terça-feira, 11 de julho de 2023

A Eletrobrás poderá ser Boeing, Brumadinho ou Light, por Luís Nassif



Um dia a realidade se imporá e a Eletrobras voltará ao controle público. Resta saber qual o nível de destruição que terá sido perpetrado contra ela.


Quem quiser saber como será a Eletrobras amanhã, precisa assistir “Queda Livre”, o documentário da Netflix que mostra como Wall Street liquidou com um dos orgulhos do modelo americano: o padrão de qualidade e segurança da Boeing.

O padrão é o mesmo utilizado pela 3G – de Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles – nas Americanas, na Light, na Ambev e, agora, na Eletrobras.

O modelo é baseado em Jack Welch, o executivo que moldou a cara da economia americana, pós anos 90, e é apontado, hoje em dia, como o principal responsável pela decadência corporativa do país.

Ele assumiu a presidência de um dos orgulhos do capitalismo americano, a General Eletric. Passou a imprimir uma gestão em que o objetivo final era aumentar os dividendos para os acionistas.

O documentário sobre a Boeing mostra claramente os efeitos desse modelo. Era uma “corporation”, empresa com controle pulverizado no mercado. Aí houve a fusão com a concorrente McDonnel Douglas. Ela acabou assumindo o controle da Boeing e impondo seu padrão Wall Street.

Passa, então, a impor cortes em tudo o que pudesse comprometer o pagamento de dividendos. Reduz os controles de qualidade, de segurança, deixa de investir em novas tecnologias, resolve privilegiar a recauchutagem de modelos mais baratos e esconde qualquer implementação que pudesse exigir treinamento dos futuros pilotos. As consequências são trágicas: dois acidentes seguidos que matam mais de 300 pessoas.

No Brasil, esse modelo de gestão foi implementado através da figura do CEO genérico, o executivo sem conhecimentos maiores do setor, cujo único objetivo é cortar tudo o que não signifique retorno imediato nos dividendos. Os casos de Americanas, Light, Mariana e Brumadinho são os exemplos mais flagrantes deste padrão.

Mas o que significará esse modelo na Eletrobras – e, provavelmente, na Cemig e na Copel, alvos dessa rapinagem?

No caso da Eletrobras, o golpe foi ostensivo:

1. Um grupo com menos de 1% dos votos arma uma jogada com o governo federal. Conseguem uma mudança nos estatutos da Eletrobras tirando qualquer forma de participação do governo nas decisões.

2. Garantem cargos bem remunerados para todos os participantes da tramoia, de presidente da empresa e procuradores da Advocacia Geral da União que deu parecer em favor do golpe.

3. Planejam o mesmo golpe em cima da Copel e da Cemig. Indica para membros do conselho pessoas diretamente ligadas a eles.

O jogo começou na gestão Wilson Ferreira Junior. Houve várias operações de redução de quadros; acabaram com as pesquisas internas; reduziram os sistemas de segurança e de manutenção; acabaram com todos planos de investimento.

Os desdobramentos podem ser catastróficos.

O setor elétrico passa por mudanças radicais. Há inúmeras formas novas e descentralizadas de geração de energia, criando uma fragmentação inédita. Mais do que nunca, há a necessidade de um agente público coordenador, e que garanta a modicidade tarifária.

No programa especial da TV GGN Justiça sobre o tema, fica claro que a presença do estado é fundamental para coordenar expectativas, reduzir conflitos e definir caminhos.

Hoje em dia, há dois mercados no país: o da energia contratada e o mercado livre. A energia contratada são os contratos de longo prazo com as distribuidoras. Quem garante a oferta é a Eletrobras, com suas usinas depreciadas.

O que significa isso? Historicamente, no valor das tarifas havia um percentual referente à depreciação das usinas, permitindo a recuperação gradativa do capital investido. Passado o período de depreciação, as tarifas caíram, refletindo-se no valor das tarifas das distribuidoras, que atingem pequenos empresários e consumidores residenciais., Privatizada, o plano da Eletrobras é jogar toda a energia no mercado livre. Vai ser um choque tarifário que será explosivo em momentos de escassez hídrica.

Atualmente, graças à integração dos sistemas de transmissão, quando falta energia em uma região, ela é suprida pela Eletrobras. Privatizada, os maiores especuladores da história moderna do mercado de capitais terão controle total sobre a maior parte da energia gerada no país e sobre os sistemas de transmissão.

O setor elétrico no Brasil está se desmanchando e não tem uma visão coletiva na cifra. Como alertou Ronaldo Bicalho, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais, o setor está sendo guiado por expectativas de curtíssimo prazo e cada um está na sua agenda individual, o que tem levado a uma torre de babel no setor elétrico.

Por exemplo, a energia eólica – preponderante no Nordeste – é instável e precisa de um backup para segurá-la.

Hoje em dia, há uma tendência mundial de remunicipalização e reestatização do setor elétrico. O próprio Emmanuel Macron, presidente da França e privativista convicto, voltou a reestatizar a maior empresa de energia do país, por questão de segurança nacional.

A energia movimenta hospitais, UTIs, garante a preservação de alimentos, é essencial para o resfriamento de peças industriais, é fuindamental para a cidadania das populações mais vulneráveis.

Permitir a manutenção do golpe da Eletrobras ou da privatização da Copel, será jogar todos esses grupos ao mar.

Como vaticinou Bicalho, como dois e dois são quatro, um dia a realidade se imporá e a Eletrobras voltará ao controle público. Resta saber qual o nível de destruição que terá sido perpetrado contra ela.



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