quinta-feira, 14 de setembro de 2023

BRICS - As ilusões do Ocidente: não há como parar as transformações geopolíticas em curso

Da esquerda à direita: presidente Lula, do Brasil; presidente Xi Jinping, da China; presidente Matamela Ramaphosa, da África do Sul; primeiro-ministro Narendra Modi, da Índia; e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, em encontro dos Brics em Joanesburgo, na África do Sul (Ricardo Stuckert/PR)

O surgimento do Brics foi o primeiro marco no processo de renovação da dinâmica capitalista internacional, apesar das enormes assimetrias entre seus membros

Charles Pennaforte

Uma grande parte dos especialistas ocidentais vem descartando um aspecto fundamental para uma boa análise: a lógica. Todos nós sabemos que uma grande parte destes especialistas não estão preocupados realmente em explicar os fenômenos que estamos vivenciando, mas sim moldá-los aos seus interesses ideológicos e políticos. O que estamos verificando desde fevereiro de 2022 é a aceleração do processo de transformação sistêmica e geopolítica de uma ordem internacional iniciada em 1945 e reformulada em 1989, com o fim da disputa ideológica entre Washington e Moscou.

A primazia dos EUA já está em declínio há bastante tempo e avançou com o fim da Guerra Fria, após um período de euforia com o possível “fim da história” sob sua liderança incontestável. Contudo, a realidade foi bem diferente do planejado em Washington. Novos atores internacionais foram reaparecendo e outros surgiram ao longo das última três décadas.

No século XXI, o surgimento do Brics foi o primeiro marco no processo de renovação da dinâmica capitalista internacional, apesar das enormes assimetrias, frequentemente destacadas pelos críticos ocidentais, entre seus membros. O eixo euro-atlântico começou gradualmente a perder importância. O segundo marco na mudança da dinâmica econômica e geopolítica no atual ciclo sistêmico de acumulação liderado pelos EUA foi a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) em 2014, também conhecido como o “Banco do Brics“. O NBD é um evento histórico, pois fornece outras fontes de recursos para o desenvolvimento de países hoje denominados “emergentes”, que buscam o crescimento econômico com bases mais justas.

Desde Bretton Woods o Ocidente manteve a hegemonia financeira no capitalismo internacional, ditando o ritmo de desenvolvimento do então chamado Terceiro Mundo, atrelando-o à aquisição de dólares (empréstimos) para a promoção do desenvolvimento. Analisando o quanto ilógico é um único país ter a sua moeda como reserva mundial e como isso pode ser utilizado como arma econômica contra uma nação ou grupou de nações, os membros fundadores do Brics já planejavam fugir desse domínio econômico e geopolítico há algum tempo. O conflito na Ucrânia acelerou tal processo.

O terceiro evento histórico no processo de construção de um mundo multipolar, sem a primazia do eixo euro-atlântico, ocorreu na 15ª Cúpula do Brics em Joanesburgo, neste ano. Além de marcar o compromisso com a multipolaridade, o grupo de países expandiu o número de membros e sua área geográfica de atuação. A transformação do Brics em um grupo “Brics Plus,” incluindo Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã, representa um sinal importante da nova dinâmica geoeconômica do capitalismo internacional no século XXI.

Sob o ponto de vista estatístico, o Brics é um gigante geopolítico e econômico. Dos 10 maiores produtores de petróleo do mundo, seis estão no grupo, representando 42% do comércio mundial. Além disso, o Brics detém 72% das reservas de minerais de terras raras do mundo. Em termos demográficos, a população do grupo passou de 41% para 46% da população mundial. O PIB em termos de paridade de poder de compra corresponde a 36% do total mundial. Estes são apenas alguns dos pontos que destacam a importância do Brics. Por exemplo, a Argentina, embora enfrente desafios econômicos, é uma potência na extração de lítio, com 13 projetos em desenvolvimento, muito à frente de qualquer outro país. Com sua entrada no Brics, o grupo agora abriga três dos cinco maiores produtores de lítio do mundo, ao lado da China e do Brasil.

Apesar da máquina ideológica e de informação usada por norte-americanos e europeus para tentar obscurecer o atual momento histórico através de análises extremamente pessimistas, a realidade demonstra que o atual processo de consolidação do Brics é irreversível, mesmo com problemas pontuais entre seus membros.

Também é evidente que tanto Washington quanto Bruxelas relutam em aceitar o novo cenário geopolítico e econômico que está surgindo. De Washington, esperamos todas as formas de pressão direta e indireta para levar o Brics ao fracasso ou impedir sua consolidação. Bruxelas, por sua vez, deveria recuperar alguma autonomia em sua política externa em relação aos EUA, que usam a União Europeia como uma peça para a manutenção de seus interesses geopolíticos. Um pouco de bom senso por parte de alemães, franceses e britânicos seria muito importante neste momento. Afinal, é uma ilusão do Ocidente acreditar que pode deter as transformações geopolíticas em curso.


Charles Pennaforte é Doutor em Relações Internacionais e professor do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

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