(Foto: Sputnik / Stringer)
"As forças russas retiraram-se do território de Kharkov para a margem esquerda do rio Oskol, onde agora estão entrincheiradas", analisa o colunista Pepe Escobar
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Guerras não são ganhas com operações psicológicas. Perguntem à Alemanha nazista. Mesmo assim, tem sido hilariante assistir à mídia OTANistanense reportar sobre Kharkov, em uma exaltação uníssona de tipo "o golpe de martelo que derrubou Putin", "os russos estão em apuros" e uma variedade de outras bobagens.
Fatos: as forças russas retiraram-se do território de Kharkov para a margem esquerda do rio Oskol, onde agora estão entrincheiradas. Uma linha Kharkov-Donetsk-Luhansk parece continuar estável. Krasny Liman está sob ameaça, mas nada de muito letal.
Ninguém – nem mesmo Maria Zakharova, a equivalente feminina contemporânea de Hermes, o mensageiro dos deuses – sabe o que vem sendo planejado pelo Estado-Maior russo (EMR), nem neste caso nem em qualquer outro. Se alguém disser que sabe, está mentindo.
No pé em que as coisas andam, o que pode ser inferido com um razoável grau de certeza é que uma linha – Svyatogorsk-Krasny Liman-Yampol-Belogorovka – é capaz de resistir por tempo suficiente com suas atuais guarnições até que novas tropas russas consigam lançar um ataque e forçar os ucranianos de volta para além da linha Seversky Donets.
Houve um grande quebra-pau - virtual – sobre o porquê de Kharkov ter acontecido. As repúblicas populares e a Rússia nunca contaram com um número suficiente de homens para defender a totalidade da linha de frente de 1000 quilômetros. As capacidades de inteligência da OTAN notaram – e tiraram partido.
Não havia Forças Armadas Russas naqueles assentamentos: apenas em Rosgvardia havia tropas não-treinadas para lutar contra forças militares. Kiev atacou com uma vantagem de cerca de 5 para 1. As forças aliadas recuaram para evitar serem cercadas. Não houve baixas nas tropas russas porque não havia tropas russas na região.
É possível afirmar que o episódio tenha sido um caso único. As forças de Kiev comandadas pela OTAN simplesmente não conseguirão repetir a façanha em nenhum outro lugar do Donbass, nem em Kherson, nem em Mariupol, que são protegidos por unidades fortes e regulares do Exército Russo.
É praticamente certo que se os ucranianos continuarem nos arredores de Kharkov e Izyum eles serão pulverizados por artilharia russa maciça. O analista militar Konstantin Sivkov sustenta que "a maioria das formações prontas para combate das Forças Armadas da Ucrânia estão sendo abatidas (…) conseguimos atraí-las para campo aberto e agora as estamos destruindo sistematicamente".
As forças ucranianas comandadas pela OTAN, repletas de mercenários a soldo da organização atlanticista, estava há oito meses acumulando equipamento e reservando ativos treinados exatamente para esse momento Kharkov – enquanto despachava tropas descartáveis para um imenso moedor de carne. Será muito difícil manter uma linha de montagem de um número significativo de ativos de primeira qualidade para conseguir algo de parecido mais uma vez.
Os próximos dias mostrarão se Kharkov e Izyum estão conectados a uma ofensiva de muito maior monta por parte da OTAN. O estado de ânimo na União Europeia controlada pela OTAN está bem próximo ao Beco do Desespero. Há uma forte possibilidade de que essa contraofensiva signifique que a OTAN está entrando na guerra de uma vez por todas, embora exibindo uma tênue negação plausível: seu véu de sigilo – fake – não consegue disfarçar a presença de toda uma gama de "consultores" e mercenários.
Descomunização e desenergização
A Operação Militar Especial (OME), em termos conceituais, não visa a conquista de território em si: ela trata, ou tratava até agora, da proteção dos cidadãos russófonos nos territórios ocupados e, portanto, da desmilitarização/desnazificação.
Esse conceito talvez esteja prestes a ser alterado. E é aí que se encaixa o tortuoso e complexo debate sobre a mobilização da Rússia. Mas mesmo uma mobilização parcial talvez não venha a ser necessária: o que é preciso são reservas que permitam às forças aliadas cobrir as linhas de retaguarda defensiva. Combatentes bem-treinados, como os do contingente Kadyrov continuariam a atuar na ofensiva.
É inegável que as tropas russas perderam um nó estrategicamente importante em Izyum. Sem essa localidade, a total libertação do Donbass torna-se significativamente mais difícil.
Mas, para o coletivo ocidental, cuja carcaça se curva dentro de um vasto simulacro de bolha, são as operações psicológicas que importam muito mais que um avanço militar de menor importância: daí toda a bravata sobre a Ucrânia ser capaz de expulsar os russos da totalidade do Kharkov em apenas quatro dias – quando eles tiveram seis meses para liberar o Donbass e não o fizeram.
Portanto, por todo o Ocidente, a percepção reinante – freneticamente alimentada por especialistas em operações psicológicas – é que os militares russos foram atingidos por aquele "golpe de martelo" e dificilmente irão se recuperar.
O timing de Kharkov foi minuciosamente estudado – o General Inverno está logo ali, a questão da Ucrânia já vinha sofrendo de fadiga de opinião pública, e a máquina de propaganda precisava de um impulso que turbo-lubrificasse o multi-bilionário contrabando de armas para o território ucraniano.
No entanto, Kharkov talvez tenha forçado Moscou a girar com mais força o botão de controle da dor. Isso foi feito com alguns bem-posicionados Sr. Khinzals, que deixaram o Mar Negro e o Mar Cáspio para apresentar seus cartões de visita às maiores usinas termoelétricas do nordeste e da região central da Ucrânia (a maior parte da infraestrutura de energia fica no sudeste).
A metade da Ucrânia de repente ficou sem luz e sem água. Os trens pararam. Se Moscou decidir derrubar todas as grandes subestações da Ucrânia de uma só vez serão necessários apenas uns poucos mísseis para esmagar por completo a rede elétrica do país – dando um novo sentido a "descomunização", que agora significa desenergização.
Segundo uma análise de especialistas, "se transformadores de 110-330 kV forem danificados, será quase impossível recolocá-los em funcionamento (…) E se isso acontecer em pelo menos cinco subestações ao mesmo tempo, então tudo estará perdido. Idade da pedra para sempre".
Uma autoridade do governo russo, Marat Bashirov, expressou-se em termos muito mais pitorescos: "A Ucrânia está sendo mergulhada no século XIX. Se não houver sistema elétrico, não haverá exército ucraniano. A questão é que o General Volt se juntou à guerra, seguido pelo General Moroz ("Geada").
E é assim que podemos, finalmente, estar entrando no território da "verdadeira guerra" – como na notória fala de Putin, de que "ainda sequer começamos".
Uma resposta definitiva virá do Estado-Maior Russo nos próximos dias.
Mais uma vez, um debate acalorado acontece quanto ao que a Rússia fará a seguir, (o EMR, afinal, é inescrutável, com a exceção de Yoda Patrushev).
O Estado-Maior Russo pode optar por um forte ataque estratégico do tipo decapitação em algum outro lugar – piorando muito a questão (para a OTAN).
Ele pode também optar por enviar mais tropas para proteger a linha de frente (sem mobilização parcial).
E, acima de tudo, ele pode ampliar a missão da OME – chegando à total destruição da infraestrutura de transporte e energia, desde os campos de gás até usinas de energia termoelétrica, subestações e desativação das usinas nucleares.
Bem, e poderia ser uma mistura de todo o citado acima: uma versão russa do Choque e Terror – gerando uma catástrofe socioeconômica sem precedentes. Essa possibilidade já foi telegrafada por Moscou: podemos mandar vocês de volta à Idade da Pedra a qualquer momento e em uma questão de horas (itálicos meus). Suas cidades saudarão o General Inverno com aquecimento zero, água congelada, quedas de energia e conectividade nenhuma.
Uma operação contraterrorista
Todos os olhos se voltam para a questão de se os "centros de decisão" – como Kiev – irão, em breve, receber a visita de um Khinzal. Isso significaria que a paciência de Moscou se esgotou. A dos siloviki certamente chegou ao fim. Mas ainda não chegamos lá. Porque, para um Putin eminentemente diplomático, a verdadeira questão gira em torno do fornecimento de gás para a União Europeia, aquele insignificante fantoche da política externa dos Estados Unidos.
Putin, certamente, tem perfeita consciência de que a frente interna está sob alguma pressão. Ele recusa até mesmo uma mobilização parcial. Um indicador perfeito do que pode vir a acontecer no inverno são os referendos nos territórios libertados. A data limite é 4 de novembro – o Dia da Unidade Nacional, uma comemoração criada em 2004 para substituir a celebração da Revolução de Outubro (que já existia nos tempos imperiais).
Com a adesão desses territórios à Rússia, qualquer contraofensiva ucraniana poderia ser qualificada como um ato de guerra contra regiões incorporadas à Federação Russa. Todos sabem o que isso significa.
Talvez seja dolorosamente óbvio que quando o coletivo ocidental entra em guerra – híbrida ou cinética, empregando tudo, desde inteligência maciça até dados de satélite e hordas de mercenários – contra você, e você insiste em conduzir uma Operação Militar Especial difusamente definida, você pode esperar por surpresas desagradáveis.
Então, o status da OME talvez esteja prestes a mudar: ela fatalmente se converterá em uma operação contraterrorista.
Esta é uma guerra existencial. Uma questão de vida ou morte. O objetivo geopolítico/geoeconômico dos Estados Unidos, em poucas palavras, é destruir a unidade russa, impor mudança de regime e saquear toda aquela enormidade de recursos naturais. Os ucranianos não passam de carne de canhão: em uma espécie de remake histórico pervertido, o equivalente moderno da pirâmide de crânios que Timur usou como tijolos para erguer 120 torres, quando ele arrasou Bagdá, em 1401.
Talvez seja preciso um "golpe de martelo" para que o Estado-Maior Russo acorde. Mais cedo do que tarde, as luvas – de pelica ou não – serão retiradas. Fim da OME. Começo da Guerra.
Tradução de Patricia Zimbres
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