O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante cerimônia de posse, no Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Lula sempre tem afirmado que aceitou um terceiro quadriênio para realizar mais do que fez durante os oito anos em que esteve à frente do Palácio do Planalto
Paulo Kliass
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Superados os imensos obstáculos colocados pelo candidato à reeleição no pleito presidencial de outubro, a vitória de Lula e esse maravilhoso processo de posse começam a colocar os desafios para levar à frente o programa do novo governo. Derrotar Bolsonaro nas urnas carregou um simbolismo fundamental para reduzir o espaço político da extrema direita no Brasil e no mundo. Tratou-se de impedir a continuidade do projeto filo-fascista em nossas terras e de recuperar o atraso representado pela desconstrução do Estado e pelo desmonte das políticas públicas levados a cabo ao longo desse quadriênio marcado pelo desastre e pelo obscurantismo.
A necessidade de promover uma descontinuidade na política criminosa e genocida implicou a conformação de uma frente ampla em torno da candidatura do ex presidente em busca de seu terceiro mandato. Nunca é demais relembrar que esse movimento estava para ser levado em frente ainda no segundo semestre de 2018, quando as pesquisas já apontavam a preferência do eleitorado por Lula. Daí vieram as manobras ilegais de Sérgio Moro para impedir que ele pudesse concorrer nas eleições. O xerife da Operação Lava Jato foi generosamente recompensado pelo presidente, com a oferta do cargo de Ministro da Justiça e da Segurança Pública. Afinal, Bolsonaro deve aos desmandos do juiz de Curitiba a sua entrada no Palácio do Planalto. Anos depois, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu as inúmeras ilegalidades do processo e promoveu sua anulação.
A consolidação de um arco de alianças mais amplo para vencer as eleições em outubro passado criou algumas dificuldades na composição da equipe do novo governo. Lula reconheceu a necessidade de atrair forças políticas mais conservadoras para vencer no segundo turno e também para assegurar um mínimo de governabilidade nas relações do Executivo com o Congresso Nacional. Isso implicou a nomeação de representantes de tais setores no primeiro escalão do governo.
Defesa e Planejamento não podem dificultar.
Algumas áreas mais sensíveis politicamente poderão colocar dificuldades ao novo Presidente, como a delegação da pasta da Defesa a José Mucio Monteiro. As hesitações de Simone Tebet quanto ao ministério a ocupar levaram à solução de lhe entregar o estratégico posto do Ministério do Planejamento e Orçamento. Além disso, a presença de indicações diretas dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal na composição da equipe também criou um clima de saia justa junto aos que tanto lutamos por uma superação efetiva deste período tão marcado por tanto retrocesso político, social, institucional, ambiental e econômico. Afinal, ambos foram apoiados por aquele que fugiu para os Estados Unidos e ofereceram uma ajuda fundamental para o desastre em que o Brasil está mergulhado.
Dentre as inúmeras missões, a função principal do Ministro da Defesa é promover uma articulação eficiente entre o Presidente da República e os comandantes das 3 Forças. Afinal, a Constituição estabelece que ele é o comandante supremo das Forças Armadas e a ele os chefes dos militares devem estrita obediência. A postura fraca e contemporizadora de Mucio, bem como a sua recusa em resolver os resquícios do golpismo no novo governo, são exemplos de uma conduta que pode ser bastante problemática. Os especialistas nos têm sempre lembrado que um Chefe do Executivo que não comanda as Forças corre o sério risco de ser comandado pelas mesmas.
No caso da economia, o problema também pode comprometer a capacidade do novo governo cumprir com as expectativas criadas para o clima da mudança política. A herança da equipe do Banco Central (BC) indicada por Paulo Guedes foi institucionalizada depois da aprovação da lei que concedeu independência ao órgão. A presença de Tebet no Ministério do Planejamento e Orçamento oferece a oportunidade para que setores ligados ao financismo se façam presentes em órgãos do ministério recriado. É importante registrar que a Ministra deve fazer parte da composição do Conselho Monetário Nacional (CMN), junto com o presidente do BC e o novo titular da Fazenda. A institucionalidade definitiva do colegiado ainda depende da definição da nova estrutura de governo, mas corremos o risco de ver ali presente uma maioria de orientação conservadora para a determinação de agendas essenciais para a política econômica do governo.
Fiscalismo x desenvolvimentismo
A indefinição de Fernando Haddad quanto às diretrizes mais importantes de seu mandato frente ao Ministério da Fazenda não permite uma conclusão mais assertiva quanto às mudanças de fato, tão necessárias quanto esperadas no âmbito da economia. O novo titular parece titubear entre a criação de mecanismos para assegurar a implementação dos compromissos da época da campanha e a adoção de medidas buscando agradar aos interesses do sistema financeiro. Ocorre que um mandato é muito pouco tempo frente aos estragos da destruição promovida por Bolsonaro. E Lula sempre tem afirmado que aceitou um terceiro quadriênio para realizar mais do que fez durante os oito anos em que esteve à frente do Palácio do Planalto.
O então candidato parecia ter clareza desse tipo de dificuldades que deveria enfrentar desde antes da confirmação da vitória. A experiência vivida no início de seu primeiro mandato com a autonomia concedida ao então titular da Fazenda (Antonio Palocci) e ao responsável pelo BC (Henrique Meirelles) parece ter operado para uma postura mais amadurecida no momento atual. Lula sabe que precisa oferecer melhorias reais para a vida da maioria da população de forma emergencial, mas também lançar as bases de um projeto nacional de desenvolvimento.
Assim, ainda em julho ele lançou para seu próximo quadriênio um bordão claramente inspirado no governo de Juscelino Kubitschek: fazer 40 anos em 4. Ora, para cumprir com tal tarefa, cada dia, cada semana, cada mês são fundamentais para que o cronograma seja capaz de oferecer as mudanças tão esperadas. Isso significa trazer as bases de um projeto desenvolvimentista, com recuperação da capacidade do planejamento público e do protagonismo do Estado na definição dos projetos prioritários e estratégicos. Para cumprir a meta que se propôs, Lula deverá exigir de seus colaboradores da área econômica bem mais do que tiradas de bom mocismo para agradar ao povo da finança, como as reafirmações extemporâneas de compromissos com a austeridade fiscal ou com metas de superávit primário.
(...) “Nós vamos tentar fazer 40 anos em 4, porque o Brasil precisa de urgência para recuperar o emprego e a qualidade de vida do povo.” (...)
Para cumprir a promessa de fazer mais e melhor, Lula sabe muito bem que precisará de um volume expressivo de despesas de natureza orçamentária e também de aplicações originadas dos bancos públicos. Esse volume de recursos não é compatível com esforço de contenção fiscal. O novo consenso social implica a concordância em promover uma elevação no nível de gastos, sem que isso tenha a significação de alguma catástrofe social ou econômica. Felizmente a situação de nossas contas externas permitiu que o processo de endividamento público seja quase totalmente efetuado em moeda nacional, sem a necessidade de o Estado brasileiro recorrer à dívida em títulos denominados em divisas externas.
Para que esse projeto de governo seja vitorioso, é fundamental a colocação em movimento de um vigoroso volume de inversões públicas, em condições de capitanear o conjunto dos novos investimentos privados, capaz de promover uma elevação naquilo que o economês chama de “formação bruta de capital fixo”. Caso o governo permaneça preso por alguma obsessão em apresentar resultados de austeridade fiscal no curto e no médio prazos, essa meta tende a não se viabilizar. Por outro lado, também será necessário que a administração pública se afaste do sonho liberaloide de não promover regulação e controle nenhum sobre preços estratégicos, a exemplo dos derivados do petróleo, tarifa de energia e saneamento, transportes, dentre outras.
Lula: 40 anos até 2026
Mas para isso será importante que Lula faça valer outra afirmação sua, realizada já ao longo do processo de montagem de sua equipe ministerial. Em meados de dezembro, quando os grandes meios de comunicação lançavam seus torpedos contra os “supostos riscos de volta da irresponsabilidade fiscal” e apresentavam seus candidatos ortodoxos aos postos chaves na área da economia, o presidente fez questão de lembrar que era ele o eleito e que iria cumprir com as promessas de campanha. Lula disse que haverá alguma autonomia para os nomeados para a área da economia, mas que o responsável pelas medidas da área, em última instância, seria ele mesmo.
Para que essa intenção se transforme em um cotidiano de seu governo, é fundamental alcançar um consenso no interior de sua equipe a respeito de tal meta de desenvolvimento. Aguardemos, pois, as primeiras medidas de Planejamento e Orçamento. Aguardemos também as primeiras medidas da área da Fazenda. Aguardemos ainda as primeiras medidas do setor de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O trabalho de coordenação da Casa Civil deverá fazer com que a real intenção do Presidente da República esteja presente no interior dos pacotes a serem anunciados. É fundamental que o surrado discurso de ajuste fiscal seja trocado por um outro que aponte para a retomada do desenvolvimento.
O tempo passa rápido e os 4 anos já tiveram a contagem iniciada em 1º de janeiro.
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