessidade de enviar uma missão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) à usina ucraniana de Zaporizhia, a maior da Europa e sob controle do exército russo.
Mas o principal interlocutor da Rússia para negociar qualquer aspecto da guerra continuam sendo os Estados Unidos. Apenas quatro dias antes de a Rússia invadir seu vizinho ucraniano e com os tambores da guerra batendo alto, Macron tentou em uma conversa telefônica com Putin acertar uma reunião entre o presidente russo e Joe Biden em Genebra. “Para ser sincero, eu ia jogar hóquei no gelo, estou falando com você do ginásio onde vou começar meus exercícios físicos. Primeiro vou consultar os meus assessores”, respondeu Putin, em conversa registrada pelo Washington Post.
A linha direta do Eliseu com o Kremlin gerou desconforto na Ucrânia e entre os países orientais e bálticos, que apostam no máximo isolamento de Putin. E zero diálogo. Durante a guerra, o eixo franco-alemão não desfrutou de sua tradicional influência e liderança na mesa do Conselho Europeu. E a situação de fraqueza é especialmente notável em Berlim.
Alemanha é talvez o país mais exposto à atual crise energética e à potencial crise econômica. Durante a última década, a locomotiva alemã apostou boa parte de sua demanda energética em hidrocarbonetos russos. E agora deve enfrentar o duplo desafio de reconhecer seus erros e a falta de uma estratégia de longo prazo e lidar com os cortes intermitentes de gás orquestrados pela gigante estatal Gazprom.
A posição do chanceler também é enfraquecida pelos diferentes postulados entre seus parceiros de coalizão, Verdes e Liberais, que têm criticado muito o posicionamento inicial “morno” do presidente no que se refere ao envio de armas à Ucrânia. Nos últimos dias, Scholz foi atingido por um escândalo por possível favorecimento a uma instituição financeira quando era prefeito de Hamburgo.
Meloni, a caminho da liderança transalpina
A terceira potência econômica, a Itália, vai – novamente – às urnas em 25 de setembro. O tecnocrata Mario Draghi havia se estabelecido como um dos líderes de maior autoridade dentro e fora das fronteiras europeias. Por um lado, apresentou o único plano de paz à ONU, mas, por outro, manteve a contundência nas mensagens contra Putin, em contraste com as posições pró-Rússia que La Liga de Matteo Salvini, um dos parceiros do governo, havia mostrado no passado. As pesquisas não antecipam bons resultados para a UE.
A ultradireitista Giorgia Meloni está posicionada com chance de se tornar primeira-ministra transalpina. Seu partido, a extrema-direita dos Fratelli d’Italia, aliados do Vox, está emergindo como o partido vencedor. E poderia formar o gabinete do Executivo com La Liga de Matteo Salvini e Forza Italia de Silvio Berlusconi, ambos admiradores declarados de Vladimir Putin.
A coligação ultraconservadora já apresentou o seu programa comum em que diz respeitar os compromissos assumidos pela Otan e a sua plena adesão ao processo de integração europeia, bem como o seu apoio à Ucrânia. Mas em uma Bruxelas que vive um dos momentos mais difíceis de sua história, o fato de uma potência como a Itália estar nas mãos da ultradireita gera desconforto.
Por sua vez, a extrema-direita finlandesa também usou o impulso da guerra na Europa para tentar derrubar a primeira-ministra Sanna Marin, que apareceu em um vídeo festejando com os amigos. O radical Partido dos Finlandeses argumentou que a presidente, que estava em seu tempo privado, faltava com suas obrigações, colocando em risco a segurança nacional.
Os populistas se beneficiam
Para além das fronteiras da Comunidade Europeia, a situação não é muito melhor. De acordo com uma pesquisa da PBS, apenas 36% dos americanos aprovam o seu presidente. A gestão de Joe Biden não termina de se enraizar e em apenas dois meses se comemoram as importantes midterms. As eleições de meio de mandato ameaçam trazer resultados ruins para a bancada do Partido Democrata.
Mas a grande expressão do questionamento da liderança vem de Londres. Depois de acumular vários escândalos, o primeiro-ministro Boris Johnson parecia ser o grande sobrevivente, mas finalmente não teve escolha a não ser renunciar no mês passado, pela onda de demissões que varreu seu gabinete.
A agitação nos palácios presidenciais desses líderes contrasta com a situação em países governados por outros abertamente populistas e não liberais. A guerra na Ucrânia favoreceu o Executivo polonês liderado pelo PiS, que compartilha um grupo com o Vox no Parlamento Europeu, para melhorar seu relacionamento com Bruxelas. Na Hungria, o indomável Viktor Orbán declarou estado de emergência, aumentando seus poderes e fazendo de sua oposição à estratégia europeia contra a Rússia um de seus pontos fortes para conquistar apoio doméstico. E na distante Turquia, Recep Tayyip Erdogan está brincando com o veto da Finlândia e da Suécia na Otan para que esses países extraditem combatentes curdos.
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